quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Canadá e Brasil assinam novo acordo audiovisual



Brasil e Canadá formalizaram novo acordo de cooperação audiovisual. Na foto (divulgação) Tom Perlmutter (NFB/ONF), Silvio Da-Rin (SAv/MinC) e o embaixador Paulo Cordeiro de Andrade Pinto assinam os termos do protocolo, que prevê parcerias na criação de documentários e animações (binômio forte e histórico da instituição canadense), especialmente a partir da tecnologia digital. Intercâmbio de tecnologias e criação entre os dois estão previstos, bem como a realização de uma cúpula Brasil-Canadá no ano que vem. Para mais informações e leitura do protocolo, leia aqui.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Andrea Ormond



por Marcelo Miranda

Aproveitando que ela deixou um comentário no post abaixo, reproduzo a seguir a entrevista que fiz com a pesquisadora Andrea Ormond. Ela mantém desde 2005 o blog Estranho Encontro, acesso obrigatório a quem deseja conhecer mais a fundo o cinema brasileiro nas suas mais variadas (e, muitas vezes, pouco reconhecidas) vertentes.

Como e em que circunstâncias nasceu o blog Estranho Encontro?
Quando paro para pensar, vejo que o Estranho Encontro nasceu lá pelo início dos anos 90. Nessa época, era praticamente impossível ter contato com o chamado cinema brasileiro não oficial. Não havia Canal Brasil, YouTube, redes P2P [de compartilhamento]. Era claustrofóbico. Na minha geração, muita coisa não foi questionada, até porque era impossível ter acesso às inúmeras vertentes da Boca do Lixo, por exemplo. Aí, quem se interessava por filmes brasileiros virava uma espécie de marginal, catando fita velha em locadora. Eu alugava os filmes e fazia fichinhas com comentários. O blog propriamente dito nasceu em 2005. Baseada em anos de pesquisa, havia escrito alguns pontos de vista críticos e resolvi disponibilizá-los. Fiz uma pequena divulgação e o número de visitas começou a crescer. Foi tomando uma proporção cada vez maior, pelo interesse, respeito e carinho dos leitores.

Antes de escrever no blog, você sentia falta de um pensamento crítico sobre o cinema brasileiro na Internet?
Como falei antes, era realmente claustrofóbico. E não se engane: ainda é. Não só na Internet, mas em quase tudo que é dito sobre a filmografia brasileira na imprensa. Evidente que nomes de um passado distante, como Rubem Biáfora e Salvyano Cavalcanti de Paiva, sabiam separar o joio do trigo e não apelavam para o óbvio, para os clichês. Mas, ainda assim, o fato é que, no mais das vezes, a crítica sempre tratou o cinema nacional como algo "exótico", exterior a ela. É quase esquizofrênico. Dessa forma, ficou muito fácil catalogar tudo sob a chancela do sexo, naquele velho discurso generalizante e ignorante. O erotismo comercial não foi o todo, mas uma vertente utilizada para conquistar público. E mesmo o sexo às vezes foi usado de maneira sublime, vide o Walter Hugo Khouri e alguns filmes do Carlos Reichenbach, ou mesmo do Jean Garrett. Para existir pensamento crítico, é preciso um horizonte mais amplo, entender o cinema nacional como uma coleção de momentos, de nomes, de possibilidades.

O que mais diferencia o Estranho Encontro é a atenção a filmes que tradicionalmente são deixados de lado no cinema brasileiro do passado, como pornochanchadas e fitas de gênero (policial, terror, aventura, comédia). A que se deve esse interesse pelo "extracampo" do nosso cinema?
Sempre me incomodou profundamente ver que apenas o cinemão oficial é tido por "pesquisável". O que não é cânone vira ridículo. Ora, impossível esquecer (para quem viu, pois muitos não veem e pensam que não existe) um filme como Ódio, dirigido pelo Carlo Mossy, um galã bobinho, que cometeu comédias esteticamente inferiores. Não se pode passar um rolo compressor sobre as trajetórias de tudo e de todos sem entender que existem idiossincrasias, momentos e detalhes em filmes que são incríveis. Outro exemplo é o da Marlene, a eterna rival da Emilinha Borba. Em 1982, ela protagoniza uma cena lésbica interessantíssima no Profissão Mulher, roteiro da escritora Márcia Denser. Como isso pode não ser pesquisado na memória antropológica brasileira?

O seu diretor predileto é Walter Hugo Khouri, que é pouco estudado na nossa cinematografia. O que lhe causa admiração no cinema dele?
A admiração pelo trabalho do Khouri se dá sob dois ângulos. Por um lado, o domínio da técnica, que não se resumiu à direção, mas se estendeu também ao roteiro, ao olhar da câmera, à erudição humanista. A maioria desses pseudo-intelectuais, cineastas ou não, que já criticaram iconoclasticamente o cinema do Khouri, o faz simplesmente por não entender o que existe ali por trás. Sim, estou chamando parte da crítica brasileira de burra. Burra e provinciana, porque acha que filme brasileiro tem que ter cangaceiro e saci-pererê. Sempre foi assim. Por outro lado, também me chama atenção, no Khouri, a constância ao longo de mais de 40 anos, filmando, apesar de todo o tipo de dificuldades impostas pela "intelligentsia". Analisando a firmeza de propósitos, o sentido de sua obra, chega a ser fácil entender que tenha concretizado tantos filmes em um ambiente totalmente adverso. Khouri tinha o que dizer, coisa rara.

E quais seus filmes preferidos dele?
Sem ordem de preferência, O Anjo da Noite, As Deusas, As Filhas do Fogo, Corpo Ardente, Noite Vazia e Palácio dos Anjos.

Certa vez você escreveu que o cinema paulista, principalmente os filmes feitos na Boca do Lixo, conta uma história do cinema bem diferente da que conhecemos no país. Que história seria essa?
O melhor momento da história do cinema brasileiro foi na Boca. É preciso avisar isso para a intelectualidade carioca, que nunca enxergou São Paulo como centro do cinema no Brasil. Lá tivemos a história de um cinema autossustentável, prolífico, uma indústria que apareceu onde ninguém esperava que surgisse algo de bom. Foi da Boca, por exemplo, que saiu a nossa Palma de Ouro em Cannes, O Pagador de Promessas, do Anselmo Duarte. Quer algo mais higienizado do que uma Palma de Ouro? Houve pornografia, sim, na Boca. Nos anos 80, ela foi levada ao extremo e destruiu a indústria que ali existia. Mas não houve apenas isso. Compreender a grandeza, diversidade e qualidade do cinema paulista é a chave que nos tira de um pensamento vitimizante e atrasado.

O cinema brasileiro pós-Retomada vive correndo atrás de público, enquanto, até os anos 80, era o público que vivia atrás do cinema brasileiro. O que mudou entre uma época e outra?
Fatores extra-cinematográficos têm pesado bastante. Há tempos atrás cunhei no blog a expressão "sociochanchada", que engloba, a meu ver, um espectro amplo de filmes. É a tal "mensagem social", leviana (porque força a barra de maneira tosca) e previsível (o roteiro obedece a um sentido ideológico politicamente correto, nunca artístico e criativo). Para piorar, não há risco para os produtores da forma que havia, digamos, nos anos 70. Eles não arcam dos próprios bolsos com o fracasso ou sucesso. Ganha-se muito dinheiro público, grande parte das vezes sem a transparência necessária na demonstração dos resultados. Isso, aliás, é tema para o Judiciário resolver.

O preço do ingresso pesa?
Persiste o fator econômico-financeiro, que está nos preços elevadíssimos das sessões de cinema. O assunto não deve ser esquecido, pois, se o filme fosse ruim, mas barato de ver, garanto que haveria margem maior para o acesso ao cinema. Fenômenos esporádicos como o Cidade de Deus ou Tropa de Elite não conseguem estabilizar a oferta e a demanda, nem manter um mercado sólido, por conta dessas variáveis todas. É necessária uma volta ao cinema popular brasileiro.

Como você caracteriza o cinema brasileiro de hoje?
Sobrevive de fenômenos esporádicos e incerteza de público. Os estúdios estrangeiros engoliram várias fatias do mercado interno, até porque matou-se um mecanismo de produção interessantíssimo como o da Boca. Enquanto for extraordinário fazer cinema, enquanto for rocambolesco, isso se perpetuará.

O cinema brasileiro de hoje te interessa? Se sim, o que, dentro dele?
Me interessa, sem dúvidas. O fato de eu remexer o passado tem um sentido, pragmaticamente falando: não existe presente, nem futuro, sem um passado. Existe um edifício muito maior, muito mais sólido, que diz a que veio o cinema brasileiro. Vibro com o Cheiro do Ralo, os filmes do Beto Brant, do Cláudio Assis, vejo-os como uma ventania de vida. Ainda me intriga, por outro lado, perceber que algumas coisas interessantes, como séries dirigidas por cineastas, fiquem restritas à TV a cabo. Aquelas séries da HBO são um exemplo disso. Por acreditar que a produção audiovisual brasileira sempre vale a pena é que eu escrevo.

* Entrevista originalmente publicada no jornal O Tempo, em 31.5.2009

** Foto: Maíra Coelho/JB

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Walter Hugo Khouri, 80


O cineasta brasileiro Walter Hugo Khouri faria hoje 80 anos de idade, caso não tivesse morrido em 27 de junho de 2003. A convite do Blog do Polvo, o pesquisador Adilson Marcelino, profundo admirador e conhecedor da obra de Khouri, escreveu o texto abaixo.

(Na foto acima, Khouri, à esquerda, dirige Ben Gazzara e Eva Grimaldi em Forever, filme de 1991)

A culpa é do Khouri
(por Adilson Marcelino)

Minha paixão pelo cinema brasileiro é tão absoluta que quase que abandonei o cinema estrangeiro por completo. Persigo uma meta quase insana, que é ver, e, muitas vezes rever, o maior número possível de filmes brasileiros em longa-metragem. E a culpa disso tudo é de um senhor que estaria completando 80 anos no dia 21 de outubro se vivo estivesse.

Estou falando de Walter Hugo Khouri, esse gênio do cinema nacional e dono de uma trajetória completamente singular na história do nosso cinema.

Muita gente gosta de dizer que Walter Hugo Khouri é o nosso Bergman ou o nosso Antonioni. Afora as genialidades dos cineastas sueco e italiano, sempre fico um pouco de bronca com esse tipo de comparação. Por que então não dizer que Bergman é o Khouri da Suécia e Antonioni o Khouri da Itália? Porque eles começaram antes? Porque eles são gênios do cinema mundial? Porque Khouri sempre deixou claras a admiração e a influência dos dois cineastas? Acho que é mais que isso, é um pouco a nossa eterna subordinação, como quando dizem que Paulo Autran é o nosso Lawrence Olivier, Joana Fomm é a nossa Bette Davis ou Roberto Carlos é o nosso Julio Iglesias.

Meu primeiro contato com o cinema de Khouri foi a partir de um trailler. Sim, um fragmento de “Eros, o Deus do Amor”, obra-prima do cineasta lançada em 1981. Tinha 17 anos e vi no antigo Cine Palladium, cinema de rua-mor de Belo Horizonte, o trailer de “Eros”. Fiquei estupefato. O trailer era um desfile de mulheres absolutamente maravilhosas circundadas por uma atmosfera sedutora, enigmática e de alta combustão.

Na época, nem sabia direito o que era cinema brasileiro, mas a partir desse trailer, e depois do filme assistido, nunca mais larguei o pé da nossa cinematografia. E, claro, vi quase todos os filmes de Khouri – menos “O Gigante de Pedra”, “Fronteiras do Inferno”, “Na Garganta do Diabo”, “A Ilha”, “O Anjo da Noite”, “O Desejo” e “Mônica e a Sereia do Rio”, de Maurício de Sousa, no qual Khouri fez as cenas ao vivo.

Meu primeiro trabalho como jornalista foi em 1991, em um jornal extinto de Contagem chamado Folha Popular. Eu tinha uma coluna de cinema, que durou até o final da publicação em 1993. Já no segundo número do jornal, criei uma seção de homenagem às atrizes do cinema brasileiro. E quem estava lá inaugurando as homenagens? Odete Lara, com direito à citação de seu trabalho em “Noite Vazia”.

Não preciso dizer também que foi esse impacto com “Eros” – e hoje compreendo isso mais claramente - que, além da coluna, inspirou-me a criar um fotolog e depois o meu site Mulheres do Cinema Brasileiro.

Aliás, quando criei uma sala no site para que homens do nosso cinema homenageassem as mulheres, queria dar o nome de Sala Walter Hugo Khouri. Mas aí o cineasta Carlos Reichenbach, eterno padrinho do site, aconselhou-me a dar o nome de Sala Lilíam Lemmertz, musa maior do cineasta, para que não ficasse estranho, já que todas as salas tinham nomes de mulheres. Carlão, inclusive, inaugurou a sala homenageando a atriz.

(Neste ano, o site fez cinco anos, e eu queria inaugurar novo design, mas ainda não consegui. Mas adianto que a sala será rebatizada de Sala Walter Hugo Khouri, e Lady Lemmertz, claro, batizará outra.)

Walter Hugo Khouri morreu no dia 27 de junho de 2003. Até hoje acho que o Brasil ainda não deu o devido valor e reconhecimento para seu maior cineasta, para mim, e com certeza um dos maiores para muita gente. Com sua morte, fiquei órfão de um cinema de alta estirpe e com infinitos signos ainda por serem decifrados. Ficaram órfãs também deusas absolutas como Monique Lafond, Selma Egrei, Nicole Puzzi, Patrícia Scalvi, Vera Fischer, Kate Hansen, Kate Lyra e etc etc etc.

25 anos sem Truffaut


François Truffaut
* 6 de fevereiro de 1932
+ 21 de outubro de 1984

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Polvo no CineBH

Pessoas,

convidamos a todos para a sessão de curtas HOJE às 18h30 na Mostra CineBH, Praça Santa Tereza. Haverá, dentre outros curtas muito bacanas, filme do polvo Leonardo Amaral.

Apareçam!

Equipe Filmes Polvo

Rosanna Schiaffino (1940-2009)

sábado, 17 de outubro de 2009

CineBH 2009 e polvos na Mostra!

A 3a Mostra CineBH começou na noite de 15 de Outubro e a Filmes Polvo esteve por lá. Hoje vocês poderão acompanhar nossa cobertura, já com os textos: Curtas Série 1 (Medo do Escuro, O Vampiro do Meio Dia, O Elétrico Jardim da Escuridão, Duas Fitas e Não me Deixe em Casa), Dia dos Pais e Os Famosos e os Duendes da Morte.

Gostaríamos de convidá-los para a sessão de Curtas Série 2 de hoje (18h30) no Cine-Tenda, pois teremos o prazer de prestigiar o polvo Gabriel Martins exibindo seu curta Filme de Sábado.

Abraços a todos,

Equipe Filmes Polvo

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Carta aberta aos responsáveis pela projeção digital no Brasil

O Fórum da Crítica, entidade virtual que reúne dezenas de profissionais da reflexão cinematográfica de todo o Brasil (e na qual diversos polvos estão incluídos), divulgou uma carta aberta em protesto à péssima qualidade das recentes projeções digitais no circuito de cinema brasileiro. Abaixo, segue reprodução integral do texto e, logo adiante, um link para quem quiser contribuir com o abaixo-assinado virtual, a ser encaminhado aos responsáveis.

CARTA ABERTA AOS RESPONSÁVEIS PELA
PROJEÇÃO DIGITAL NO BRASIL
A projeção digital chegou ao Brasil com a missão de democratizar o acesso aos filmes e libertar os distribuidores da dependência de cópias em 35 milímetros, cuja confecção e transporte são notoriamente caros. A instalação de projetores digitais permitiria ao público assistir a títulos que dificilmente seriam lançados nas condições tradicionais e ainda ofereceria condições para que espectadores situados longe do eixo Rio-São Paulo (onde se concentram quase 50% das salas de cinema do país) tivessem acesso aos mesmos títulos simultaneamente.

O que estamos vendo, no entanto, é uma total falta de respeito ao espectador no que se refere à exibição do filme propriamente dita. As razões são basicamente duas: projeções incapazes de reproduzir fielmente os padrões de cor e textura da obra e/ou projeções incapazes de exibir os filmes no formato em que foram originalmente concebidos. Sem falar no som, que muitas vezes ganha uma reprodução abafada, limitada ao canal central, muito diferente de seu desenho original.

A adoção da projeção digital pelos dois maiores festivais internacionais do Brasil (o Festival do Rio e a Mostra de São Paulo) e por outros festivais do país, infelizmente, não respeitou o que seriam critérios mínimos de qualidade de projeção de filmes em cinema – algo que é observado com atenção em qualquer festival internacional que se preze. Trata-se de uma situação particularmente alarmante tendo em vista o papel de formadores de plateia que esses eventos desempenham.

Sucessivamente, temos visto um autêntico massacre ao trabalho de cineastas, fotógrafos, diretores de arte, figurinistas, técnicos de som e até mesmo de atores. Apenas para citar um exemplo: Les herbes folles, o novo filme de Alain Resnais, originalmente concebido no formato 2:35:1, foi exibido no Festival do Rio, com projeção digital, no formato 1:78. Isso representou o corte da imagem em suas extremidades, resultando em enquadramentos arruinados, movimentos de câmera deformados e rostos dos atores cortados. Um pouco como se A santa ceia, de Leonardo Da Vinci, tivesse suas pontas decepadas, deixando alguns discípulos de Jesus fora de campo – e da história [compare abaixo]. Para completar o desrespeito, não há qualquer aviso em relação às condições de exibição, e o preço cobrado pelo ingresso não sofre qualquer alteração.

Santa Ceia como foi concebida (2:35:1)


Santa Ceia "reformatada" (1:78)

Não nos cabe, aqui, pregar a “volta ao 35mm” nem defender determinada resolução mínima para a projeção digital. Sabemos que, se respeitados determinados critérios técnicos – ou seja, se a empresa responsável pela projeção digital receber do distribuidor o master no formato adequado, se o processo de encodamento for feito corretamente e se os ajustes necessários para a exibição de cada filme forem realizados cuidadosamente –, a projeção digital pode ser uma experiência perfeitamente satisfatória para o espectador.

Não é isso, porém, que tem ocorrido. Exibidores, distribuidores e os fornecedores do serviço da projeção digital são responsáveis pela má qualidade da projeção e coniventes com esse lamentável descaso geral, que tem deixado críticos e amantes de cinema indignados. É um desrespeito ao cinema e aos seus criadores, mas, sobretudo, ao espectador e consumidor final, que saiu de casa e pagou ingresso para ver um filme.

A situação chegou a um ponto intolerável. Pedimos a todos os profissionais envolvidos com a projeção digital que tomem providências para que tais deformações não se repitam.

Quem quiser participar do abaixo-assinado por melhores condições da exibição digital, basta clicar aqui para participar da petição on line.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Cinearte e A Scena Muda totalmente digitalizadas

por Nísio Teixeira

Nunca é demais recordar...


As versões digitalizadas das revistas Cinearte e A Scena Muda, de crucial importância para a história do cinema e também do rádio brasileiros, podem ser folheadas graças a uma iniciativa da biblioteca Jenny Klabin Segall.

http://www.bjksdigital.museusegall.org.br/index.htm

Boa viagem!

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Um rosto e um corpo: Leonor Silveira








por Marcelo Miranda

Um rosto e um corpo emolduram o cinema de Manoel de Oliveira. Numa visão mais conjunta de seus filmes, como tem sido possível na mostra em Belo Horizonte, é perceptível o quanto da força no cinema deste português genial se deve à presença de Leonor Silveira.

Nascida no Porto há 39 anos, a atriz tem a vida misturada à carreira com Manoel: sua estreia no cinema se dá em 1986, em Os Canibais. O trabalho mais recente é Singularidades de uma Rapariga Loura, do mesmo diretor e lançado este ano. No meio, aproximadamente outros 15 filmes com Manoel, num período de 23 anos.

Em todos, por menor que seja, a presença de Leonor é radiante. Não apenas pela expressividade do rosto e dos gestos, mas pela força e sedução dos movimentos do corpo. Manoel poucas vezes a filmou sem roupas (se não me engano, apenas em A Divida Comédia), o que em nada diminui a sensualidade da atriz e o impacto que ela exerce ao surgir na tela. Cada gestual, olhar, virada de cabeça, um mínimo arfar, tudo passível de provocar uma hecatombe dentro e fora da tela.

Manoel deve pensar o mesmo. Ele sabe utilizar o talento de Leonor a favor do filme e dela própria. Atriz de recursos discretos, raramente aparece "superatuando". A voz branda, o sorriso raro, os olhos claros que parecem guardar o sentido do mundo, dão-lhe uma vida distinta a cada novo papel.

Vale Abraão talvez seja a súmula de Leonor Silveira sob as lentes de Manoel de Oliveira. Um momento da narração em off que molda o filme, reproduzido abaixo, refere-se à personagem Ema. As palavras, porém, são facilmente transferíveis para a própria Leonor.

Ema significava a extremidade de qualquer coisa.
A sua beleza constituía uma exuberância e, como tal, um perigo.



domingo, 4 de outubro de 2009

Mais Festival do Rio

O polvo João Toledo segue no Festival do Rio e já mandou diversos novos textos:

Bad Lieutenant (Werner Herzog)

As Praias de Agnés (Agnés Varda)

Maradona (Emir Kusturica)

Distrito 9 (Neil Blomkamp)

O Segredo dos seus Olhos (Juan José Campanella)

O Pai dos meus Filhos (Mia Hansen-Love)

Insolação (Daniela Thomas e Felipe Hirsch)

Leia estes e vários outros aqui.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Manoel de Oliveira: palavras faladas



por Marcelo Miranda

Quando se fala em Manoel de Oliveira, a tendência é destacar sua idade - ou, mais propriamente, a longevidade: o diretor português completa 101 anos no próximo dia 11 de dezembro. No caso de Manoel, a vida avançada em nada significa aposentadoria: ele acaba de lançar novo filme e já prepara um próximo, seguindo na carreira que já soma 30 longas-metragens e diversos curtas.

Um pouco da trajetória prolífica de Manoel de Oliveira vai ser atração do Cine Humberto Mauro, em Belo Horizonte, do dia 2 a 12 de outubro, quando 16 filmes vão se revezar na programação. Entre os filmes selecionados pela curadora da sala, Maria Chiaretti, alguns já foram divulgados - como Viagem ao Princípio do Mundo (1997), Vale Abraão (1993), Inquietude (1998), A Carta (1999) e Non, ou a Vã Glória de Mandar (1990). Há ainda "filmes-surpresa", que Maria prefere omitir, por conta de liberações ainda pendentes. Mas, a contar as disponibilidades de cópias, deduz-se que podem ser Meu Caso (1986), Amor de Perdição (1979) e mesmo Aniki Bobó (1942), primeiro longa do diretor.

Se existe o que defina o cinema de Manoel de Oliveira, três elementos podem ser elencados: o tempo, o espaço e, principalmente, a palavra. Para o filósofo e ensaísta mineiro Mateus Araújo, que conhece toda a obra do cineasta, Manoel se destaca por representar algo de muito renovador no que se conhece de cinema moderno. "A palavra, em Manoel, deixa de ser um elemento subalterno, auxiliar e subordinado à dramaturgia para se tornar soberana", destaca ele.

Além dessa valorização da palavra, Mateus enxerga os filmes de Manoel também como renovadores da relação do cinema com outras artes, em especial o teatro e a literatura. "Ele alargou o tipo de trabalho com essas artes. Se existia um repertório de formas no cinema em relação a elas, Manoel renova essas formas, otimizando e potencializando a unidade espacial, a cena e a visualidade", afirma.

Mateus se refere ao característico estilo de Manoel de Oliveira de valorizar planos longos e fixos, diálogos contínuos e movimentação limitada dos atores dentro do espaço. "Numa forma cinematográfica tão inversa à dinamização que se costuma ver num certo tipo de cinema, algo até então 'proibido' e 'injurioso' - o chamado teatro filmado - é feito por Manoel no sentido mais nobre e sofisticado possível."

Por todas essas características, Manoel de Oliveira não se enquadra em nenhum movimento estético invocado pela história mais tradicional do cinema - e nem mesmo em algum "não-movimento". Cinema clássico, com narrativa linear e acúmulo de situações para desembocar num clímax e numa conclusão? Não necessariamente. Cinema "novo", com câmera na mão, filmagens nas ruas, personagens errantes e reflexão sobre o "estar no mundo"? Bem longe disso. "O trabalho dele representa momentos avançados da pesquisa estética mais radical", exalta Mateus Araújo. "Até hoje ele propõe modelos e estratégias de ponta, e a regularidade com que isso ainda acontece é impressionante. Cada novo filme acumula novas escolhas, arriscadas e corajosas."

Para o estudioso, a maior obsessão artística do cineasta é o destino histórico de Portugal - tanto em filmes que lidam diretamente com essa temática quando outros que a tangenciam. "Há uma exploração vasta da história e da geografia do país." Em paralelo, os filmes trazem forte referencialidade cultural. "Há um panteão de índices da tradição e cultura ocidental, como Shakespeare, Flaubert, Dostoiévski, Wagner e Beckett", diz Mateus.

Carreira
"São duas coisas que, com a idade, a gente perde: o cabelo e a memória. É pena porque vai-se o cabelo e, junto, vai-se a memória." As palavras de Manoel de Oliveira, em entrevista ao crítico Leon Cakoff para um livro em sua homenagem (lançado pela Cosac Naify em 2005), não dão conta da força do próprio cineasta. Os cabelos podem ter ido (mas ainda existem). A memória, porém, não apenas insiste em ficar, mesmo à beira dos 101 anos de idade, como se reconfigura em matéria-prima para um cinema especial.

A relação de Manoel com a memória está presente desde seu primeiro trabalho no cinema, ainda que sem intenção. O curta-metragem Douro, Faina Fluvial (1931) - previsto para ser exibido na mostra no Cine Humberto Mauro - documenta imagens da região onde Manoel nasceu e cresceu. "Douro é um filme feito na força da minha juventude, e hoje vejo nele um retrato desse vigor", diz o cineasta, na conversa com Cakoff. Poucas linhas abaixo, ele define o que seria seu cinema atual: "Faço filmes muito meditados, e o concerto das ideias é fruto de uma meditação profunda sobre uma certa sabedoria ganha com a experiência e um refinamento que os anos vividos nos dão."

Para o filósofo Mateus Araújo, a obra significativa de Manoel começa, de fato, nos anos 60, com Acto de Primavera (1963), lançado quando Manoel estava com 55 anos. "[O diretor] É um continente inteiro, não tem seguidores conhecidos, nem mesmo em Portugal", diz Mateus, que, ainda assim, aponta os cineastas lusitanos Pedro Costa e João César Monteiro como tributários de Manoel.

É sintomático que Manoel de Oliveira tenha passado dos 100 anos com vigor inacreditavelmente jovem - basta olhar qualquer foto ou imagem sua registrada nos últimos dez anos. Afinal, o prestígio mundial do português só se consolidou em definitivo a partir de Os Canibais (1988), quando ele já completava 80 anos. A continuidade do trabalho, marcado por intermitências (entre 1943 e 1955, por exemplo, Manoel não filmou), apenas passou a existir em 1980, tendo o cineasta 72 anos. Dali em diante, fez a média de um filme por ano, incluindo alguns dos mais incensados da carreira: O Sapato de Cetim (1985) - com suas monumentais sete horas de duração -, Meu Caso (1986), A Divina Comédia (1991), Vale Abraão (1993), A Carta (1999), Um Filme Falado (2003) e Espelho Mágico (2005).

O mais recente, Singularidades de uma Rapariga Loura, adaptado de Eça de Queiroz, teve estreia mundial em fevereiro deste ano, no Festival de Berlim [leia texto do polvo João Toledo, que viu o filme no Festival do Rio, aqui]. O próximo, "O Estranho Caso de Angélica", está em produção e é definido pelo próprio Manoel como sendo "uma história sobre o amor metafísico, para além do bem e do mal".

* A foto do alto mostra Manoel de Oliveira, aos 99 anos, saudando plateia em Cannes, após receber troféu pelo conjunto da obra, em 2008

**Matéria originalmente publicada no jornal O TEMPO em 2 de outubro de 2009

"A Sombra da Forca", Joseph Losey, 1957


por Marcelo Miranda

Nas misteriosas primeiras imagens, vê-se - meio nas sombras, mas visível - o rosto do personagem-chave do filme. Só que, ao longo da narrativa, o espectador tende a apagar esse rosto da mente. Num certo momento adiante, o protagonista reconhece uma referência a determinada data, mas não consegue se lembrar de onde. A informação foi dada lá atrás, mas, de novo, o espectador talvez não consiga recuperá-la, ficando na mesma posição agoniada daquele protagonista.

É por meio de manipulações como essas que Joseph Losey torna A Sombra da Forca próximo do grandioso. Não só por elas, mas pela forma como trabalha a encenação e a composição dos planos, no intuito de provocar sentidos. Logo no início, há o encontro entre o filho, condenado à morte dali a 24 horas, e o pai alcoólatra, que só soube do destino trágico da prole naquele dia. Os dois conversam na prisão, separados por um vidro. Em plano e contraplano, vemos as expressões de ambos, já que o rosto de um é refletido no vidro quando a câmera foca o outro. E, sempre a espreitar, sob qualquer ponto de vista, estão os guardas do presídio, atentos a toda palavra ou movimento. Pronto: apenas com isso, Losey explicita o sufocamento propiciado pela autoridade e a inexorabilidade da derrota em cima daquele pai e daquele filho. O brilhantismo da simplicidade, como defendi aqui.

São de instantes como este - e de dezenas de outros mais, vários deles tendo espelhos e vidros como objetos fundamentais da composição - que A Sombra da Forca também se move. Trata-se de um filme labiríntico, que vai abrindo um punhado de portas a cada nova cena, a cada novo diálogo, enredando o espectador numa teia da qual ele não consegue sair. Ao fim - e que fim! -, tem-se verdadeira sentimento ambíguo: um imbróglio se resolve, outro se configura. O público não sabe se fica feliz/aliviado ou se desaba de desespero diante dos acontecimentos. E assim, Joseph Losey faz um filme arrasador.

A Sombra da Forca saiu em DVD no Brasil pela Lume Filmes.
Não deixe de ver.