domingo, 28 de fevereiro de 2010

Simone Spoladore



por Marcelo Miranda


Para uma artista que se define como alguém em constante inquietação, os longos silêncios que antecipam as respostas de Simone Spoladore às perguntas feitas pelo repórter parecem não combinar com sua forma de se apresentar. Herança da origem paranaense? Na verdade, um pouco de cada coisa: Simone é uma atriz que pensa muito antes de se envolver num projeto, e só se envolve nos projetos que escolhe por causa da sua propalada inquietação.

"É algo que não se resolve nunca [na minha personalidade], e fico lidando com isso, tentando me acalmar, mas sempre procurando coisas novas", diz ela, em conversa por telefone direto de Curitiba, onde passa o restante desta semana descansando com a família.

O tempo será pouco para o tanto de trabalhos com os quais Simone, aos 31 anos de idade, tem se envolvido. Nos últimos meses, ela pôde ser vista em três filmes, uma peça de teatro e uma novela. Muito em breve, estará em outra peça e outros dois filmes, fora a novela "Bela, a Feia", na Record, que segue até maio.

Uma efervescência coerente à trajetória desta atriz que completa, em 2010, redondos 15 anos de carreira. O marco de sua caminhada, após experiências informais com balé, é a peça de teatro "Meno Male", de Juca de Oliveira, feita quando ela tinha 16. "Foi o primeiro trabalho pelo qual recebi algum dinheiro", brinca.

De lá até aqui, Simone se tornou uma espécie de musa da amargura. Após extenso currículo nos palcos (nunca interrompido, aliás), ela estreou no cinema com "Lavoura Arcaica", filmado em 1998 e apenas exibido a partir de 2001. Foi escolhida pelo diretor Luiz Fernando Carvalho entre outras 700 candidatas ao papel de Ana, personagem angustiada do livro de Raduan Nassar. O filme também lhe serviu de primeira experiência fora de Curitiba - Simone estava em São Paulo estudando atuação quando soube dos testes. Toda a preparação para fazer a Ana me fez mergulhar muito intensamente no cinema, que sempre foi minha grande paixão", conta.

Antes de "Lavoura...", porém, pôde ser vista na série televisiva "Os Maias", apresentada na Globo e na qual a atriz participava da primeira fase da história de Eça de Queiroz. Ela fazia a oportunista Maria Monforte, figura-chave da tragédia criada pelo escritor português. Na direção, novamente Luiz Fernando Carvalho, de quem Simone se tornou namorada por algum tempo - relação pessoal sobre a qual ela é profundamente discreta.

Simone Spoladore é muito convicta de que toda aquela fase ainda tateante da carreira foi primordial para a maturidade que ela acredita ter alcançado hoje - e, ironicamente, ela se vê muito próxima como o que era há 15 anos. "A Simone de ontem é bem parecida com a de hoje", constata. "No meio do caminho eu precisei passar por um processo de adaptação, mudar de cidade, lidar com vários detalhes da profissão. Depois de tudo, me sinto mais perto do frescor daquele começo, de todo o prazer, até de uma certa ingenuidade, no sentido positivo do termo".

A mudança foi de Curitiba para São Paulo e depois Rio de Janeiro, em definitivo (após "Os Maias" e no intuito de fazer a novela "Esperança"). Mas ela não se diz muito satisfeita na capital carioca. "Ainda tenho dificuldades, não consigo me adaptar bem ao Rio", assume. "Penso em me mudar para São Paulo, mas antes talvez faça uma viagem ao exterior depois que acabar a novela".

Ela não sabe explicar o porquê de não se adequar ao Rio. De novo: seria herança da natureza mais reservada do paranaense, em choque com o tropicalismo exacerbado dos cariocas? Fato é que, mais uma vez ironicamente, a curitibana inquieta se mostra outra vez desassossegada com qualquer comodismo.

Tela e palco
Acostumada a personagens intensos, sofridos, doloridos, Simone Spoladore tem se divertido ao interpretar Verônica, a cartunesca vilã da novela “Bela, a Feia”, na TV Record. “Nunca tinha feito comédia na televisão e estou adorando a experiência. É bom rir em cena”, afirma ela, que ainda tem sutis ressalvas à TV. “Estou aprendendo a gostar”.

A voz da atriz se empolga de verdade ao falar de teatro e cinema. Tanto que ela não consegue apontar qual dos dois prefere, ainda que demonstre pender para o audiovisual. Não à toa, Spoladore poderá ser vista em ao menos quatro filmes ao longo de 2010. Três deles têm sido exibidos em festivais mundo afora: “Natimorto”, de Paulo Machline, no qual contracena com o escritor Lourenço Mutarelli (autor do livro adaptado por Machline); “Insolação”, no qual retoma, via cinema, parceria com o dramaturgo Felipe Hirsch, aqui acompanhada de Daniela Thomas na direção; e “Elvis e Madona”, comédia de Marcelo Laffitte na qual Spoladore é uma lésbica que se apaixona por um travesti.

“São personagens muito diferentes em filmes totalmente distintos”, destaca a atriz, sem temor de uma eventual superexposição. Tanto é que ela já se prepara para voltar a um set de filmagem, a partir de 7 de março, quando vai integrar o elenco de “Nove Crônicas para um Coração aos Berros”, estreia na direção de longas do brasiliense Gustavo Galvão.

Antes disso, Spoladore poderá ser vista em “Luz nas Trevas – Revolta de Luz Vermelha”, filmado no ano passado por Helena Ignez e Ícaro Martins a partir de um roteiro de Rogério Sganzerla. “É uma participação pequena, faço uma perua, esposa do personagem do Sérgio Mamberti”, adianta.

No teatro, Spoladore fez, no ano passado, seu primeiro projeto autoral. “Louise/Valentina” surgiu de conversas suas com o colega Felipe Vidal, inspiradas pela personagem de quadrinhos Valentina, criação do italiano Guido Crepax, e pela atriz norte-americana Louise Brooks (1906-85). “Entramos na sala de ensaios só com um pré-roteiro e criamos o espetáculo lá dentro”, relembra.

Apresentado no Rio de Janeiro, o monólogo de “Louise/Valentina” integra dança, artes visuais, cinema e HQs e ainda deve percorrer outras cidades do país. Enquanto aguarda definições, Spoladore estará no Paraná, no Festival de Teatro de Curitiba, com a peça “Não Sobre o Amor”, dirigida novamente por Felipe Hirsch.



*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 27.2.2010

Gilberto Scarpa



por Marcelo Miranda

"Estou nos braços do povo!". O grito de Gilberto Scarpa no encerramento da 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes, no dia 30 de janeiro, misturava o jeito tipicamente brincalhão desse mineiro de 41 anos de idade com a mais pura verdade. Scarpa acabara de vencer o prêmio de aquisição do Canal Brasil com seu segundo curta-metragem, "O Filme Mais Violento do Mundo", votado pelo júri popular do evento.

Scarpa tem agradado bem além do "povo". Emplacou um programa que está realizando para o Canal Brasil intitulado "Genial!" e foi convidado recentemente a assumir a direção de artes visuais da Secretaria de Estado da Cultura, órgão do governo de Minas Gerais. É um momento de efervescência para esse profissional formado na escola Guignard e cuja carreira mesclou criações em artes plásticas com trabalhos na publicidade e no cinema.

Talvez, por isso, Scarpa seja tão eclético, ainda que suas tentativas de se tornar diretor de filmes tenham dado errado por diversas vezes. Foram justamente suas frustrações que originaram o curta que o tornou mais conhecido no meio audiovisual, "Os Filmes que não Fiz". Vencedor de melhor filme e direção de arte no Cine PE, em Recife, há quase dois anos, o trabalho da produtora Abuzza Filmes já acumula 39 prêmios na prateleira.

"Posso te mandar o roteiro de "Maria, a Louca da Padaria", se você quiser", garante Scarpa, em referência a um dos entrechos mais comentados de "Os Filmes que não Fiz". "O filme se torna menos engraçado sempre que revelo que os roteiros ali na história eram todos verdadeiros".

O curta mostra Scarpa, em pessoa, narrando os projetos que ele nunca conseguiu levar à frente, enquanto o espectador assiste a pedaços filmados desses mesmos roteiros engavetados. Foi sua primeira experiência não apenas como diretor, mas como ator. E ele não esperava dar tão certo. "Até ganhei um prêmio do Sesc-Sated pela minha atuação", relembra, aos risos.

De fato, a presença de Scarpa na tela gera risos imediatos - como foi perceptível na sessão em Tiradentes de "Narcolepsia", curta de Walfried Amaral Weissmann no qual ele interpreta um homem que sofre da "doença do sono". "Depois de uma sessão de ‘Os Filmes que não Fiz’, as pessoas costumam olhar na minha cara e rir, sem que eu faça nada".

Ele acredita que isso se deve à abordagem da figura do fracassado, repetida no curta seguinte, "O Filme mais Violento do Mundo" - desta vez, sem sua presença no elenco. "O ‘loser’ brasileiro é o anti-herói para quem todo mundo torce e com quem nos identificamos naturalmente. Eu penso sempre no que disse o Nelson Rodrigues: o ator moderno, intelectualizado, introspectivo é muito diferente do ator de antigamente, mais canastrão, que tentava atingir o coração do público".

Em Recife, a cara de Scarpa e as lamúrias de seu personagem em "Os Filmes que não Fiz" fizeram gargalhar uma plateia de 3.000 espectadores. "Foi memorável", relembra ele, que não sentiu o mesmo impacto com o filme seguinte. "As sessões agora terminam e ninguém me procura para rir. Não apareço em cena", ironiza.

Por conta do primeiro filme, Scarpa foi convidado para colaborar em alguns projetos de comédia da Gullane Filmes e se animou a seguir carreira de curta-metragista. O próprio "O Filme mais Violento do Mundo" foi todo financiado com prêmios em dinheiro que ele ganhou com seu projeto de maior sucesso.

Atualmente, Scarpa tem três produções engatilhadas, esperando a vez de ganharem as lentes. "Meu próximo trabalho deverá ser uma produção chamada ‘Karaokê Liberdade’", diz. E adianta: "Tenho também o "Pare e Siga", que será meu primeiro filme gay".

Televisivo
Num determinado momento de “Os Filmes que não Fiz”, o produtor paulista Fabiano Gullane surge em cena dizendo receber semanalmente várias “ideias geniais” para virar filme. “Você está falando de uma ideia genial ou de uma ideia geniaaaaaal?”, pergunta ele ao interlocutor.

A cena foi toda dirigida por Gilberto Scarpa e seu produtor, Guilherme Fiuza, especialmente para o curta-metragem. A piada extravasou as fronteiras da tela e se tornou mote para “Genial!”, programa que Scarpa vai estrear no Canal Brasil, ainda sem data definida. “Agora vão poder dizer mesmo que estou fazendo televisão”, ironiza ele, referindo-se a algumas más críticas que recebeu sobre “Os Filmes que não Fiz”, apontando uma suposta estrutura televisiva no filme.

O projeto de “Genial!” consiste em entrevistas que Scarpa tem feito com vários cineastas brasileiros sobre quais foram suas “ideias de gênio” que nunca se concretizaram. Scarpa já gravou (ou vai gravar) com Lírio Ferreira, José Eduardo Belmonte, Marcelo Gomes, Karim Aïnouz, Paulo Machline, Luiz Carlos Lacerda, Laís Bodanzky e Edgard Navarro, entre outros.

A primeira temporada contará com 12 episódios de dois blocos cada. No primeiro, um bate-papo descontraído com o diretor em questão. Na segunda parte, um falso trailer filmado com algumas das ideias “geniais” dos projetos frustrados daqueles mesmos cineastas – sempre protagonizados pelo próprio Scarpa, com muito bom humor. Para evitar um tom repetitivo, Scarpa gravou com cada convidado em lugares e ambientes diferentes – incluindo uma cervejinha à beira da piscina com o pernambucano Lírio Ferreira. Se o projeto der certo, o mineiro não descarta a hipótese de uma segunda temporada e, quem sabe no futuro, incluir atores na lista de presença.

Apesar de se tornar uma figura mais “pública” com “Os Filmes que não Fiz”, Scarpa não era estreante no audiovisual quando lançou o curta-metragem, em 2008. A porta de entrada para esse mundo se deu especialmente entre 1998 e 2002, quando ele foi responsável pelo estúdio Santa Clara (“o nome era homenagem à padroeira da televisão”, frisa), espaço amplamente utilizado em Belo Horizonte por produtoras de comerciais, vídeos e filmes. “Foi uma época em que convivi com diretores variados, responsáveis por clipes e publicidades. Conheci bem a fundo o universo de um set de filmagem e toda a ética e política necessária nesse meio”, conta.

Após experiência na Secretaria de Comunicação do governo federal, quando trabalhou em Brasília, Scarpa voltou para a capital mineira. Juntou R$ 160 mil – de dinheiro próprio e também de patrocínios do BMG e Usiminas – para dar vazão a “Os Filmes que não Fiz”.

Além de três curtas em processo de discussão, Gilberto Scarpa estuda a possibilidade de levar a cabo seu primeiro longa. O projeto vai se chamar “Até o Fim”, e o roteiro narra as desventuras de um cantor insatisfeito com a carreira que vai se dispor a tudo – inclusive ameaçar uma imensa plateia com uma bomba – para chamar a atenção. Hoje, Scarpa pode se gabar dos filmes que faz e vai fazer.

*Originalmente publicado no jornal O TEMPO em 18.2.2010

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

A Fita Branca



por Marcelo Miranda

A Ursula postou abaixo algumas impressões sobre A Fita Branca, filme do Michael Haneke em cartaz por aí. Acho que não gosto tanto como ela gosta, mesmo que goste bastante. Mas, esquisitamente, o filme tem diminuído muito na minha memória. A cada vez que penso nele, sinto algo que não me pega, que me parece rarefeito demais e também oportunista em excesso. De qualquer forma, reproduzo aqui um pequeno texto que escrevi sobre A Fita Branca para o jornal "O Tempo", há quase duas semanas - e que já aponta alguns incômodos que tive desde então. Digamos que os incômodos aumentaram. A rever.

A nova violência de Haneke (publicado em 15.2.2010)

O crítico francês Michel Mourlet escreveu certa vez: "O cinema é a arte por eleição da violência, já que vem ao mundo nos gestos do homem, no momento em que a força acumulada extravasa, rompe os diques, impulsiona-se em jatos crescentes sobre seu obstáculo. Este momento, que as outras artes só podem sugerir ou simular, a câmera se apossa de forma natural".

Um filme como "A Fita Branca", em cartaz nos cinemas, serve de perfeita ilustração para o que Mourlet defende. Michael Haneke sempre foi uma cineasta para quem a violência é uma questão a ser refletida - ou, mais que isso, a representação da violência através da imagem captada por uma câmera.

"A Fita Branca" é visualmente menos explícito que trabalhos como "Violência Gratuita" e "Caché", do mesmo Haneke. Isso em nada significa que a problematização do ato violento tenha ficado de fora. O filme narra o sombrio conto de uma comunidade do interior alemão assolada por supostos acidentes que vêm perturbando a tranquilidade dos moradores. Estamos no começo do século XX, às vésperas da 1ª Guerra Mundial. Este dado não existe à toa, e toda a ambientação de "A Fita Branca" será devedora de seu momento histórico.

É neste ponto que o filme de Haneke se torna ambíguo. Por um lado, o discurso político do cineasta periga soar incomodamente ingênuo a partir da meia hora final: o particular que caracteriza o drama inicial se torna coletivo no desfecho, e as ações conjuntas de um grupo de pessoas aparentam "responder" ao futuro que estaria reservada à Alemanha nos anos seguintes. É um tipo de psicologismo mediúnico retroativo, em que se busca explicações da insanidade como se estivéssemos a testemunhar um experimento com ratos de laboratório induzidos a certos estímulos.

Por outro lado, a construção do filme como objeto de cinema parece estar menos preocupada com discursos do que em parecer perfeitamente cristalina, de arestas aparadas e com cada elemento no lugar mais correto possível- dos atores posicionados nos longos planos fixos à cenografia, da fotografia em preto e branco aos olhares atônitos dos atores. O mundo de "A Fita Branca", nesse sentido, é um mundo existente só dentro da imagem, sem compromissos naturalistas com o que possa estar ocorrendo fora dela. Quando se deixa levar por isso, o filme se torna grandioso.

Isso porque Haneke, com toda a controvérsia que o cerca, é, essencialmente, um diretor de horror. O que são, afinal, "A Professora de Piano", "Violência Gratuita", "Tempos de Lobo"? Em "A Fita Branca", ele assume de vez essa faceta e se insere numa chave bastante devedora ao suspense. Sempre sendo original, Haneke emula de "A Vila" (M. Night Shyamalan) a "Dogville" (Lars Von Trier), de "O Inquilino" (Roman Polanski) a "A Cidade dos Amaldiçoados" (John Carpenter), todos filmes que lidaram com a claustrofobia de um espaço de onde a violência surge das menores coisas. Mas é, sempre, Michael Haneke, esse mago austríaco-alemão ainda passível de incômodos.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Pequenas pílulas sobre os filmes em cartaz



por Ursula Rösele

Acho Oscar uma bobagem tremenda...não estou minimamente interessada em qual vestido as atrizes vestirão ou quem irá apresentá-lo – e muito menos quem vai ganhar por qual categoria, portanto, o fato de alguns desses filmes fazerem parte dos indicados não influiu na minha escolha pelos comentários.

Em ordem crescente de interesse:


- Amor sem Escalas (Jason Reitman)

Vi apenas três filmes de Jason Reitman – creio que são os únicos disponíveis no Brasil, mas afirmo sem certeza – e acho Obrigado por Fumar o melhor deles. Juno tem lá sua simpatia, é um filme desses de amolecer os corações, que o personagem gera identificações-mil com o público e aí chego no meu ponto. Reitman é um diretor que faz filmes para o público. O que obviamente não comento com intenções de rebaixá-lo ou ao público...talvez o público. Achei Amor sem Escalas igual a uma centena de filmes que já vi por aí, de conflitos de casais, amores fugazes que ocorrem em circunstâncias diversas e – como Rafael comentou comigo e concordo – muitos deles protagonizados por George Clooney, o cara misto de charme com canastrice que parece o ideal para encarnar esses caras com dificuldade de assumir compromisso e quando resolvem fazê-lo, dançam. O público – principalmente os frequentadores de shopping e pipocas caríssimas – tem essa ânsia pelo riso, que chega a angustiar quando o filme não o solicita muito. Amor sem escalas tem gosto de ricota, sabem como é? Aquele queijo que tem boa aparência e gosto de nada. Montagem super convencional – e aí digo no mal sentido, pois ele não a usa de maneira a instigar nada -, diálogos padroníssimos. Enfim, como poderão ver no Quadro de Cotações da revista, esta opinião não parece ser compartilhada por todos os polvos – o que é deveras saudável, pois eles podem comentar suas impressões por aqui. Enfim, ricota, falta sal, falta pele, falta qualquer coisa com mais tempero. Assisto aos filmes de Reitman como assisto a qualquer filme em cartaz, mas confesso não ter a mínima espectativa com sua próxima produção.


- Avatar (James Cameron)


Avatar é um filme que sofre – obviamente um sofrimento de metáfora minha, pois Cameron deve estar feliz da vida – do frisson geral da nação. Consegui ver o filme apenas após a quarta tentativa. A primeira delas, de extrema ingenuidade minha, foi frustrada devido à lotação desenfreada de um shopping. A segunda, erro de publicação do jornal, que soltou uma sessão inexistente. Na terceira e mais surreal, consegui entrar, sentar amassada num mísero canto que havia sobrado e lá começou o simpático robozinho que nos pede para colocarmos os óculos bombados responsáveis por um ingresso caríssimo e absolutamente segregador de público. De repente, bum! Um barulho estranho e nada de som mais. As luzes acendem, os murmurinhos vão se tornando cada vez mais altos e os blockbusters-addicteds começam a assoviar, clamar por um projecionista que não se manifesta. Eu e Rafael – também amassado num outro canto no lado oposto que eu estava – começamos a trocar mensagens tentando compreender o caos e a maldição que nos impedia de ver os guerreiros azuis em batalha. Um tempo depois, um funcionário aloprado vem dizer que houve um problema com o som do filme e começa a entrar nas provocações e brincadeiras de um sem-graça danado dos tais pipoqueiros aflitos pelo filme e me sinto num pardieiro completo. Nada de filme. Podemos pegar o dinheiro de volta – numa fila que lembra nossa vã ideia de eternidade – ou trocarmos nosso ingresso para outro dia. Já irritados com a aparente impossibilidade de assistirmos ao grande sucesso de bilheteria – e digo isso com total sarcasmo e preguiça – resolvemos trocar o ingresso.

Enfim, após a saga, eis que conseguimos assistir. Sala lotada, claro, e nós em pé uma hora na fila para podermos nos dar ao luxo de escolhermos um bom lugar. Bem, o filme. Me irritou menos do que eu imaginava, mas é mais um blockbuster que envolve batalhas e tensões - trilhas crescentes sugerindo uma suposta reviravolta ou ataque inimigo - um humano se apaixonando por uma garota azul enquanto ele está azul também – e este tal humano ex-fuzileiro se revoltando com os métodos de seus contratantes e indo em defesa da turma de smurfs, enquanto se torna o gênio do lugar, tipo o Tom Cruise dominando as técnicas ninjas milenares em O último samurai – Sigourney Weaver como a cientista mala que vira a maior defensora dos smurfs, além de ter ganhado um avatar muito simpático. Quanto ao 3D, saí de lá com uma enxaqueca terrível...achei dispensável o uso da tecnologia em toda a projeção. Dó das crianças que forem assistir. E no final das contas, fora as lutas finais que realmente são impressionantes e as imersões no tal universo fantástico dos Na’Vi (acho que é assim que escreve), a parte mais divertida do 3D foi o tal robozinho simpático do início se projetando de frente para os espectadores. E James Cameron, que indiscutivelmente tem a manha de reunir “A” equipe técnica e fazer um filme que supera seu próprio recorde. O Phelps do cinema, para minha tristeza.


- O Homem que Engarrafava Nuvens (Lírio Ferreira)


Sei que não está mais em cartaz – ao menos em BH – mas devido à escassez de filmes nacionais no cinema e por ser um filme de um diretor que julgo importante de ser visto, vão alguns comentários.

Depois de Árido Movie e Cartola, o diretor decide fazer um documentário sobre a vida e obra de Humberto Teixeira, músico e compositor – praticamente desconhecido – da maioria das músicas de Gonzaguinha, incluindo o sucesso incontestável “Asa Branca”. O documentário segue aos moldes do tradicional pergunta-resposta-planos médios, mas com toques de Lírio, muita cor, inserção de diversas das canções, imagens de arquivo incluindo diversos filmes nacionais antigos. Interessante e como a maioria de filmes interessantes e nacionais, ficou mofando num cinema distante da maioria dos espectadores (no shopping Ponteio, que fica na BR indo para o BH Shopping – se não me engano, o maior de BH – e é um shopping focado em vendas de utensílios e móveis para casa = cinema quase sempre vazio e filmes que geralmente não passam em outras salas).


- Abraços Partidos (Pedro Almodóvar)


Bem...preciso rever. Gostei do filme e fiquei curiosa por ter gerado reações negativas dos fãs ardorosos do espanhol. Almodóvar entrando no universo masculino, claro, transtornado devido às relações com mulheres – no caso uma, a Penélope Cruz. Não quero falar muito; de fato preciso rever.


- A Fita Branca (Michael Haneke)


Tive a oportunidade nas férias de assistir O Sétimo Continente, Benny’s Video, O Castelo e O Tempo do Lobo. Como já havia visto Código Desconhecido, A Professora de Piano, Violência Gratuita e Caché, deu pra ter uma boa dimensão do cinema de Haneke. Além da violência ser uma constante, Haneke parece ter certa obsessão por trafegar no universo obscuro das pessoas. São filmes que guardam uma tensão estranha, que pode desaguar ou manter-se ali, quase em ponto de uma ebulição interna. Em A Fita Branca ele manteve esse olhar, num filme desta vez sem cores, que como Leonardo Amaral disse em sua cobertura de Cannes (texto aqui) traz uma “completa desorientação”. A história ocorre na iminência da Primeira Guerra Mundial, que praticamente bate às portas, mas bate em portas as quais o caos já parece instaurado e o clima negativo paira a todo tempo, numa infância aparentemente desiludida e sem ingenuidade. Os ingênuos que restam, são punidos. As coisas ficam na superfície no sentido de suas explicações concretas, mas as intenções estão cravadas na sociedade retratada por Haneke. Filme de transtorno, sessão caladíssima. Muito, muito bom.


Agora aos tops:


- Guerra ao Terror (Katrhyn Bigelow)


Nada de sexismo no comentário, mas Guerra ao Terror é filme de vigor masculino feito por uma mulher – e uma mulher linda, by the way. Dos melhores que vi nessa safra de lançamentos. Marcelo Miranda comentou dele aqui no blog (leiam aqui) há pouco tempo. Enquanto seu ex-marido navega na grana com seus smurfs apaixonados, Bigelow faz filme de gente grande, e que filme. O universo da guerra já tão retratado no cinema agora transposto para os conflitos que acompanhamos dia a dia na imprensa, dos EUA x Iraque. Um esquadrão anti-bombas americano está lá para desarmá-las em solo iraquiano, no meio de pessoas que os desprezam, os temem, não compreendem como puderam se instalar com tamanho “topete” na casa deles. E Bigelow constrói essa tensão com calma, a pinceladas de mestre, fazendo uso do digital de maneira magistral. Filme imperdível e vergonha da distribuidora (leiam o texto do Miranda)...mais um que foi pro cinema do Ponteio (já comentado ali acima) e ficou perdido em BH.


- Invictus (Clint Eastwood)


Se todo ano Clint (me proporcionando o prazer de chamá-lo pelo primeiro nome – já perceberam que alguns diretores a gente só chama pelo primeiro nome? Ninguém fala Rocha, só Glauber. Talvez pela força desses primeiros nomes, talvez por serem diretores que nos convocam ao universo deles de tal maneira que nos sentimos parte de suas criações, ainda que distantes de nós) disser que vai parar de atuar ou dirigir, que ele diga mais e mais. Difícil dizer de algum filme dirigido por ele ser ruim. Invictus tem – até pelo que sua aura convoca – esse olhar extremamente clássico e convencional na medida exata. Um filme sobre Nelson Mandela talvez não pudesse escapar disso. Não pelos seus feitos serem convencionais, mas por ser um líder tão sofrido que conseguiu governar um lugar em pleno caos com tamanha maestria e simplicidade.

E é essa simplicidade que Clint traz às telas. Um jogador de um time de rugby que só faz perder e um governante que tinha tudo para ter desistido e se transformou num mito. Um encontro incrível, filmado pelas mãos de um gênio. As cenas dos jogos de rugby são impressionantes...dá vontade de chamar o Clint pra vir filmar o futebol brasileiro, a natação, atletismo, sei lá. As cenas são de um vigor impressionante, de uma maturidade e doçura imensos...sem se perderem da seriedade das questões e da dureza que a África enfrentou e enfrenta até hoje. Tem que ser visto, e no Cinema.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Charlotte Gainsbourg canta...

por Marcelo Miranda

... e a câmera lambe.

domingo, 14 de fevereiro de 2010

O velho Oeste de Leonard Cohen

por Marcelo Miranda

Ao som de The Stranger Song, os créditos iniciais de Quando os Homens são Homens (ou McCabe and Mrs. Miller), faroeste melancólico e crepuscular de Robert Altman, lançado em 1971.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Von Trier again...

por Ursula Rösele

Von Trier rumo a mais uma empreitada ao universo do sofrimento depressivo. Depois de “Anticristo”, hei de dizer que o que me vem à mente é... “medo”.

Reportagem original publicada no G1 (www.g1.globo.com):

“Penélope Cruz deve protagonizar o novo filme de Lars von Trier, “Melancholia”, um “desastre psicológico”, com toques de ficção científica. O cineasta de “Anticristo” falou pouco sobre o novo projeto, mas já prometeu uma coisa: “chega de finais felizes”.

Os fãs do diretor sabem que “finais felizes”, em seus filmes, significam apenas que alguns personagens sofrerão um pouco menos que os outros.

Agora parece que a nova “vítima” de Von Trier será Penélope –para Charlotte Gainsbourg foi um bom negócio, afinal a atriz venceu o Festival de Cannes do ano passado por “Anticristo”.

De acordo com o site “Slash Film”, que cita reportagens da imprensa europeia, o diretor tinha Penélope em mente desde o início do projeto, e a atriz finalmente confirmou sua participação.

Além disso, as informações dão conta de que as filmagens devem acontecer ainda neste ano, na Alemanha e na Suécia, e de que o diretor estaria prevendo estreá-lo no Festival de Cannes de 2011.

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Cao Guimarães



por Marcelo Miranda

O circuito comercial de cinema tem dessas distorções. Um cineasta como Cao Guimarães, que soma cinco longas-metragens e "uns 20 curtas", segundo o próprio, tem visibilidade zero entre o público não frequentador de festivais. Dono de estilo único, expressivo, desafiador, sem se enquadrar em gêneros nem formatos, o mineiro Cao é mais conhecido pelo nome do que pela obra. Muita gente já ouviu falar dele, mas pouquíssimos assistiram a seus filmes.

Isso está para mudar - só um tanto, mas já é um começo. "A Alma do Osso" (2004), terceiro longa de Cao, vai ser lançado em salas de cinema de, no mínimo, sete capitais brasileiras, a partir de março. O filme teve pré-estreia na 13ª Mostra de Tiradentes, seis anos depois de ter sido feito. "Foi muito interessante voltar a ele tanto tempo depois", comenta o diretor. Satisfeito com a forma como "A Alma do Osso" se apresentou, Cao apenas fez pequenas intervenções nas cores do filme, inserindo um tom "mercuro cromo" (como ele define) na fotografia.

Quase simultaneamente, a distribuidora Videofilmes vai disponibilizar em DVD o segundo longa de Cao, "Rua de Mão Dupla" (2004). Considerando que "Andarilho" (2007) teve breve passagem no circuito e já existe em DVD pela Lume, são três dos cinco principais trabalhos do diretor possíveis de serem assistidos. Para um realizador acostumado a ter espectadores somente em eventos específicos (Cao levou cada longa a aproximadamente 15 festivais mundo afora), o próprio cineasta se vê diante de um universo novo.

"Meus filmes são um pouco mais herméticos, é verdade, mas me cansa ficar exibindo só para cineastas, artistas plásticos e gente de festival", assume Cao. "Quero saber como bate em outros olhares. Sempre tive vontade disso acontecer, mas o nosso circuito é muito careta e me dá preguiça correr atrás".

É notória a "preguiça" de Cao com as salas exibidoras. Deve-se ao desânimo que ele sente em relação à uniformização na distribuição. "É um circuito direcionado ao lucro. Ninguém vai passar um filme por causa de algum aspecto humanista, mas porque pode dar dinheiro. Quem tem sala de cinema, com raríssimas exceções, quer isso: ganhar muito dinheiro". Para Cao, as salas de shopping refletem o aspecto global da questão. "Não existe personalidade que distingue uma sala da outra. Os filmes são os mesmos, até o saco de pipoca é o mesmo! Se for para fazer assim, eu prefiro ir fabricar pão em série e escala industrial".

Aos 45 anos, Cao tem pouco mais de uma década no cinema. Seu primeiro trabalho, o curta "Otto, Eu Sou um Outro", é de 1998. Antes, Cao era ligado unicamente às artes plásticas - em especial a trabalhos de fotografia, desenvolvidos no período em que morou em Londres, entre 1996 e 1999.

Sempre que se assiste a um filme de Cao Guimarães, a dúvida é imediata: documentário ou ficção? Ainda que seja vinculado ao primeiro, o cineasta nega quaisquer rótulos. “Essas relações não existem mais. Como definir o aspecto real do ficcional?”, questiona. A miscelânea é potencializada pela forma como Cao mostra as figuras que escolhe registrar. Em “A Alma do Osso”, o ermitão Dominguinhos é mostrado nos seus afazeres cotidianos, mas a presença da câmera é uma evidência dos limites do que seja, de fato, o dia a dia daquele homem.

“Andarilho” tem uma das maiores performances do cinema brasileiro recente num dos entrevistados de Cao, espécie de “diabo loiro” das estradas. “É um personagem atuando no papel de si próprio”, diz o diretor. “A ficção, por natureza, é um documentário: ontologicamente, a câmera sempre filma a realidade que se passa diante dela. No caso de um trabalho dito ficcional, está sendo documentado todo aquele processo, que envolve atores, roteiristas e técnicos”. O cineasta defende a multiplicidade do cinema como criação artística. “Separar gêneros cria uma hierarquia muito chata e a ideia de que um pode ser melhor que o outro”.

Novos projetos
Cao Guimarães tem um projeto com o pernambucano Marcelo Gomes (de “Cinema, Aspirinas e Urubus”) de adaptar o conto “O Homem da Multidão”, do escritor norte-americano Edgar Allan Poe. O roteiro está pronto, mas bate sempre “na trave”, segundo o mineiro. “Fomos finalistas num concurso em Sundance (EUA) por três vezes, ficamos em quarto lugar no edital do Filme em Minas que aprovou três propostas...”, enumera. E ironiza, aos risos: “Deus deve estar me protegendo de trabalhar num projeto caracterizado como ficção e com grandes equipes”.

Enquanto não vem “O Homem da Multidão” – que será o fecho de uma intitulada trilogia da solidão, constituída pelos já realizados “A Alma do Osso” e “Andarilho” –, Cao está embrenhado num trabalho sobre a obra do poeta curitibano Paulo Leminski (1944-1989). O projeto surgiu de um convite do Instituto Itaú Cultural, que convidou alguns cineastas para retratarem de maneiras bem particulares figuras de vários nichos da cultura brasileira.

“Eu avisei que não sei fazer biografia, e eles disseram que buscavam mesmo um olhar poético sobre o artista”, adianta Cao. Ele leu tudo de Leminski na preparação do filme e pretende dar corpo (em imagens e sons) ao complexo “Catatau”, lançado em 1975 e definido pelo curitibano como “prosa experimental”.

Cao comenta: “Nesse livro, o Leminski imagina (o filósofo) René Descartes vindo aos trópicos, na época da invasão holandesa do Maurício de Nassau. É um livro que tem o Descartes aparecendo com uma luneta e um cigarro de maconha na mão, sentado embaixo de uma árvore e enlouquecendo a mente cartesiana dele”. Quem deve surgir em cena reinterpretando a figura de Descartes é o ator baiano João Miguel. O título está definido: “Pororoca Leminski”. “O Paulo era, ele mesmo, uma pororoca mental”, reforça Cao.

A videoarte
Muito se mistura o cinema de Cao Guimarães com a videoarte mineira dos anos 80, especialmente às criações de Éder Santos. De gerações distintas, os dois sequer trabalharam juntos. “Passaram a nos vincular, mas nossos trabalhos não têm absolutamente relação alguma”, diz Cao. “O Éder é de uma fase ligada à linguagem da TV, do videoclipe, das imagens eletrônicas. Eu sou muito mais relacionado com as artes plásticas”.

O próprio Cao é, ele mesmo, vinculado a um “movimento” posterior: o coletivo de realizadores Teia, formado em Belo Horizonte em meados desta década. Com nomes como Helvécio Marins, Pablo Lobato e Marília Rocha, a Teia se assume diretamente influenciada por Cao, ainda que não busque fazer filmes como os dele.

O diálogo, porém, é tão intenso que Cao e Pablo fizeram juntos “Acidente”, filme de bastante sucesso em festivais brasileiros e internacionais. O Grivo, grupo responsável por todo o trabalho sonoro dos filmes de Cao, também é presente nas produções da Teia. As semelhanças e diferenças podem ser notadas em filmes como “Aboio” e “A Falta que me Faz”, de Marília Rocha, e no curta “Trecho”, de Helvécio e Clarissa Campolina.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 29.1.2010
**Foto de André Fossati

A saga de uma guerra ao terror



por Marcelo Miranda

Nunca o nome de Kathryn Bigelow foi tão escrito ou pronunciado como nos últimos seis meses. Desde quando "Guerra ao Terror", sétimo longa-metragem da carreira da diretora, começou a aparecer em listas de premiações ao redor do mundo (e especialmente nos EUA), o público em geral passou a prestar atenção nessa cineasta de 58 anos cujo trabalho mais conhecido até então era o policial "Caçadores de Emoção" (1992) - menos por seu nome nos créditos do que pela presença de Keanu Reeves e Patrick Swayze no elenco e as constantes repetições televisivas.

Agora Bigelow está nas alturas e todo mundo quer saber sobre ela. "Guerra ao Terror" teve nove indicações ao Oscar 2010 e disputa de igual para igual com o franco favorito da premiação deste ano, a superprodução "Avatar", de James Cameron - ironicamente, ex-marido dela.

Até o momento, o filme já acumula aproximadamente 50 troféus e um incontável número de indicações nas mais diversas premiações mundo afora. O fenômeno de "Guerra ao Terror" é tamanho que, inicialmente lançado apenas em DVD no Brasil, em meados do ano passado, o longa chega às salas de cinema hoje, após um erro estratégico da distribuidora Imagem.

O filme estreou na competição do Festival de Veneza de 2008 e saiu cravejado de más críticas. Lançado no circuito comercial norte-americano em junho de 2009, fracassou nas bilheterias, arrecadando apenas US$ 13 milhões (custou US$ 11 milhões). O caminho natural, na avaliação da Imagem, foi evitar o mesmo desastre no Brasil. Optou-se pela distribuição exclusivamente em DVD, para lojas e locadoras.

De repente, a partir de setembro, "Guerra ao Terror" se tornou onipresente na mídia cinematográfica. Diante da "pressão" e apostando na visibilidade propiciada pelas indicações ao Globo de Ouro e, agora, ao Oscar, a Imagem voltou atrás e decidiu bancar o filme nas salas de exibição.

Essa história ilustra bem a própria trajetória de Kathryn Bigelow. Uma das únicas diretoras no mundo a apostar no chamado cinema de gênero, ela jamais tinha conseguido ser realmente reconhecida pelo seu trabalho. Mesmo "Caçadores de Emoção" se transformou numa diversão ligeira de Sessão da Tarde, o que nunca permitiu que se refletisse devidamente a força que o filme possui ainda hoje.

O mesmo se pode dizer de outros títulos da cineasta, desde o primeiro, "Quando Chega a Escuridão" (1987), mistura de terror e erotismo protagonizada por vampiros sanguinários. Bigelow trilhou o caminho independente desde sempre, ainda que conseguisse grande visibilidade na distribuição de seus filmes, muito pela presença de nomes fortes da indústria - Ralph Fiennes na ficção "Estranhos Prazeres" (1995), Harrison Ford em "K-19: The Widowmaker" (2002).

Porém, o fantasma da pouca renda assombra Bigelow incessantemente. Tanto "O Peso da Água" (2000) quanto "K-19", os dois filmes anteriores a "Guerra ao Terror", tiveram pífia arrecadação, tornando a diretora um veneno de bilheteria - o que, na máquina de fazer filmes que é Hollywood, onde o lucro está acima de qualquer outro elemento, faz do realizador imediata "persona non grata".

Bigelow não se intimidou. Foi buscar dinheiro fora dos EUA e conseguiu financiamento da produtora francesa Voltage Pictures para seu filme de guerra ambientado no Iraque de Bush Jr.. A ambição da diretora era filmar em terras iraquianas, mas por óbvias razões de segurança ela montou seu bunker na fronteira da Jordânia (não tão geograficamente longe dos planos iniciais).

O espaço se transforma no território de atuação de um grupo de desarmadores de bombas do Exército dos EUA, personagens centrais de "Guerra ao Terror" (tradução genérica e infeliz para "The Hurt Locker"). Esse grupo de soldados vive sob tensão constante, agravada pela chegada de um novo integrante (vivido por Jeremy Renner, indicado ao Oscar de melhor ator) com instinto autodestrutivo.

CRÍTICA DE GUERRA AO TERROR
Filme questiona limites humanos em campo armado


Dentro de sua estrutura dramática, “Guerra ao Terror” se constitui numa narrativa vertical: a cada nova situação, a busca por uma resolução. A relação que a diretora Kathryn Bigelow estabelece com o espectador é horizontal: a tensão crescente vai acumulando novos elementos que formarão a personalidade do soldado interpretado por Jeremy Renner. Inicialmente, trata-se de um filme sobre um coletivo – o grupo de desarmadores de bombas norte-americano que está a serviço no Iraque. Ao término, tem-se a antissaga de um anti-herói, movimento cíclico que o filme faz e o qual só nos é revelado nos instantes finais.

Essa confusão entre o que acontece dentro e fora da imagem é o que de mais rico “Guerra ao Terror” possui – e também de mais complexo. Não se trata de um filme de guerra convencional. O mais incômodo, talvez, é que, a princípio, nem parece um projeto antibelicista, tamanha a secura com que Bigelow trata a imagem e os desdobramentos do enredo.

Esse olhar duro e destituído de sentimentalismo sobre uma realidade tão violenta como a invasão de um país por uma potência estrangeira nunca se traveste de discurso. Bigelow acredita que o choque está naturalmente naquilo que ela busca captar. O trabalho suicida com o qual os personagens precisam lidar é suficientemente violento para que a diretora possa se eximir de ideologias.

É um filme pronto, bem resolvido, que está na tela sem buscar totalizações fora dela. O cinema é seu espaço de excelência, assim como sempre o foi na obra de Bigelow. Por lidar com um universo tão palpável e tabu – como é a guerra no Iraque para os norte-americanos –, a diretora sofreu as consequências, vendo seu filme naufragar em más bilheterias e incompreensão de quem buscava, em “Guerra ao Terror”, mais um trabalho de cunho pacifista.

Esperar de Bigelow qualquer tentativa de demagogia ou sensibilização gratuita é não aderir a seu projeto artístico mais estimulante. Como no cinema de Howard Hawks (especialmente “Hatari!” e “Onde Começa o Inferno”, aos quais “Guerra ao Terror” parece emular a todo instante), a ação da cineasta se concentra em instantes, sempre na busca pela mais intensa valorização da cena e da encenação. De Samuel Fuller (“Agonia e Glória”, para ficar dentro do mesmo universo da guerra), Bigelow herda a selvageria de um mundo niilista, em que o inimigo à frente, ainda que tão humano como seu antagonista, não pode ser poupado se as circunstâncias assim o exigirem.

Por mais que os escafandros usados pelos soldados para se protegerem os tornem verdadeiros super-homens, a armadura só faz sentido na medida em que vemos pessoas de carne e osso ali dentro – daí a força de significado de quando o personagem de Renner retira a roupa e diz que, se for para morrer, que ele o faça “confortavelmente”.

É esse tipo de ato que “Guerra ao Terror” vai problematizar: muito mais que suportar a adrenalina de um conflito armado, há de se aceitá-la como inerente à própria natureza humana, mesmo que não haja palavras para explicar isso. Está tudo na imagem.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 5.2.2010

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Invictus e os hinos nacionais

por Leo Cunha

Para um cineasta com tamanha cultura musical, como Clint Eastwood, parece estranha a opção por certas músicas de fundo em Invicuts. A melosa “Color blind”, por exemplo, quase destrói uma ótima cena.

Em compensação, a seqüência do hino nacional no jogo de rugby é um dos pontos altos do filme, momento chave do (bom) uso político do esporte e da arte. Mas, enquanto esta cena de Invictus não aparece no You Tube, vale a pena relembrar outras memoráveis, centradas no hino nacional.

Para começar, a mais que clássica cena em que a Marselhesa se sobrepõe à música nazista, em Casablanca. Símbolo da resistência, é capaz de arrepiar até o espectador que já assistiu mil vezes ao filme.

(Se o embed estiver bloqueado, você pode assistir ao trecho seguindo este link )

Outra cena interessante é a do hino soviético, que antecede a grande luta de Rocky 4. Ela coaduna a música (que naquele momento histórico representava o hino inimigo, para os americanos) com imagens que – pela iluminação, enquadramentos e movimentos de câmera –remetem ao cinema russo e seus cartazes do início do século XX).


Partindo para a comédia, vale lembrar Borat se intrometendo num rodeio e num jogo de beisebol, no interiorzão dos EUA, e cantando um hino totalmente fake do Casaquistão, com direito a frases como “nossas prostitutas são as mais limpas do mundo, fora, é claro, as do Turcomenistão” e “venha agarrar o pênis do nosso poderoso líder”.


E, como não encontrei no You Tube a cena do hino em Duck Soup, dos Irmãos Marx, termino este texto com o delicioso deboche do tenente Frank Drebin (Leslie Nielsen), em Corra que a polícia vem aí. Depois de nocautear o tenor que cantaria o hino na final do beisebol, Drebin vai até o centro do estádio e simplesmente destrói o hino americano, para espanto de seus colegas e dos vilões.