sexta-feira, 30 de abril de 2010

Mother, de Bong Joon-ho


por Ursula Rösele

Estrondoso. O insondável universo interior que abarca esse amor de mãe (inesgotável, insaciável, visceral, delirante, entorpecente, desconhecedor de regras e bom senso), com pitadas de Apichatpong, uma ideia sutil de narrativa clássica que, ao perceber que estamos prestes a embarcar, desvia e segue para outros lugares, serpenteando a loucura e quebrando quaisquer possíveis indícios de lógica; posto que é amor de mãe, posto que esse amor é vida e morte quase que na mesma medida.

Em cartaz em BH na próxima sexta-feira (07/05).

Estrondoso.



terça-feira, 27 de abril de 2010

O Bem Amado

por Marcelo Miranda

Impressões brevíssimas de O Bem Amado, novo filme de Guel Arraes, exibido na abertura do 14º Cine PE, em Recife. Aliás, "brevíssimo" é palavra coerente. Poucas vezes assisti a um trabalho tão corre-corre como este. Se o espectador tem como referência a velocidade de Guel em O Auto da Compadecida e Caramuru, mal pode esperar pelo que ele faz em O Bem Amado. Claro, "velocidade" não é necessariamente ruim, vide as comédias de Howard Hawks ou mesmo os desenhos do Papa-Léguas, para ficar em duas lembranças imediatas.

No caso de O Bem Amado, a coisa é radical. Fica difícil qualquer reflexão a partir do que se tenta assistir na tela. É como se a produção tivesse esticado os rolos de filme numa parede e começado a lançar uma infinidade de facas ou machados ao longo da película: onde o instrumento batesse, um corte. Nisso o filme vai aos trancos, acumulando verticalmente uma série de esquetes tendo por base a peça de Dias Gomes.

O irônico é que O Bem Amado funcionou à perfeição na TV. Muito se acusa Guel Arraes de fazer TV no cinema. Neste caso, se ele tivesse realmente feito isso, teria sido saudável ao filme. Como está, resta não perder o fôlego, esforçar-se para acompanhar cena a cena (machadada a machadada) e rir de alguns momentos brilhantes do texto de Gomes. Aliás, é significativo ao filme que sua graça surja sempre do que é dito, jamais do que é (ou de como é) encenado.

domingo, 25 de abril de 2010

Cine PE - O começo

por Marcelo Miranda

A partir de hoje, leia aqui matérias, comentários, críticas e afins dos filmes exibidos na 14ª edição do Cine PE, no Recife.

Chegando à sua 14ª edição, o Cine PE - Festival do Audiovisual, realizado anualmente no Recife, começa nesta segunda-feira, dia 26, no Cine Teatro Guararapes (a meio caminho entre a capital do Estado e a cidade de Olinda) com a exibição especial de "O Bem Amado". A adaptação de Guel Arraes para a telenovela de Dias Gomes - exibida na Globo entre janeiro e outubro de 1973, inspirada em peça teatral do mesmo autor, escrita em 1962 - ratifica a homenagem que o Cine PE vai prestar a Arraes, filho da terra.

A escolha do festival em homenagear Guel Arraes é coerente com a proposta assumida por Alfredo Bertini, diretor do Cine PE: valorizar, o máximo possível, o caráter potencialmente comercial do cinema brasileiro. "Dentro da minha visão de que a cultura é algo absolutamente heterogêneo e de que as políticas culturais devam seguir nesse sentido, precisamos muito dos filmes comerciais", afirma Bertini. "Quem financia o filme cult são as grandes bilheterias".



A escolha por Arraes, portanto, soa natural. "O Auto da Compadecida" (2000), "Caramuru - A Invenção do Brasil" (2001) e "Lisbela e o Prisioneiro" (2003) - os dois primeiros exibidos na televisão em formato de minissérie, sendo posteriormente remontados para cinema - fizeram do realizador um dos nomes de ouro nos caixas dos cinemas pós-anos 90. Ainda que seu filme anterior, "Romance" (2008), não tenha sido um estouro, "O Bem Amado" estreia no circuito no dia 23 de julho com ares de blockbuster.

O orçamento bate nos R$ 10 milhões, e o elenco já garante atenção de uma boa fatia de público. Marco Nanini assume o personagem central, o político corrupto Odorico Paraguaçu, eternizado por Paulo Gracindo na novela televisiva e já interpretado pelo próprio Nanini nos palcos. As famosas beatas, as irmãs Cajazeiras (vividas no passado por Ida Gomes, Dorinha Duval e Dirce Migliaccio), agora se tornam um trio de peruas, com rosto e corpo de Andréa Beltrão, Drica Moraes e Zezé Polessa.

A nostalgia por trás de "O Bem Amado" e o tom de comédia apressada de Guel Arraes devem ser outros ingredientes a fazerem do filme um sucesso. Isso poderá ser sentido hoje, quando aproximadamente 3.000 espectadores deverão assistir à produção no Cine PE.

Na mostra competitiva de longas, a 14ª edição do Cine PE reafirma o caráter mais comercial de suas escolhas. A seleção do jornalista Hermes Leal, feita a partir de 70 filmes, fechou nos seis títulos que disputam o troféu Calunga.

Entre as quatro ficções e os dois documentários, São Paulo e Rio de Janeiro dominam: “As Melhores Coisas do Mundo”, de Laís Bodanzky, “Cinema de Guerrilha”, de Evaldo Mocarzel, e “Sequestro”, de Wolney Atalla, vêm do primeiro; “Léo e Bia”, de Oswaldo Montenegro, e “Não se Pode Viver sem Amor”, de Jorge Durán, vêm do segundo. Fecha a lista o brasiliense “O Homem Mau Dorme Bem”, de Geraldo Moraes.

Na mostra não-competitiva, o Rio aparece com mais dois títulos, curiosamente dirigidos por cineastas nordestinos: “O Bem Amado” é do pernambucano Guel Arraes, e “Quincas Berro D’Água”, do baiano Sérgio Machado. “Houve um volume grande de filmes. Ainda deixamos de fora quatro ou cinco títulos que tinham força para entrar na competição”, afirma Alfredo Bertini, diretor geral do Cine PE. “Acabamos tendo que adotar alguns critérios, como já ter sido premiado aqui, por exemplo”.

Nesse raciocínio, o maior nome a retornar ao Cine PE é o de Laís Bodanzky. Há quase dez anos, em 2001, a diretora se consagrou no festival com “Bicho de Sete Cabeças”: saiu do evento carregando troféus de melhor filme, direção, ator (Rodrigo Santoro), atriz coadjuvante (Cássia Kiss), ator coadjuvante (Gero Camilo), trilha sonora, som e montagem.

Ainda que muito bem realizado, “As Melhores Coisas do Mundo” não parece ter o mesmo potencial de “Bicho...”, até pela opção de Bodanzky em criar uma narrativa semiplural – girando em torno de um único personagem, mas dando atenção a diversos outros, o que evita o mergulho visceral numa única figura, como era em “Bicho...”.

A surpresa maior do festival (para mal ou bem, a conferir) fica para “Léo e Bia”, no qual o cantor Oswaldo Montenegro adapta para as telas e assume a direção de uma composição musical sua (que já tinha virado peça de teatro).

Os curtas
A seleção de filmes curtos do Cine PE tem os dois únicos competidores mineiros do festival em 2010 . “O Filme mais Violento do Mundo” é o segundo curta de Gilberto Scarpa. Com “Os Filmes que não Fiz”, seu trabalho de estreia, Scarpa levou o troféu de melhor filme da categoria no festival, em 2008. “Revertere ad Locum Tuum” é o outro curta mineiro no Cine PE deste ano, com direção de Armando Mendz.

Ainda na competição, destaques para “Recife Frio” (PE), de Kleber Mendonça Filho, “Faço de Mim o que Quero” (PE), de Sergio Oliveira e Petrônio Lorena, e “Bailão” (SP), de Marcelo Caetano.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 26.4.2010
**Aguarde aqui matérias diárias sobre o Cine PE

"O Caso dos Irmãos Naves" em DVD



por Marcelo Miranda

Era 1967 quando "O Caso dos Irmãos Naves" estreou nos cinemas brasileiros. A ditadura estava em curso, ainda que a tortura só fosse ser institucionalizada um ano depois, com o AI-5. Em seu filme, o cineasta paulista Luiz Sérgio Person (1936-1976) mostrava um erro judiciário ocorrido em Araguari (no norte do Triângulo Mineiro, a 586 Km de Belo Horizonte). No centro do drama real, um delegado de polícia infligia os mais dolorosos maus-tratos para arrancar dos irmãos Joaquim e Sebastião a confissão de um crime que nunca existiu. Os fatos se deram a partir de 1937, ano da imposição do Estado Novo, regime de Getúlio Vargas. Mas Person fez um dos filmes políticos mais contundentes e contemporâneos que se podia ter notícia naquele momento conturbado para o país.

A versão em DVD de "O Caso dos Irmãos Naves" acaba de chegar às locadoras, em boa edição da distribuidora Videofilmes. Já era hora de se resgatar este trabalho raro, ainda de uma expressividade que o distingue da produção tradicional brasileira. Muito disso se deve à opção de Person em reconstituir quase literalmente os acontecimentos em Araguari. Numa entrevista ao jornalista Ely Azeredo em 1966, diz o diretor: "Nosso desejo era, objetivamente, dar ao espectador o resultado de uma reflexão em torno de fatos e documentos reais. (...) Queríamos um filme seco, simples e direto, sem heróis, mas, ao mesmo tempo, de ideias, de comunicação, de um calor humano (...)".

A proposta se diferenciava radicalmente do filme anterior de Person e sua estreia em longa-metragem, "São Paulo S.A" (1965) - no qual Walmor Chagas circulava pela opressão urbana em constante fragmentação de seus próprios anseios materiais e psicológicos. Se, neste, Person emulava realizadores franceses da época (em especial Alain Resnais), em "O Caso dos Irmãos Naves", o cineasta se aproximava dos italianos, especialmente de filmes políticos de Francesco Rosi e Elio Petri.

"A referência maior de Os Naves é 'O Bandido Giuliano', do Rosi, que Person achava um dos maiores filmes da história", destaca o cineasta Carlos Reichenbach, ex-aluno de Person nos anos 60. "O curioso é que, numa revisão recente, ‘Giuliano’ me pareceu muito envelhecido, datado; ‘Os Naves’, não".

Parceiro de Person na roteirização do filme, o crítico e ensaísta Jean-Claude Bernardet relembra que havia, desde o princípio do projeto, a intenção de retratar o martírio dos Naves com o maior rigor e distanciamento crítico possível - o que jamais significou indiferença. "O ponto de partida foi um recorte que o Person tinha guardado da revista ‘O Cruzeiro’, datado de 1949, narrando os acontecimentos envolvendo os Naves", conta Bernardet, por telefone. "Ele ficou revoltado com aquilo, e foi essa revolta que o levou a fazer o filme".

O roteirista confirma haver também a intenção de se referir às agruras políticas brasileiras pós-1964. "Tínhamos muita consciência de estarmos falando de Araguari em 1937 e, ao mesmo tempo, do nosso presente, de uma polícia que tortura, de uma justiça oprimida".

Temendo possíveis retaliações da censura, Bernardet e Person se cercaram do máximo de fidelidade sobre o que narravam, para evitar questionamentos da veracidade dos fatos. "Fiz uma ampla pesquisa do caso e mantive um fichário com todas as referências dos documentos originais, inclusive relativos à tortura e aos diálogos. O material de base do filme era absolutamente autêntico e idêntico ao que constava nas páginas do processo", afirma Bernardet.

Causos.
O rigor alcançado por Luiz Sérgio Person na estética de “O Caso dos Irmãos Naves” teve como reforço a decisão do cineasta de filmar nas mesmas locações onde os fatos se deram. Portanto, Person e equipe embarcaram para Araguari, e lá ficaram por três meses.

Juca de Oliveira, que estreou como ator de cinema no papel de Sebastião Naves, lembra-se empolgado do período no pequeno município mineiro, hoje com 115 mil habitantes. “Foi uma aventura das mais excepcionais que tive na minha carreira profissional”, exalta. “Peguei meu superfusquinha e dirigi até lá. Foi a oportunidade de conhecer intimamente o Person, figura de quem tenho tremenda saudade. Era um cineasta de alto gabarito, profundamente humano, agradável e incansavelmente trabalhador”.



O elenco principal do filme – que ainda incluía Raul Cortez, Anselmo Duarte e John Herbert – ficou hospedado numa casa. Entre uma filmagem e outra, o quartero aproveitava para se deleitar na cidade. “Eu e o Anselmo arrumamos até namoradas por lá. Ele, inclusive, namorou a Miss Araguari!”, diverte-se Juca.

Na hora de ir para o set, a brincadeira parava. Nas cenas exteriores, por exemplo, o perfeccionista Person apenas saía para filmar com céu nublado. “Se tivesse sol, ele não fazia”, diz Juca, sobre o tom de penumbra que paira em toda a duração do filme – bastante auxiliada pela fotografia de Oswaldo de Oliveira.

Person também exigia o melhor de seu elenco. Além de fazer Raul Cortez e Juca de Oliveira soarem autênticos nas cenas de tortura (“tinha porrada mesmo, não havia jeito de não ter”, diz Juca), o diretor bancou a presença de Anselmo Duarte, ex-galã dos estúdios Vera Cruz que morreu em novembro passado aos 89 anos.

Em baixa por conta de uma série de fracassos na sua carreira de diretor – mesmo tendo ganhado a Palma de Ouro em Cannes com “O Pagador de Promessas” em 1962 –, Duarte teve em “O Caso dos Irmãos Naves” a sua mais elogiada atuação. Ele encarna o delegado enviado a Araguari após a decretação do Estado Novo de Getúlio Vargas. Figura sádica, vilanesca, no limite entre o intimismo e o exagero, o personagem se tornou emblemático na cinematografia brasileira. “O Anselmo até parece mais moço em cena”, crê Juca. “Ele renasceu fazendo o filme”.

O diretor
Luiz Sérgio Person nasceu em fevereiro de 1936 e morreu num acidente de carro, em janeiro de 1976, aos 39 anos. Na sua breve carreira, ele dirigiu comerciais, curtas-metragens e importantes longas, como “São Paulo S.A”, “O Caso dos Irmãos Naves” e “Cassy Jones, o Magnífico Sedutor”, todos os três disponíveis em DVD no Brasil. Ainda inéditos essão “Panca de Valente” e “Um Marido Barra- Limpa”.

*Publicado originalmente em O TEMPO no dia 19.4.2010

quarta-feira, 14 de abril de 2010

terça-feira, 13 de abril de 2010

André Setaro



por Marcelo Miranda

O crítico baiano André Setaro lança em abril, pela Azougue Editorial em conjunto com a editora da UFBA, a coleção em três volumes Escritos sobre Cinema - Trilogia de um Tempo Crítico. Cada livro aborda um aspecto dos textos de Setaro - a saber: filmes, atores e diretores; linguagem cinematográfica; e cinema baiano.

Em homenagem a este momento especial, reproduzo abaixo a entrevista que fiz com André Setaro em janeiro, na 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes, onde ele era integrante do júri da crítica.

Setaro em Tiradentes. Foto de André Fossati

Patrimônio da crítica baiana
*publicado em O TEMPO no dia 31.1.2010

Aos 59 anos, André Setaro é um patrimônio da crítica de cinema na Bahia. Professor e jornalista, escreve desde os anos 70 e formou uma geração de cinéfilos. Em breve, lança coletânea de livros com seus escritos e, hoje, mantém um blog. Confira a conversa.

Você se formou em direito, mas enveredou pela crítica. Como se iniciou nesse meio?
Minha formação em cinema é praticamente autodidata. Também estudei jornalismo e comecei a escrever sobre filmes em 1974. Ia ao cinema todos os dias. Filme inédito, então, não podia perder. Foi quando a "Tribuna da Bahia" me convidou para uma coluna diária de crítica. Lá eu escrevi ao longo de 20 anos. A partir do momento em que os filmes começaram a não me motivar tanto, resolvi passar a escrever semanalmente.

O que você assistia?
Frequento cinema desde 1956 e tenho uma formação em filmes de gênero, basicamente de Hollywood. Quando conheci o Clube de Cinema da Bahia, fundado por Walter da Silveira, comecei a entender mais coisas. Vi nessa época "Hiroshima Mon Amour", "Ladrões de Bicicleta", "Guerra e Humanidade", "Contos da Lua Vaga", "Rocco e seus Irmãos", "Deus e o Diabo na Terra do Sol"... Foram todos filmes-faróis para mim. O assombro de quem vinha de uma criação hollywoodiana, me despertou para o cinema como uma expressão artística.

Tendo acompanhado tão de perto o auge da produção de cinema brasileiro e estrangeiro, como vê nosso circuito comercial?
Vamos focar apenas em Hollywood. Há uma diferença muito grande hoje em relação à produção média dos anos 50 e 60, que era uma produção madura. Nos anos 70, a indústria entrou em crise e surgiram realizadores independentes, como Martin Scorsese e Francis Ford Coppola. Mas, depois de "Star Wars" (1977), de George Lucas, começou a infantilização temática da indústria cultural. Então, a produção média é muito inferior àquele período. Existem exceções, há grandes filmes, mas não existe, no geral, um conjunto de realizadores de tamanha excelência. Antes tínhamos Billy Wilder, Fellini, Visconti, Kurosawa, até um segundo escalão que hoje pode ser considerado de primeiro, como Valerio Zurlino e Mario Monicelli. Atualmente você cata nos dedos alguns grandes diretores, uns dos EUA, outros da Europa, e ainda o surgimento do cinema iraniano e sul-coreano.

Quais gosta mais?
Considero o francês Alain Resnais o maior cineasta vivo. Gosto de Clint Eastwood, dos irmãos Coen, de Paul Thomas Anderson, dos irmãos Taviani.

E o cinema brasileiro?
Não entendo muito bem de economia do cinema, mas essa coisa de captação de recursos é uma camisa-de-força. Perdeu-se muito daquela criatividade dos anos 60. Hoje seria impossível existir um filme como "A Margem" (1969), de Ozualdo Candeias, ou os de José Mojica Marins, que eram todos muito melhores que seu recente "Encarnação do Demônio", já um filme de captação de recursos. Há, claro, ainda bons realizadores, como Beto Brant, Eduardo Coutinho, Carlos Reichenbach e Julio Bressane. O Walter Salles, tão apreciado, eu acho que faz filmes de catequese. Fui a uma sessão de "Linha de Passe" com a presença dele, e ele ficou explicando didaticamente o filme, como se estivéssemos numa pastoral. O cinema não deve ser explicado. Luis Buñuel, sempre que perguntado o que havia na caixinha mostrada em "A Bela da Tarde", respondia: "Não sei".

Vários dos seus escritos vão ser reunidos em livro. Gostaria que falasse do projeto.
É uma coletânea que reúne a seleção de 35 anos de textos cinematográficos. O organizador, o professor Carlos Ribeiro, decidiu dividir em três volumes. Um é dedicado a diretores e filmes, outro sobre o cinema baiano e um só tem artigos de linguagem e estética do cinema. Os livros se chamarão "Escritos sobre Cinema - Trilogia de um Tempo Crítico".

Vou te fazer uma pergunta-clichê: se fosse morar numa ilha deserta e pudesse levar só três filmes, quais seriam?
Eu levaria, apesar de tão batido, "Cidadão Kane", do Orson Welles. E também "O Terror das Mulheres", do Jerry Lewis, e "A Roda da Fortuna", do Vincente Minelli. Mas poderiam ser outros.

Você é professor de cinema na Bahia. Como enxerga o ensino fílmico nas faculdades?
Dou aula desde 1979. De lá para cá, houve um enorme surgimento de escolas de graduação em cinema. A procura aumentou também, todo mundo quer fazer cinema. Acontece que algumas escolas estão ensinando nos moldes "academicizantes". Eu dou aulas, mas não sou acadêmico, não gosto de tratar o filme como rato de laboratório, usando jargão de "comuniquês". Cinema é emoção, razão, interpretação. Os estudos praticados em torno dele estão muito despersonalizados, com aquela escrita influenciada pelo estruturalismo e que cria uma fôrma de bolo para aplicar ao filme. A semiótica, para mim, é um punhal que esfacela a emoção da obra e sai na busca desesperada de significações.

Qual a sua visão sobre como ensinar cinema na faculdade?
As pessoas precisam saber questões de linguagem. "Frenesi", do Alfred Hitchcock, eu sempre exibo em aula, em função da produção de sentidos feita pelo filme em várias cenas. Hitchcock manipula as emoções de tal maneira que você torce pelo assassino. Tudo pela "mise en scéne". Não sei por que o público em geral não adentra a "mise en scéne". Vê-se o filme pelos seus temas nobres. Tema é importante, mas precisa estar associado ao processo de criação do cinema. É como escrever um livro: tem que escrevê-lo bem, saber manipular a sintaxe da língua. Isso não é muito buscado na recepção dos filmes pelo espectador, e isso passa pelo ensino em geral.

A Bahia é um Estado de forte herança crítica, berço de Glauber Rocha (que escreveu antes de se tornar cineasta) e Walter da Silveira.
O Walter eu considero um dos maiores ensaístas que o Brasil já teve, no nível de Paulo Emilio Sales Gomes e Francisco Almeida Salles. O próprio Glauber começou a descobrir o cinema no clube fundado pelo Walter, e também exerceu a crítica no "Jornal da Bahia". Atualmente, em termos de crítica, eu acho a Bahia uma terra arrasada. Tem o João Carlos Sampaio, que sempre escreve algumas coisas boas, mas não temos mais um crítico que extrapole as nossas fronteiras.

Como você enxerga a crítica de cinema atual no Brasil, de um modo geral?
A nossa crítica foi excelente nos anos 50, com Ely Azeredo, José Carlos Avellar, Paulo Perdigão, Sérgio Augusto, José Lino Grünewald, Moniz Vianna. Depois houve o fechamento dos suplementos culturais e a diminuição do espaço na mídia impressa. Ainda temos o Inácio Araujo na "Folha de S.Paulo" e o Luiz Carlos Merten no "Estadão". A grande revelação da nossa crítica, porém, foi o surgimento de textos na internet. Foi no espaço virtual que vim a conhecer a revista Contracampo, publicação que se assemelha, guardadas as proporções, à francesa "Cahiers du Cinéma" e que investiga o cinema. Depois vieram a Cinética, a Paisà, a Filmes Polvo, o Cinemascópio. São todos sites que reúnem pessoas altamente capacitadas para o exercício da crítica.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Maratona cinematográfica

O editor do Filmes Polvo, Rafael Ciccarini, promove a partir do sábado, dia 10 de abril, uma série de maratonas cinematográficas em Belo Horizonte. Confira algumas outras informações, divulgadas há alguns dias.

Com dinamismo, a maratona propõe uma imersão em nomes consagrados do cinema mundial: seus principais filmes, temas preferidos, conceitos narrativos, principais características técnicas e estéticas, sob a orientação do professor Rafael Ciccarini. Uma iniciativa que visa oferecer a cinéfilos, admiradores, estudantes de cinema, literatura, teatro e artes em geral, a possibilidade de aprofundamento, reflexão e prazer estético-sensorial.

A cada sábado, um grande diretor. Sete horas por dia do melhor cinema.

10 de abril: Stanley Kubrick
17 de abril: Alfred Hitchcock
24 de abril: Ingmar Bergman
1 de maio: Martin Scorsese
8 de maio: David Lynch

Imersão na obra de cada diretor:

- Análise histórica e crítica de toda sua filmografia
- Aspectos biográficos relevantes ao entendimento e fruição de sua obra
- Reflexão sobre o próprio mundo e o cinema contemporâneo.

Horário e cronograma:

das 9h às 12h – Aula expositiva sobre a carreira do diretor, com análise da filmografia, exibição de trechos de seus filmes e discussão das principais características estilísticas e temáticas.

das 12h às 14h – Horário livre para almoço

das 14h às 18h – Continuação da aula expositiva, exibição integral de um longa-metragem a ser escolhido pelo grupo. Após a exibição, a obra será debatido à luz dos conceitos e idéias abordados durante o dia.

Rafael Ciccarini é professor e crítico de cinema. Mestre e doutorando em “Artes – Cinema” pela UFMG. Graduado em “História”, também pela UFMG. Professor de “História do Cinema Brasileiro” na Pós Graduação do IEC/PUC Minas. Professor das disciplinas "Ética e Legislação Cinematográfica" e "Distribuição e Exibição Cinematográfica" na UNA. Professor de “História do Cinema”, “Cinema Brasileiro”, “Crítica Cinematográfica” e “Cinematografias Raras” na Escola Livre de Cinema – E.L.C./BH.

Maiores informações: (31) 3466-4721

segunda-feira, 5 de abril de 2010

"Mangue Negro" e o terror no cinema brasileiro



por Marcelo Miranda

Num vilarejo capixaba de pescadores, mortos-vivos de corpos putrefatos passam a caminhar pelo mangue e atacar violentamente os moradores locais. A certa altura, para salvar a garota que ama, um dos trabalhadores do lugar recorre a uma preta velha. Ela o orienta a arranjar veneno de baiacu para tentar curar a moça do avanço das criaturas, antes da jovem se transformar em um zumbi.

O enredo estapafúrdio se refere a "Mangue Negro", estreia de Rodrigo Aragão no longa-metragem. Exibido pela primeira vez em 2008 no Fantaspoa (festival de cinema fantástico realizado em Porto Alegre), é atualmente um fenômeno cult entre os amantes do gênero horror. Sem lançamento comercial nos cinemas brasileiros, o filme chega às locadoras nas próximas semanas, num DVD em bela edição dupla, a cargo da distribuidora London. Paralelamente, foi exibido em diversos países mundo afora (Inglaterra, Alemanha, Argentina, Chile e China - neste, faz sucesso avassalador em cópias piratas).

"Mangue Negro" tem ganhado elogios de público e parte da crítica, especialmente de quem se abre à imaginação de um realizador que, no interior do Espírito Santo, colocou para fora a sua paixão cinéfila via visceralidade do terror. "Fiz o filme para mim mesmo, com o que eu gostaria de ver numa produção brasileira de horror", comenta Aragão, em conversa com o Magazine. "É muito legal sentir a recepção e ler até intelectuais falando sobre ele".

Aos 33 anos, residente na comunidade do Perocão, a 8 Km do município de Guarapari (ES), Rodrigo Aragão nasceu e cresceu em meio ao manguezal da região. Daí ele propalar ter feito "Mangue Negro" literalmente no quintal de casa. "Desde criança brinquei nas raízes do mangue e sempre imaginei que ali poderiam existir monstros", relembra. "Achei que poderia transformar isso num filme e tentei pelos caminhos oficiais, mas nunca consegui apoio".

Em 2005, Aragão construiu um barraco de madeira atrás de sua casa, arranjou uma câmera emprestada e filmou dez minutos de uma história de zumbi. Mostrou a um amigo empresário de Belo Horizonte. "Ele gostou e topou ser produtor".

Com parco orçamento de R$ 60 mil, Aragão reuniu uma equipe de sete pessoas ("todo mundo fez de tudo"), juntou alguns atores e gastou três anos dando forma a "Mangue Negro". Suas maiores inspirações (explícitas na tela, aliás) eram "Náusea Total" (1987) e "Fome Animal" (1992), ambos de Peter Jackson; "Zombie - A Volta dos Mortos" (1979), de Lucio Fulci; e "A Morte do Demônio" (1981), de Sam Raimi.

O diretor - também roteirista, editor e responsável pela maquiagem e efeitos visuais do filme - buscou ainda referências bem específicas do Perocão. "Já disseram que, para ser universal, é preciso ser o mais regional possível", afirma.


O espectador acompanha as agruras dos dois protagonistas (vividos por Walderrama dos Santos e Kika de Oliveira) tentando sobreviver em meio aos ataques de zumbis e fugindo por paisagens pouco ou nada vistas no panorama contemporâneo do cinema brasileiro - rios poluídos, manguezais sombrios, casebres decadentes. "É um lugar em processo de deterioração, por causa da poluição e da depredação. Quis, de alguma forma, colocar isso no filme".

E se o Brasil não tem tradição de utilizar efeitos especiais na concepção de seus filmes, Rodrigo Aragão procurou ser bastante atento na hora de preparar os monstrengos de "Mangue Negro". Maquiador artístico profissional, Aragão revela que muito da vontade de fazer o longa se deveu a querer colocar em prática, no cinema, os conhecimentos da área. "Fui dirigir muito pela frustração de não ter onde aplicar meu trabalho", assume. "Comecei como técnico de efeitos em 1994, fazendo curtas-metragens e peças de teatro. A partir de 2000, me dediquei a um espetáculo de terror chamado ‘Mausoleum’. Atualmente dou cursos de efeitos visuais".

Apesar das dificuldades, Aragão é otimista quanto aos rumos dos filmes de terror brasileiros. "Nunca será um cinema de primeira linha por aqui. Se a pessoa não gosta, nada a convence do contrário. Mesmo assim, vejo alguns movimentos interessantes de realizadores". O próprio Aragão já se mobiliza. Prepara para 2011 o segundo longa, "A Noite do Chupacabra", a ser filmado nas montanhas capixabas. Depois, pretende fechar uma trilogia com um outro terror, em paisagens marítimas. Os fãs do gore aguardam.

A NÃO-TRADIÇÃO BRASILEIRA
No livro-ensaio “Da Natureza dos Monstros” (1998), o crítico, pesquisador e professor Luiz Nazario escreve uma definição para o que seriam os filmes de terror: “Dizem respeito, em última análise, à força dramática da aparência. Na tela, o sangue que escorre é artificial; as deformações e feridas são truques; o monstro existe pelo efeito de montagem, lentes de aumento, computação gráfica e mecanismos automáticos (...); as cidades reviradas são maquetes de papelão. A destruição é um gozo secreto”.

A descrição soa universal. A quantos filmes brasileiros ela se encaixaria? A “Mangue Negro”, certamente. Também à produção de José Mojica Marins, fundador do horror no cinema do país com “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” (1964) e “Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver” (1966). Talvez um pouco de Ivan Cardoso, em “O Segredo da Múmia” (1982) e “Um Lobisomem na Amazônia” (2005). E não muito mais que isso.

“O gênero não encontra no Brasil condições adequadas para vingar”, afirma Nazario, em entrevista. “Não há tradição porque há pouca literatura fantástica entre nós: raros foram os escritores que se dedicaram a criar universos sombrios, seja na literatura de horror e de mistério, de ficção científica ou policial. Depois do romantismo e do simbolismo, onde autores como Álvares de Azevedo e Cruz e Souza ousaram criar alguns universos sombrios, a ditadura do realismo domina o Brasil”.

Para Nazario, mesmo o cinema de Mojica é limitado por “evidentes limitações culturais”. “Os filmes do Zé do Caixão situam-se naquele limbo onde também se encontra Ed Wood, entre o terror e a chanchada, com imagens meio assustadoras, meio ridículas”.


Marcelo Carrard, também pesquisador e especialista em cinema de horror, aponta alguma produção de temática fantástica no Brasil. “Claro que seu maior expoente é o mestre José Mojica Marins, mas outros diretores se aventuraram nessa área, como Walter Hugo Khouri, em ‘O Anjo da Noite’ e ‘As Filhas do Fogo’, e Jean Garret, em ‘A Força dos Sentidos’ e ‘Excitação’”, enumera.
Carrard acredita no potencial do Brasil de filmar lendas populares que pululam a todo canto. “Os estrangeiros adoram. Tanto veteranos como o Mojica até novos talentos, como Dennison Ramalho e Rodrigo Aragão, sabem explorar muito bem elementos culturais genuinamente brasileiros”. Luiz Nazario completa: “Os brasileiros poderiam criar obras-primas do gênero se estivessem inseridos nessa tradição cultural”.

O próprio Mojica compartilha da opinião. Aos 74 anos, segue como a grande referência no horror brasileiro, mas se ressente do gênero não ter representatividade contínua por aqui. “Tenho saído por esse Brasil afora e vejo muitos curtas-metragens legais de terror, mas, em longa, estamos devendo”, lamenta. “Nosso país tinha que ser o primeiro no gênero. Temos encruzilhada, misticismo, macumba, praia, mulher bonita. Não sei como nada disso é explorado. É o que o terror precisa”. Para ele, falta aos novos realizadores “mais atrevimento”. “Tem que se jogar. Eu paguei caro por tudo que fiz. Enfrentei ditadura e problemas na família por causa disso”.

MOJICA VAI FILMAR LENDA MINEIRA
Além de dois longas protagonizados pelo personagem Zé do Caixão nos anos 60, o diretor José Mojica Marins tem no currículo diversos outros longas de horror, alguns deles obras fundamentais do cinema brasileiro em sentido universal – casos do excepcional e ousado “Ritual dos Sádicos” (1970), censurado pelo regime militar, e de “Exorcismo Negro” (1974).

Após “Encarnação do Demônio”, lançado em 2008 – depois de um hiato de duas décadas sem que Mojica filmasse um longa-metragem –, o mítico diretor se prepara para voltar ao set. Deve fazer ainda este ano “Corpo Seco” (título provisório), inspirado em lenda homônima da cidade de Pouso Alegre, no Sul de Minas.

Reza a crença local que, no começo do século XX, o maléfico morador de um casarão do bairro Santo Antônio gostava de maltratar a mãe e os animais. Doente, definhou até morrer. Porém, seu corpo nunca se decompôs e passou a assombrar o lugar. No projeto de Mojica, será o coveiro Zé do Caixão quem irá enfrentar a vilania de Corpo Seco. “Vou tentar ultrapassar os limites dos próprios limites”, garante o cineasta. Ele prevê a estreia do filme para 2011.

Mojica se diz frustrado por não ter conseguido deixar discípulos onde ele foi o pioneiro. Aponta Dennison Ramalho – diretor do curta de horror “Amor só de Mãe” (2002) e um dos roteiristas de “Encarnação do Demônio” – como um realizador a quem ele dá total apoio “em qualquer coisa que quiser”. Mas puxa a orelha: “É todo mundo lento demais para fazer. Na minha época, eu não perdia nenhuma chance”.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 4.4.2010

sábado, 3 de abril de 2010

Humberto Mauro por Ronaldo Werneck

por Marcelo Miranda

Poucos escreveram tanto sobre Humberto Mauro. O cataguasense Ronaldo Werneck, conterrâneo do "pai" do cinema brasileiro, tornou-se amigo do mestre nos anos 70. Ouviu centenas de histórias e reuniu essa produção em "Humberto Mauro Revisto por Ronaldo Werneck", livro lançado pela Arte Paubrasil, com patrocínio do programa Filme em Minas.

Fiz uma entrevista com o Ronaldo, que saiu parcialmente publicada em O TEMPO no dia 28.3.2010. Reproduzo abaixo a versão integral da conversa, pois o papo foi magnífico e vale a reprodução.


Mauro e Ronaldo em 1975, em foto de Clovis Scarpino

Como você definiria "Humberto Mauro revisto por Ronaldo Werneck"?
“Kiryrí Rendáua Toribóca Opé” é um livro que prioriza o afeto. O tempo de sossego e paz (“Kiryrí”) do cineasta em seu derradeiro set de filmagem, o Rancho Alegre (“Toribóca”). Um cantar de amigo, um grande poema épico multifacetado, entrecortado por imagens. Um livro em permanente movimento. Um ensaio que não se prende à cronologia, embora perpassado por momentos biográficos. Uma obra que narra fragmentariamente a saga e a seiva de sua primavera da vida: o “thesouro” da juventude reencontrado, o despertar da brasa dormida – a ganga bruta de onde Humberto Mauro extraiu o sangue mineiro e criativo, o alto teor de inventidade de seu cinema.

Quando e como se deu o seu primeiro contato com Mauro?
Sou de Cataguases, cidade onde HM realizou seus primeiros filmes na década de 1920. Ouvia falar de seu nome desde menino, mas nunca vira nada dele. Em 1961, antes dos 18 anos, assisti pela primeira vez a algumas de suas obras e o vi assim meio de longe no Festival Humberto Mauro realizado na cidade. Um Festival que levou muita gente de cinema a Cataguases, inclusive o jovem Glauber Rocha, que também assistiu ali, e pela primeira vez, como eu, aos filmes de Mauro. Entusiasmado, Glauber publicou logo a seguir no Jornal do Brasil grande matéria destacando a importância de Humberto Mauro para o então novíssimo Cinema Novo. Seis anos depois, conheci pessoalmente o cineasta, que voltou a Cataguases – ao lado do romancista Marques Rebelo e de escritores da Revista Verde – para a comemoração dos 90 anos da cidade, a convite dos jovens “poetas da vanguarda cataguasense”, eu inclusive. E desde então venho escrevendo/falando sobre Humberto Mauro: ensaios e entrevistas com ele para jornais, revistas, livros; depoimentos e entrevistas para programas de tevê e documentários cinematográficos.

Com o passar do tempo, acabamos amigos. Amizade que começou no início dos anos 1970. Eu morava no Rio e publiquei naquela época longo ensaio sobre o cineasta na Revista Vozes. Logo depois, sou surpreendido por um telefonema do próprio Mauro, que havia lido a matéria e me convidava a passar por Volta Grande, para “um café e um papo”. Não deu outra: indo do Rio para Cataguases, ou vice-versa, e sempre que possível, dava uma passada em Volta Grande para papos e mais papos. Foi quando realizei grande entrevista com Mauro para Totem, o Suplemento Literário que eu editava em Cataguases junto com o poeta Joaquim Branco.

Foi aí que nossa amizade se estreitou – no transcorrer dessa longa entrevista, cujas gravações levaram quase um mês. Gravações que se resumiam mais em ouvir as fantásticas histórias maurianas do que propriamente na formulação de perguntas. Aquelas saborosas histórias que muitas vezes giravam em torno de seus tempos de Cataguases, os tipos folclóricos da cidade, histórias dos estúdios da Phebo Brasil Film e de cinema, tema recorrente que pairava sobre tudo que ele falava. E Mauro falava/descrevia por imagens. Falava como se filmasse. O cinema era sua escritura.

E como você definiria a personalidade dele a partir desse contato pessoal?
Como todas as pessoas que primam pela inteligência, Mauro era por excelência um ser muitíssimo bem-humorado – e trazia dentro de si o espírito gozador de moleque mineiro. Antes de tudo, era um curioso. Um ser atento a tudo que se passava à sua volta, ou da qual ouvira falar. Autodidata, não se contentava em saber como o mundo se movia: queria mesmo era mover o mundo. Foi essa curiosidade que o levou a fazer cinema. Primeiro, atraído pela técnica; logo, senhor dela, criando com seu grande talento uma linguagem própria e sempre inovadora.

Foram amigos até a morte dele? Era um contato contínuo?
Não o vi em seus últimos tempos. Depois de seu aniversário de 80 anos, em 1977 (existe uma bela imagem nossa na ocasião, feita pelo saudoso fotógrafo Clóvis Scarpino, e que está no meu livro), fui poucas vezes a Volta Grande. Envolvido com o meu trabalho no Rio, ia cada vez menos e sempre muito rapidamente a Cataguases, e não tinha tempo para desviar viagem e visitar o meu amigo. No dia em que Mauro morreu (04.11.1983), eu estava meio adoentado, e de cama no Rio. Mandei emocionado telegrama pra Dona Bêbe, sua mulher e o grande e único amor de sua vida (eles foram casados por mais de 50 anos, e eram conhecidos como “Romeu e Julieta da Zona da Mata Mineira”). Nunca mais a vi: não tive coragem. Anos depois, chorei, novamente emocionado, ao ver as fotos do sepultamento do cineasta realizadas por meu amigo Walter Carvalho e exibidas em Cataguases, no Centro Cultural Humberto Mauro. Fecho o meu livro com essas fotos do Waltinho e o texto que escrevi para a exposição. Mas, isso é pouco. Na verdade, fiquei em débito com meu amigo. E para sempre. Meu livro é também um pouco-muito para quitar essa minha dívida de afeto com Humberto Mauro.

Humberto Mauro foi um pioneiro não apenas por ter começado no cinema nos anos 20, mas por ter partido do zero, numa cidade do interior mineiro, sem nenhum conhecimento prévio do que ia arriscar fazer. Glauber o chama de "puro", e não de "primitivo". Gostaria que comentasse essa "pureza" do cinema do Humberto Mauro.
Glauber acerta em cheio quando descarta o que possa haver de primitivo em Mauro. Isso porque ele não tinha, nem nunca teve, nada de naïf, de ingênuo. Puro, sim, porque o cinema de Mauro surge dele mesmo, de sua vivência, de suas descobertas – e traz sempre como assinatura a força atávica,a pureza de sua poética rural. Ao voltar sua câmera em panorâmica sobre o mundo da paisagem mineira, ele documenta como ninguém aquele “grande microcosmo” de um Brasil profundo e desconhecido. É como diz o próprio Glauber sobre o cinema de Mauro: “Puro como John Ford, puro como Griffith ou como o cinema intelectual de Eisenstein”.

Mauro foi propulsor das reflexões levantadas pelo Cinema Novo, nos anos 60. Você acredita que os filmes do Mauro ainda podem nos dizer alguma coisa no (e do) Brasil de hoje?
Num trecho de uma de suas palestras radiofônicas, transcrito em meu livro, Mauro fala sobre duas escolas de cinema: a dos diretores americanos, que conserva o compasso de um filme de acordo com o bater normal do coração, que cresce sob emoções mais fortes; e a outra, dos diretores europeus, que atrasa a cadência do filme até o compasso do pulso estar mais adiantado. Uma faz sentir o filme. Outra faz a pessoa ver o filme. Mauro privilegia a primeira: “Sentir é melhor. É muito melhor estar dentro da festa que do lado de fora, apenas observando”. Em lugar de uma posição meramente contemplativa, de uma crítica distanciada, a opção por tomar partido, por mergulhar “dentro da festa”. Por transformar. É o que nos diz ainda hoje o cinema permanentemente novo de Humberto Mauro.

Diante de um cinema brasileiro em busca de ocupação de mercado e cada vez mais tentando se render à indústria para atrair espectadores, como Mauro reagiria à nossa atual realidade de produção?
“O público é o diabo”, me disse Mauro em uma de nossas entrevistas. “Ou você faz cinema, ou faz indústria. Não entendo como se gasta tantos mil contos em uma fita e ninguém vê. O Limite do Mário Peixoto, por exemplo: se passasse, não ficava um espectador até o final. Gostava muito do Mário, era um rapaz muito culto: eu mesmo, pessoalmente, estava recuperando a cópia do filme no Ince (o Instituto Nacional de Cinema Educativo, onde Mauro trabalhou mais de 30 anos e para o qual realizou cerca de 300 documentários). Esse negócio de indústria e cinema é um troço dos diabos: para você fazer indústria tem que fazer o filme, que deve ser exibido, que deve render dinheiro, e este deve voltar para você fazer um novo, senão não vai. O Canto da Saudade (seu último longa-metragem) eu fiz assim, imaginando fazer outro. Mas não deu dinheiro algum”. Acredito que essa sua fala seja válida até hoje – e seria exatamente essa a reação de Mauro à pergunta formulada.

Ironicamente, o maior entrave dos filmes do Mauro foi a distribuição, como ele mesmo dizia. Hoje, os filmes dele ainda são raridade e pouca gente das últimas gerações os assiste (todo mundo ouviu falar de Humberto Mauro, poucos o assistiram de fato). Poderíamos dizer que Mauro continua sofrendo da mesma sina da pouca visibilidade?
Sem dúvida. Embora tenha tido mais público que o já citado Limite (todo mundo fala e elogia, mas pouca gente realmente viu o filme de Mário Peixoto), as fitas de Mauro são hoje, infelizmente, “peças de museu” – e só se encontram preservados graças a técnicos especializados da Cinemateca Brasileira, em São Paulo, ou principalmente do CTAv, o Centro Técnico do Audiovisual, no Rio. Ali e aqui se encontra – cuidadosamente restaurado – o muito, ainda bem, do que restou da extensa filmografia mauriana. Grande parte, já em DVD, numa coleção de vários longas e curtas organizada pelo CTAv há alguns anos, mas infelizmente não lançada em termos comerciais. Sobre essa “sina de pouca visibilidade”, volto a citar Mauro, o que ele ainda me disse quanto à dicotomia cinema/indústria, lançando (a sério?) uma daquelas suas tiradas brincalhonas: “Não sou contra a indústria, mas a verdade é que o pintor pinta sozinho o que quer, o escultor esculpe o que bem entender, põe na galeria em exposição. Vende seu trabalho. Note bem: o seu trabalho. Agora, em cinema, seria ideal se o sujeito pudesse fazer pequenos documentários e exibi-los em exposição, em vernissages, vendendo o seu filme como o pintor ou o escultor. Até que seria bom: ‘Exposição de filmes em 16mm´. O sujeito ia lá, comprava o que queria, e depois passava para a família...”. Nada mais Mauro: cineastas vendendo seus filmes em permanente exposição... quem sabe?

Por fim, para mesclar a sua formação poética, queria que me respondesse o que há de mais poético na obra cinematográfica de Mauro.
Para mim, o “grande Mauro”, onde ele extravasa toda a sua sensibilidade, está nos documentários – naquele incessante voltar de câmera para a paisagem mineira, a retomada do mundo tão familiar de sua infância e juventude. O mundo-Mauro em permanente movimento, instauração de uma écloga de imagens extremamente autorais, de força e beleza tamanhas. Uma poética singlular, passada por aquelas imagens em semi-sépia, como eu digo num dos fragmentos de um dos poemas que inseri no livro: “o sol nos olhos/ carro de bois/ sons da mata/ gerais/ girando/ girando/ gerando o pedal da velha/ o fogo-a água-a roca-a roça-o olho/ mãos que movem a roda/ o engenho/ o girar do mundo/ o sol e seu desenho/ no princípio/ o fim de tudo/ fita que se move/ e fica na retina/ pra sempre presa/ à menina-dos-olhos que nos comove”.

Ely Azeredo e a crítica de cinema



por Marcelo Miranda


Ele é o crítico de cinema com mais anos de atuação no Brasil. O primeiro texto profissional do carioca Ely Azeredo data de 1953, há exatos 56 anos. Por "proporcionar um número redondo", segundo o próprio, Ely reuniu artigos seus publicados até 2003 no livro "Olhar Crítico - 50 Anos de Cinema Brasileiro" (Instituto Moreira Salles, 416 págs, R$ 54).

De um acervo de aproximadamente 5.500 textos, entre críticas, reportagens e entrevistas, Ely Azeredo selecionou 98 reflexões exclusivamente sobre filmes produzidos no país, indo de "Sinfonia Amazônica" (1952), de Anélio Latini Filho, a "Carandiru" (2003), de Hector Babenco - e passando, obviamente, pelo controverso período do Cinema Novo, do qual Ely cunhou o termo que eternizou o movimento e, ironicamente, foi um de seus mais firmes questionadores.
Confira entrevista.

Fora o recorte específico no cinema brasileiro, houve algum outro critério para escolher o que entrar em "Olhar Crítico"?
Tive também o desejo de expor o processo de maturação de um crítico. De propósito, deixei visíveis certas insuficiências de minha iniciação na prática profissional, lá por 1953, 1954. Em parte por tal motivo, o livro começa com críticas de 2002, 2003. Por exemplo: minha visão do cinema de Nelson Pereira dos Santos (minha admiração cresceu com o tempo) sofreu mudanças. A seleção inclui críticas maiores e mais reflexivas, e resenhas, mas também pequenos ensaios. Há nítidas diferenças na maneira de desenvolver certos textos, porque a seleção abrange escritos para colunas de resenhas, páginas especiais dominicais e periódicos. Como escrevi para mais de 20 veículos (entre jornais e revistas), acho que a amostragem pode ser especialmente útil a estudantes de comunicação. "Olhar Crítico" se organiza em ordem cronológica decrescente, definida pelo senhor como uma "viagem no tempo". Observando textos de 2003 a 1953, o leitor terá "contato" com o crítico da última década e com o mesmo em etapas anteriores de uma vida inteira de observação do cinema. Com essa cronologia, abro uma janela para o estágio do cinema brasileiro da década de 2000 e para outras fases de sua história. Claro que cada leitor tem a liberdade de elaborar seu roteiro preferencial.

Na introdução, o senhor aponta a importância do jornalismo e da crítica como propulsores de importantes movimentos do cinema. Como enxerga a crítica há 50 anos em relação à praticada hoje?
Na passagem dos anos 40 para os 50, a crítica se profissionalizou. Isso se tornou possível a partir do sucesso conquistado por Moniz Vianna no "Correio da Manhã", em 1946, quando esse era o mais influente diário do país. Embora estreante no jornalismo, Moniz ganhou algo que até então era impensável: uma coluna diária exclusivamente de crítica de cinema. No país, era muito baixo o número de jornais com colunas especializadas. A partir do hábito de leitura de críticas implantado por Moniz Vianna, publicar análises de filmes se tornou quase tão obrigatório como apresentar comentários sobre futebol.

E isso foi importante no desenvolvimento dos próprios movimentos culturais?
Nos anos 50 e 60, a crítica deu origem às cinematecas de São Paulo e do Rio. E criou uma série de cineclubes. Como criador e programador dos primeiros Cinemas de Arte (com Alberto Shatovsky), no Rio, em 1949/1960, eu "intervi" diretamente no cardápio - transformando Ingmar Bergman (principal exemplo) em programa "obrigatório" para os cinéfilos. O conjunto dessa atuação contribuiu para a formação de plateias atentas e informadas. Daí o surgimento de um público mais sofisticado, capaz de apreciar o cinema como arte. Essa crítica e esse público deram viabilidade ao moderno cinema brasileiro.

Como o senhor definiria a crítica e sua importância para a arte?
A crítica é a mediadora entre os cineastas e as plateias. Introduz a reflexão no ciclo vital das produções. O pensamento crítico que se oferece ao espectador completa o ciclo iniciado quando se reuniu uma equipe para dar forma audiovisual ao roteiro escrito.

Outro fator bem apontado na sua introdução é o fim da reflexão na mídia impressa por questões de espaço e desinteresse dos veículos. Porém, nos últimos dez ou 15 anos, testemunhamos a ascensão da crítica na internet. O senhor acompanhou esse "deslocamento"?
Acho que a "crítica de papel", com espaço fixo e frequente na imprensa, ainda é o melhor instrumento para a informação e formação de plateias. Mas, hoje, a disponibilidade de espaços generosos na internet é de grande importância, até pelos benefícios da interatividade. Nos anos 50, tentando um contato mais direto com os leitores, eu mantive, durante algum tempo, um horário de atendimento ao telefone na "Tribuna da Imprensa".

O senhor segue acompanhando o cinema brasileiro? Qual a sua visão do que tem sido produzido atualmente? Com o tempo exigido por outros projetos, não acompanhei muito o cinema (e não só o brasileiro) de 2004 para cá. Tenho muita estima pelo cinema de Walter Salles. "Central do Brasil" está entre meus favoritos. Na última década, destaco especialmente "Cidade de Deus", "Lavoura Arcaica", "O Invasor", "O Cheiro do Ralo", "Santiago", "Ônibus 174". E o trabalho nunca suficientemente exaltado de atores como Lázaro Ramos, Matheus Nachtergaele e Selton Mello.

Junto com Moniz Vianna, no Rio, e com Cyro Siqueira, em Minas, o senhor talvez seja o principal nome a problematizar os caminhos tomados pelo Cinema Novo. Em seu livro, no texto sobre “O Amuleto de Ogum”, lê-se: “Ao contrário de tantos filmes do Cinema Novo, este não é uma ‘armação’ do autor-diretor contra os personagens, nem uma contestação formal, nem uma defesa de tese”. Pergunto: a sua visão sobre o Cinema Novo permanece a mesma?
Ao contrário de muitos filmes cinemanovistas, “O Amuleto de Ogum” buscava comunicação com o “grande público”, desenvolvia seus personagens sem grilhões ideológicos e, nessa obra, Nelson Pereira dos Santos ficava longe do “culto da personalidade” (do diretor) que prejudicava muito a aceitação do Cinema Novo. A leitura de “Olhar Crítico” evidencia certa evolução em minhas análises dos filmes desse movimento. Os cinemanovistas também mudaram sua relação com a dramaturgia e com o público. Em meu livro, realço esse câmbio ao falar sobre filmes como “Macunaíma”, “Memórias do Cárcere”, “Imagens do Inconsciente” e outros. O Cinema Novo, fenômeno dos anos 60, original, às vezes caótico, narcisista ou “mensageiro”, vai deixando de existir à medida que progride a década de 70. Em consequência, a arte do ator ganha mais relevo. Os roteiros ganham mais estrutura. Em tempo: minha posição em relação ao cinema brasileiro era inteiramente diversa do enfoque de Moniz Vianna. Esse grande crítico raramente reconheceu algum mérito em filmes nacionais.

Após o Cinema Novo, veio o Cinema Marginal.
“A Margem”, de Ozualdo Candeias, a meu ver, indica um rumo autêntico ao chamado Cinema Marginal. Surgida como reação ao Cinema Novo, essa tendência também sofreu com o narcisismo de alguns realizadores. A maioria desses filmes tinha uma postura que distanciava o público. Acho que quase toda essa vertente perdeu o interesse, com raras exceções,como “O Bandido da Luz Vermelha”.

Gostaria que o senhor comentasse sua breve participação na “Revista de Cinema”, editada pelo Centro de Estudos Cinematográficos de Belo Horizonte nos anos 50.
Gostava tanto (da revista) que a levava pessoalmente para pontos de venda no Rio. Não tenho mais a coleção, mas não esqueço os excelentes textos sobre o método crítico, o realismo, a visceralidade da violência no grande cinema norte-americano. Na “Revista de Cinema” só publiquei dois textos modestos: um artigo sobre Bergman e uma crítica do bergmaniano “Noites de Circo”. A saída de Cyro Siqueira [um dos fundadores e editores da publicação] da crítica foi uma grande perda.

Publicado originalmente em O TEMPO no dia 23.3.2010

Chico Xavier, de Daniel Filho



por Ursula Rösele

Havia visto o trailer há um tempo, desses com a marca escancarada do Daniel Filho. Um pouco de preguiça, mas já que resignada de que não havia muito o que esperar de diferente do padrão Globo Filmes + Daniel Filho + a total incapacidade de escalação de qualquer ator não global-televisivo; fui ver o filme.

Poucos, pouquíssimos conseguem fazer o que Clint Eastwood fez, de retratar uma figura que por si só já arrebata em graça, humanismo e vigor político como o Mandela, e ainda fazer um belo filme como é Invictus.

Devo dizer que saí de Chico Xavier chorando um bocado e depois de amansar, me veio a questão: seria o ser retratado tão forte, tão intenso, que determinadas – e várias – questões negativas do filme teriam peso menor do que se fosse qualquer outro filme de Daniel Filho? Sei lá. Lembro de uma consulta médica que fui certa vez, e e a médica me perguntou qual a minha religião ou se tenho alguma e ao me ouvir responder de supetão que sou confusa, semi-espírita, ela escreveu no prontuário: “semi-espírita”. Fiquei fã dela. O quê iria fazer com aquela informação, até hoje eu não sei.

Fato é que não prego, não frequento, não sou, na prática, espírita. Mas tenho um carinho, sim, e principalmente pelo ideário de ação da doutrina que parte do princípio de que a caridade é o fundamental, para além das ave-marias e absolvições, no sacrifício, no flagelo, no dinheiro para a igreja. É... um post escapando do cinema, desculpem.

Daniel Filho fez um filme claramente caro, meio super produção, cheio de clichês e travellings para que o personagem de Chico Xavier caminhasse e pudéssemos ver sumir sua mãe quando a câmera passava por uma árvore ou algo do tipo. No trailer mesmo do filme já podemos ver a panorâmica pop de Daniel Filho em um Nelson Xavier assustadoramente idêntico ao personagem que interpreta, enquanto psicografa. Hoje no cinema vi um trailer que prenuncia a “fase de ouro do cinema espírita” – e sim, estou sendo irônica (neste ano Chico Xavier faria 100 anos) -, dirigido por Wagner de Assis (roteirista de vários filmes da Xuxa e diretor da bomba A Cartomante) e uma mega-super-hiper produção: Nosso Lar, baseado em livro psicografado por Chico Xavier, um dos mais lidos na literatura espírita brasileira. Trailer mais pop impossível, ficou o medo real do filme que sairá disso.

Mas enfim. Talvez o que tenha me levado ao post meio sem sentido foi a sensação de que, por mais deprimente que o Daniel Filho seja (em minha opinião, claro), Chico Xavier é um bom filme sobre um personagem maior que ele (filme). Não há o mínimo vigor cinematográfico, mas eu, como “semi-espírita” que sou, fui tocada por algo que em outras proporções me tocou em “Invictus”: há seres humanos neste mundo os quais devíamos mesmo nos espelhar. Existindo ou não Deus - discussão que nem este blog e muito menos a Filmes Polvo entrará – me permitirei um comentário piegas e meio tolo...há o que se aprender naquele ser humano que foi Chico Xavier. Hoje assisti ao filme numa sala lotada, em plena sexta-feira santa. Bilheteria o Daniel Filho terá, sem dúvida. Que fique o que de bom possa ficar ali.