quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O encerramento do 43º Festival de Brasília: Minas e tumulto


Sérgio Borges segura Candango, em Brasília

por Marcelo Miranda

A noite de encerramento do 43º Festival de Brasília, na terça-feira, bateu um provável recorde para Minas Gerais. Filmes realizados no Estado saíram com 11 prêmios, em todas as categorias. Nove troféus para longa (de um total de 13) foram distribuídos entre "O Céu sobre os Ombros", de Sérgio Borges, e "Os Residentes", de Tiago Mata Machado. O curta "Contagem", de Gabriel Martins e Maurílio Martins, levou um, e o digital "Queda", de Pablo Lobato, outro.

Tudo seria apenas festa, não fosse a atenção da noite desviada por um equívoco jornalístico. Às 23h, o site do jornal "Folha de S.Paulo" e o portal Uol quebraram embargo combinado previamente com a assessoria do evento e publicaram a lista completa de vencedores, aproximadamente duas horas antes dos anúncios oficiais.

Os ganhadores passaram a ficar em segundo plano, a partir do momento em que a plateia que lotava o Cine Brasília se manifestava no boca a boca da lista vazada. "Não posso acreditar que ganhei", disse uma emocionada cineasta brasiliense. "Olha no Uol!", gritou alguém do público.
Essa foi a toada de toda a noite, uma das mais constrangedoras na história do festival. Os primeiros troféus Candango foram entregues ainda no suspense. De repente, um curta-metragista premiado timidamente comentou ao microfone: "Obrigado. Eu já sabia, porque está na internet".

Numa fração de segundos, celulares com conexão à web e notebooks se tornaram as vedetes da ocasião - até o computador do repórter do Magazine virou artigo perigosamente visado. Entre um zumzumzum e outro, o casal de apresentadores da premiação, Marta Benêvolo e Sérgio Fidalgo, parecia não ter ideia do que estava acontecendo.

Cada novo prêmio passou a ser gritado por gente da plateia antes de ser anunciado. O progressivo esvaziamento da sala, as vaias constantes e as provocações de quem insistia em acompanhar a agora ex-festa causaram momentos de tensão - especialmente quando a produtora brasiliense Andréa Glória protestou contra o "desrespeito" e os "conchavos" e pediu explicações da organização sobre o vazamento. "Obrigado, Andrea, você já fez a sua performance", disse o apresentador - e também diretor do evento - Sérgio Fidalgo.

Leo Pyrata, ator de "Contagem", representou o filme na premiação de melhor direção da categoria. Aproveitou a oportunidade para lançar impropérios impublicáveis contra o ocorrido. Sérgio Borges subiu pouco depois para receber o primeiro troféu por "O Céu sobre os Ombros" e ironizou: "Quero agradecer ao júri pelos prêmios que ainda vou ganhar".

Quase no fim da cerimônia, com Borges e toda sua equipe de pé no palco, celebrando os cinco Candangos recebidos por "O Céu sobre os Ombros" (veja no quadro), Fidalgo pediu desculpas por ter se "exaltado" anteriormente com Andréa Glória. "Estamos tão surpresos quanto vocês", clamou.

Em seguida, convocou ao microfone a assessoria de comunicação do festival para dar explicações. "Não houve privilégio a nenhum veículo de comunicação. O Grupo Folha, infelizmente, não cumpriu o acordo de embargo e soltou a relação antes dos outros, prejudicando toda a festa. Pedimos desculpas", disse um assessor, debaixo de gritos e vaias.

Não havia ninguém do Uol ou da "Folha de S.Paulo" presente no Cine Brasília durante a premiação. Nenhum dos dois veículos se manifestou a respeito do vazamento e da quebra do embargo.

(ATUALIZAÇÃO: nesta quinta-feira, tanto o site da "Folha" quanto o Uol publicaram notas a respeito do vazamento. Foi assumido um "erro da redação".)

Premiação. O vazamento da lista de premiados foi das coisas mais lamentáveis já testemunhadas numa cobertura de festivais. Porém, o que fica são os filmes. E o júri deste Festival de Brasília não poderá ser acusado de falta de coragem. Integrados ao perfil dos longas em exibição neste ano –de trabalhos com forte caráter de busca, experimentação e risco –, o acerto na escolha dos agraciados com o Candango (e um total em dinheiro de R$ 555 mil) soou até excessivo.

Os mineiros "O Céu sobre os Ombros" (Sérgio Borges) e "Os Residentes" (Tiago Mata Machado) concentraram os troféus, levando nove dentre os 13 distribuídos pelo júri oficial. O primeiro, dirigido por Sérgio Borges, integrante do coletivo de produção Teia, arrematou melhor filme, direção, roteiro, montagem e especial do júri para os personagens.

O filme de Sérgio implode (de novo, e com categoria) limites entre real e ficção, ao abordar três personagens comuns em suas vidas cotidianas na metrópole, sem jamais explicitar se há encenação ou apenas a liberdade de ter a câmera o tempo todo presente. Já "Os Residentes" é um potente e controverso mergulho dentro de referências de vanguarda (cinematográficas, literárias, artísticas) para falar de solidão e destruição.

Dar prêmio de roteiro a "O Céu sobre os Ombros" parece soar incoerente com a própria ideia do filme. A roteirista Manuela Dias, em debate, já tinha sinalizado que o trabalho de script não fora realizado de maneira convencional. Na tela, o que se vê é um trabalho construído no tempo dos planos e das ações e na cadência dos corpos, sem caminhos previamente traçados.

O maior injustiçado da noite foi o carioca "Transeunte", de Eryk Rocha. O filme levou apenas os troféus mais óbvios a ele – ator, pelo imbatível trabalho de Fernando Bezerra, e som, que é a alma do longa. Mas é muito pouco para reconhecer projeto tão vigoroso e renovador de alguns conceitos da forma de filmar ficção no Brasil, elevando sua potência a cada novo segundo de projeção.

Leo Pyrata, ator em "Contagem", agradece prêmio

Nos curtas-metragens – neste ano, com pouquíssimos bons filmes, muitos deles "fofinhos" demais e com cinema de menos –, outro mineiro brilhou. "Contagem" deu à dupla de realizadores Gabriel e Maurílio Martins o troféu de melhor direção – e um prêmio de R$ 10 mil que vai tirá-los das dívidas contraídas com essa pequena pérola independente, que exala frescor e paixão a cada nova imagem.

Fechando o arrasa-quarteirão de Minas Gerais em Brasília-2010, o digital "Queda", de Pablo Lobato, foi agraciado como melhor direção na categoria.

Reconhecimento. Para além de Minas Gerais se sagrar vencedor forte no festival deste ano, a produtora Teia saiu fortalecida do evento. O histórico já era dos melhores. Em 2006, o curta-metragem "Trecho", de Helvécio Marins e Clarissa Campolina, venceu na categoria de melhor filme, montagem e fotografia. No ano passado, o longa "A Falta que me Faz", de Marília Rocha, competiu na seleção oficial – ainda que tenha ficado sem prêmio algum.

Na noite de terça-feira, a Teia – um coletivo de realizadores audiovisuais fundado em Belo Horizonte em 2003 – ficou com seis dos troféus do 43º Festival de Brasília e um total de R$ 160 mil em prêmios nas diversas categorias nas quais venceu com "O Céu sobre os Ombros" e "Queda".

A presença da Teia sempre foi muito forte em mostras internacionais e agora, enfim, começa a ter espaço também no Brasil. Enquanto dois filmes de Marília estão em cartaz no Usiminas Belas Artes ("Acácio" e "A Falta que me Faz"), Helvécio e Clarissa seguem na montagem de "Girimunho", primeiro longa-metragem da dupla. Quem tem colaborado no trabalho é Marina Meliande, codiretora do carioca "A Alegria", que também competiu em Brasília.

Um comentário:

Leo Cunha disse...

Ótimo texto, Marcelo. Vou incorporá-lo à minha apostila da disciplina Jornalismo Cultural!

Como curiosidade, reproduzo abaixo o que 4 importantes jornalistas escreveram sobre esta obsessão do furo no jornalismo cultural.

- Sérgio Augusto, no artigo "O frenesi do furo":
"Preferem sair na frente com uma reportagem eventualmente feita nas coxas a esperar mais 24 horas para produzir uma matéria mais completa e bem escrita (...) Como se um novo livro de Rubem Fonseca ou um novo disco do Caetano fosse uma novidade tão importante para a vida da população quanto a notícia de mais um plano econômico do governo ou a descoberta de uma falcatrua no sistema bancário".

- Daniel Piza, no livro "Jornalismo Cultural", diz:
"Em jornalismo cultural é muito mais importante fazer melhor do que fazer antes."

- Sidney Garambone, no Observatório da Imprensa:
"Confunde-se diariamente nas redações o significado real do furo cultural. Dar na frente no concorrente, decididamente, não é furo. E pior, muitas vezes acontece por causa de uma negociação nefasta entre jornalista e assessoria de imprensa."

- Marcelo Beraba, ex-ombudsman da Folha, especificamente sobre os embargos:
""O recurso é utilizado pelas assessorias para garantir uma divulgacão justa e equânime de suas informações na grande imprensa, sem privilégios para A ou B".
E completa:
"É evidente que não existem apenas duas alternativas: ou participa do acordo ou não publica nada. Há o caminho intermediário, nem sempre seguido pelos jornais: o do questionamento, do aprofundamento do assunto, do confronto com outras produções culturais."