por Marcelo Miranda
Quando "Psicose" foi lançado nos EUA, em 16 de junho de 1960, uma publicidade protagonizada pelo próprio diretor Alfred Hitchcock proibia qualquer espectador a entrar na sala de cinema depois que o filme tivesse começado. Reza a lenda, inclusive, que Hitchcock em pessoa circulava pelos lugares fiscalizando se sua ordem expressa era cumprida à risca. O motivo, o cineasta explicou em entrevista a François Truffaut: "Os retardatários ficariam esperando o momento de ver [a atriz] Janet Leigh [em cena], quando, na verdade, ela já teria deixado a tela e morrido!".
Hitchcock tinha plena noção de que matar a protagonista de seu filme aos 45 minutos de projeção era um ato não apenas ousado, mas absolutamente inesperado - mais ainda se a personagem em questão era interpretada por uma estrela reconhecida como Leigh.
No próximo dia 25, completam-se 50 anos da estreia de "Psicose" no Brasil. Foram menos de dois meses de espera em relação às primeiras exibições nos EUA, mas o suficiente - numa era anterior à circulação hiperveloz da informação, como hoje - para manter o mistério em torno tanto da morte de Marion Crane (Leigh), quanto do segredo de Norman Bates (Anthony Perkins), e quanto à identidade do assassino.
"O suspense é antes de tudo a dramatização do material narrativo de um filme ou ainda a apresentação mais intensa possível de situações dramáticas", descreveu o crítico e pesquisador Ismail Xavier no prefácio de "Hitchcock/Truffaut" (Cia das Letras, 1993-2004). As palavras sintetizam toda a obra do diretor inglês e, mais ainda, a essência de "Psicose".
Rodado em menos de três meses, em preto e branco, com técnicos de televisão, orçamento de apenas US$ 800 mil e sem qualquer esperança da produtora Universal de que fosse render algum centavo, o longa se tornou a maior bilheteria de toda a vasta carreira de Hitchcock, integrada por 53 filmes realizados entre 1922 e 1976. "Psicose" faturou, na época, US$ 15 milhões, valor astronômico em se tratando de um suspense barato, adaptado do obscuro romance escrito por Roberto Bloch.
A propósito do livro de Bloch, disse Hitchcock: "Acho que a única coisa que me agradou e me fez decidir fazer o filme foi o caráter repentino do assassinato no chuveiro". A cena mais famosa de "Psicose" era, no fundo, o atrativo do diretor. Hitchcock se notabilizou por uma forma peculiar de criação: ele fazia filmes a partir de uma única ideia, cena ou sequência que povoava sua mente, desenvolvendo todo um enredo para encaixar essa determinada obsessão.
Assim foi com o chuveiro no qual Janet Leigh se banha. A filmagem da morte da personagem durou sete dias e exigiu 77 posições de câmera, no intuito de capturar todo e qualquer ângulo. Foi na montagem que Hitchcock deu o ritmo eternizado por aqueles três minutos de cena e potencializado pelos estridentes violinos da composição musical de Bernard Herrmann.
O pavor causado por "Psicose" também se deve à encarnação de Anthony Perkins como o frágil Bates. Dono de um motel falido na beira da estrada, o misterioso rapaz vive solitário com a mãe doente e deseja Marion Crane desde o primeiro instante em que a vê. O espectador primeiro sente piedade, depois desconfiança, em seguida dúvida e, por fim, medo.
A fusão final, com o rosto de Norman sobreposto ao do cadáver da mãe e ao porta-malas do carro onde está depositado o corpo desnudo de Marion, reforça, em termos puramente cinematográficos, o caráter assombroso da criação de Hitchcock. Cinco décadas depois, "Psicose" ainda é capaz de provocar frisson em velhos e novos espectadores. E isso é para sempre.
Para relembrar
Não apenas um filme, “Psicose” se tornou verdadeiro ícone da cultura pop. Existe uma infinidade de livros, teses, documentários e referências que prestam tributo ao filme de Hitchcock. Até mesmo a cena do chuveiro ganhou, em 2010, um livro dedicado apenas a dissecá-la – “The Girl in Alfred Hitchcock’s Shower” (a garota no chuveiro de Alfred Hitchcock), de Robert Gray.
Em maio deste ano, a 63ª edição do Festival de Cannes, na França, fez a sua parte e exibiu uma versão restaurada do filme. “Psicose” passou por rigorosa recauchutagem, especialmente sonora, o que valorizou os acordes musicais de Bernard Herrmann e a utilização estética do som e ruídos de ambiente no desenvolvimento do suspense no filme. O mais interessante é que, na sessão de Cannes, aproximadamente dois terços do público presente à lotada sessão nunca tinha assistido ao longa, segundo enquete realizada ali, no calor da hora.
A melhor forma de relembrar “Psicose” em seu cinquentenário é rever o filme nas várias versões lançadas em DVD no Brasil (a diferença entre uma e outra está nos extras) ou na edição especial em Blu-ray, lançada justamente para celebrar o aniversário da produção.
Também ler o monumental “Hitchcock/Truffaut” se torna tarefa de primeira linha. O vasto livro em que o francês François Truffaut trava um longo diálogo com o cineasta inglês é referência sob qualquer aspecto relativo ao cinema. Só sobre “Psicose” são 19 páginas, incluindo fotos de bastidores e decupagem de cenas importantes.
*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 20.8.2010
Um comentário:
É por causa de filmes como esse que o cinema não consegue perder a sua qualidade de imortal (mesmo que alguns cineastas medíocres façam de tudo para decretar seu fim).
Cultura na web:
http://culturaexmachina.blogspot.com
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