quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Guerra ao Terror



por Marcelo Miranda

Deve ser um caso inédito no nosso circuito.

Guerra ao Terror, novo filme da diretora Kathryn Bigelow, estreou mundialmente no Festival de Veneza de 2008. Entrou em cartaz nos EUA em junho de 2009 e foi um fracasso (arrecadou apenas US$ 13 milhões). No Brasil, o filme teve os direitos de exibição comprados pela distribuidora Imagem. Temendo repetir no país o desempenho pífio de público nos EUA, a Imagem optou por lançar Guerra ao Terror diretamente em DVD, em abril deste ano.

Chega o fim de 2009. Começam a pipocar listas e mais listas de destaques. E lá está Guerra ao Terror em várias delas - inclusive na da prestigiosa Cahiers du Cinema, que encaixou o filme na sétima posição da sua relação de melhores títulos lançados na França. Na da igualmente poderosa Film Comment, o longa encabeça a lista. dos 20 melhores.

O trabalho também disputa três categorias do Globo de Ouro: filme dramático, direção e roteiro. Devemos agradecer por isso? Ao que parece, sim. A Imagem anunciou, na última semana de 2009, que vai lançar Guerra ao Terror nos cinemas brasileiros no dia 5 de fevereiro de 2010. Ironicamente, a justificativa para a mudança de posição segue novamente os humores norte-americanos, como fora na escolha inicial de relegar o filme somente às locadoras. Diz a assessoria da distribuidora: "Depois que vieram as indicações [ao Globo de Ouro], a empresa decidiu voltar atrás e relançar o filme nos cinemas".

O saldo, afinal, termina por ser positivo, ainda que derivado de um papelão. Melhor, porém, que a Playarte e os cortes de adequação à classificação etária feitos em Halloween - O Início, de Rob Zombie, também deste ano. A Imagem não assumiu o erro estratégico com Guerra ao Terror, mas a própria decisão de redefinir parâmetros é uma forma de se erguer do tropeço. A Playarte, ao contrário, não apenas se omitiu sobre a mutilação ao filme de Zombie, como ainda o explorou duplamente, ao lançar em DVD uma versão "sem cortes".

Enquanto isso, outra distribuidoria, a Europa, segue sem dar a menor satisfação sobre À Prova de Morte, filme de Quentin Tarantino de 2007. Redacted, o mais recente Brian DePalma (também de 2007), é outro a amargar o ostracismo brasileiro.

Como tudo às vezes parece um círculo sem fim, quem distribui(ria) Redacted por aqui é justamente a Imagem. Como o filme de De Palma não recebeu nenhuma indicação ao Globo de Ouro nem ao Oscar, seguimos sem vê-lo (ao menos pelas vias oficiais).

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Machados em riste

por Marcelo Miranda

O Iluminado (1980), de Stanley Kubrick




A Carruagem Fantasma
(1921), de Victor Sjöström

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Lykke Li

por Ursula Rösele

Lykke Li é uma cantora sueca de apenas 23 anos que eu descobri outro dia. Indie, cult pacas, a moçoila de nome sopa de letrinhas Li Lykke Timotej Zachrisson, até que tem uns clipes bacanas. Seguem dois abaixo: “Little Bit” e “Dance, Dance, Dance”. Clipe musical em blog de cinema? Não, não estou chamando os clipes de cinematográficos, apenas os cito por um visual bacana que, ao menos eu que não sou lá espectadora de videoclipes, achei interessantes. Divirtam-se ou me excomunguem.





segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O manual do Glamour Boy, por Humphrey Bogart



Por Nísio Teixeira





Novamente, ao folhear empoeiradas, mas sempre mui interessantes páginas da Revista Carioca, deparo-me, desta vez, com outra - no mínimo divertida - dica das estrelas de Hollywood aos leitores do semanário fluminense. No número 208, de 7 de outubro de 1939, Humphrey Bogart ensina, em três páginas (28, 60 e 61), os truques para se tornar um autêntico Glamour Boy, a partir da própria experiência. Aqui vão alguns trechos selecionados, procurando manter a grafia encontrada na revista. Após breve introdução, Bogie promete então "iniciar meus amigos no segredo da minha sedução pessoal":

"Primeira parte é a técnica da conquista, bastante profunda e complexa (...) O Glamour Boy deve ter ombros de atleta; pés de dansarino e imaginação de escritor das novelas folhetinescas. Os cabelos devem ser ondulados e uma mechinha deve estar sempre caindo sobre a testa, não importando o número de vezes que você passe o pente, atirando-a para trás. (...)

Uma cicatriz é indispensável. Arranje-a no queixo, na mão, no pescoço (...) e use então a imaginação do escritor de folhetins para lhe dar uma bela história (...) uma greve de operários (...) ou uma outra coisa qualquer em que haja ambiente perigoso. O que é, porém, indispensável (...) é você deixar transparecer que tem um mistério na vida. Nem a cicatriz será tão importante para você. Arranje o mistério de qualquer maneira, e deixe esse mistério boiar em seus olhos, dando-lhe um ar de sofrimento interior, que você procura em vão ocultar totalmente. É um sucesso absoluto esse mistério.

Recomendo muita discreção com perfumes. Use perfume caro e, por isso mesmo pode economizá-lo o mais possível. (...)

É um ótimo negócio para um Glamour Boy adquirir um sotaque estrangeiro. Pessoalmente uso o sotaque de Oxford, mas há quem prefira falar com acento espanhol (...) Será de um efeito surpreendente se você aprender a falar 'Eu te amo' em várias línguas. Faz parte do meu programa também. Tomem nota disso.

Um Glamour Boy deve ter um empregado que o serve há anos e anos e cujos pais já foram criados de seus pais. Conte alguma estória comovente a respeito da dedicação de seu criado quando tiver hóspedes em casa (nota: não tem importância nenhuma o fato do criado o servir apenas há uma semana ou ser alugado por horas...)

O banho do Glamour Boy nunca deve ser feito dentro de uma banheira confortável, com água morna jorrando sobre seus músculos privilegiados. O Glamour Boy perde noventa por cento do seu prestígio se confessar que toma banho na banheira. Só o chuveiro gelado, uma ducha fortíssima está de acordo com o seu espírito esportivo (...)

Sua roupa deve estar sempre meticulosamente limpa e passada. Pode fingir que não presta atenção nisso (...) É muito útil possuir um alfinete de gravata com uma pérola. Quando alguém se referir a ela faça um sorriso especial, como quem quer dizer que aquela pérola tem uma história (mas jamais faça referências á história. Pode ser que sua imaginação não seja tão boa assim).

Tenha em casa um licôr vindo da China, caviar da Rússia e outras novidades estrangeiras a que você se referirá da seguinte maneira:

- Ainda tenho aqui daquele licôr chinês...

Setenta por cento dos convidados completarão a frase, mentalmente: "que trouxe quando fiz minha última viagem ao oriente" (...)

As mulheres se dividem em vários grupos: as esportivas, as tímidas e sensíveis, as que já nascem donas-de-casa e as 'gran-finas'. Ás esportivas, você poderá impressionar tremendamente se as levar aos torneios de box, torcer pelo melhor club de football (o que elas applaudem) e mostrar-se campeão de nado ou remo. As tímidas ficam profundamente sensibilizadas quando são levadas a um teatro, assistem 'La Bohème' e recebem, com prazer, uma caixa de violetas. Para as donas de casa de nascença, mostre conhecer algumas regras de jardinagem e dê uma opinião qualquer sobre biscoitos ou cortinas. É tiro certo. Quanto ás 'gran-finas', nada melhor do que uma bela ceia num restaurante de luxo e uma palestra sobre Paris ou Londres.

Esses são os conselhos de um verdadeiro Glamour Boy. Leiam e meditem. Mas não meditem excessivamente, porque poderão perder o interesse..."

P.S.: Será que Woody Allen se inspirou aí quando colocou Bogie como conselheiro amoroso de seu personagem em Sonhos de um sedutor (Play it again, Sam/1972, dirigido por Herbert Ross) ?

Brittany Murphy (1977-2009)

sábado, 19 de dezembro de 2009

"Avatar": um grande engodo



por Marcelo Miranda


O tamanho da expectativa e a publicidade maciça em torno de um filme como Avatar o tornam praticamente à prova de críticas. Quem, afinal, vai querer refletir sobre o arrasa-quarteirão que não se pode deixar de ver, sob risco de ficar de fora das rodas de conversa das próximas semanas? Isso, claro, não isenta o filme de ser problematizado - apesar de boa parte da mídia (incluindo a brasileira) estar embarcando muito facilmente na viagem proposta por James Cameron, chegando a ponto de chamá-la de "o filme do século" e outras hipérboles tão alucinantes quanto o próprio filme.

O que parece ter sido deixado de lado é a percepção de que Avatar trata-se, basicamente, de uma grande aventura juvenil travestida de filme adulto filosófico. Não há problema nisso, essencialmente. A controvérsia se instala quando a massificação desse tipo de produto tapa os olhos dos espectadores, fazendo-os acreditar estar assistindo a algum projeto de cunho profundamente questionador sobre a falta de limites da ação humana contra a natureza - que é, afinal, do que trata Avatar.

Cameron desenvolve o filme da forma mais simplista possível. Nada surge na tela sem que o espectador já não esperasse. Não se fala, aqui, de previsibilidade. O que se tem em Avatar vai além: é um jeito de acumular acontecimentos e informações da forma mais cômoda e fechada que se possa imaginar. Nada, no filme, é minimamente desafiador ou passível de ser colocado em dúvida. Mesmo o conflito do protagonista (vivido meio por osmose pelo novo queridinho de Hollywood, Sam Worthington), que envolve traição, perda de valores e negação da própria raça, resolve-se menos no embate do personagem com suas dúvidas do que em definições previstas no roteiro. Tem-se pouco cinema para muito conteúdo sem substância.

Pode soar pecaminoso falar em "pouco cinema" num filme que eleva à perfeição o conceito de terceira dimensão. Assistir a Avatar com os óculos 3D é realmente estar dentro do mundo criado por Cameron. Só que existe um contraponto: a ostentação é tamanha, e as situações, tão próximas da repetição, que o risco de tédio é altíssimo. Pode-se encantar com as criaturas, as paisagens e as cenas de ação, mas a experiência vai se resumir bem mais ao visual puro e simples do que ao uso desse visual dentro da concepção do filme.

Avatar é um engodo e uma falácia. Finge-se de adulto para ser infantil - diferente, por exemplo, de animações recentes como Coraline e Up, que se fingem de infantis para serem também bastante adultas. A quem exige saber numa crítica se o filme é "bom" ou "ruim", deixemos claro: "ruim" o longa de Cameron não é. Mas esse tipo de veredicto está longe de ser tão absoluto e pontual.

Se o cinema deve ser enxergado como algo muito maior que a ideia de consumo ou da noção tão perpetrada de "blockbuster", então não basta pensar num filme nesses termos puramente qualitativos. O hype em torno de Avatar pode cegar nesse sentido. Que não se engane: o filme de Cameron não vai ficar.

Dan O'Bannon (1946-2009)

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

domingo, 13 de dezembro de 2009

Vá e veja

por Marcelo Miranda

Vá e Veja (1985), de Elem Klimov




O título do filme prescinde de se fazer qualquer recomendação.
Quem o assiste não sai incólume da experiência.


sábado, 12 de dezembro de 2009

Os Sete Pecados da mulher, segundo Mae West



Por Nísio Teixeira

Folheando empoeiradas páginas da Revista Carioca n. 10 (28 de dezembro de 1935) eu me deparo à página 21 com uma lista dos sete pecados da atriz, com o subtítulo: "pequenos defeitos que a loura perigosa aponta para criaturas do seu sexo", a saber (as grafias foram mantidas como encontradas na revista):

1 - Fazer o seu "make up" na mesa de jantar
2 - Perguntar a um homem onde esteve
3 - Fazel-o esperar
4 - Tratál-o como uma creança quando está desconsolado
5 - Não tratál-o assim, quando está doente
6 - Apparecer diante dele de qualquer maneira
7 - Falar-lhe acerca de outros homens

E aí?

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

"Atividade Paranormal" e Jorge Coli

por Marcelo Miranda

Às vezes desanima. Assisti no fim de semana a Atividade Paranormal, filme de terror de baixíssimo orçamento que virou fenômeno de bilheteria nos EUA. Bastante agradado com o resultado, chego em casa e busco alguns textos escritos sobre o filme, para saber como a crítica o recebeu. O que vem é um manancial de besteiras, quase todas focadas na "imagem ruim", na suposta "estética YouTube" e em comparações com A Bruxa de Blair, outro fenômeno, este dos anos 90.

De instigante, reflexivo ou minimamente sensível ao fato de Atividade Paranormal ser um objeto audiovisual, absolutamente nada escrito. Boa parte destes textos olha o filme por cima, tentando aplicar-lhe lições de "bom comportamento", como se sua existência fosse um atentado a um gosto estético pré-fabricado e passível de ser seguido a todo momento. Mais que isso: talvez por ter se transformado no tal fenômeno, ou pelas imagens captadas em vídeo de baixa definição, ou mesmo pela enésima utilização do recurso ao falso documentário, perde-se totalmente a compostura em olhar para o filme como algo minimamente relevante. Digo mais: perde-se o respeito pelo filme. É um tipo de crítica viciada, que "passa" pelo filme quase por obrigação e não tem nenhuma preocupação em pensá-lo, para o bem ou para o mal (não é preciso gostar dele - aliás, de filme algum. Mas é preciso enxergá-lo, de alguma forma, e demonstrar essa visão).

Mas eis que (de novo) Jorge Coli, historiador da arte e colunista do caderno Mais!, da Folha de S.Paulo, reconhece num filme dito "menor" algo que o instiga, transformando isso em palavras de muito sentido e sensibilidade. Como é característico de Coli no espaço onde escreve no jornal, o texto é curto, objetivo, coeso e pensa a arte num sentido amplo, sem jamais se colocar acima dela. O que torna Coli admirável - não apenas aqui, mas no geral - é a capacidade de se chocar com o objeto em questão, ser estimulado por ele e, dali, compartilhar as impressões com total desprendimento.

O texto de Coli sobre Atividade Paranormal saiu na semana passada. Reproduzo abaixo, na íntegra.

VELHOS MEDOS
por Jorge Coli

A volta de "A Bruxa de Blair" dez anos depois. É assim que "Atividade Paranormal", primeiro filme de Oren Peli, tem sido tratado nas críticas e comentários. O paralelo não é falso: baixo orçamento, tom de cinema "vérité", tema sobrenatural e aterrador, êxito enorme. Antes de "A Bruxa de Blair", poucos filmes tentaram, esporádicos, um jogo parecido; salvo erro, apenas três, e admiráveis: "Os Mil Olhos do Doutor Mabuse", de Fritz Lang, "A Tortura do Medo", de Michael Powell (ambos de 1960) e "Cannibal Holocaust", de Ruggero Deodato (1980).

As coisas mudaram, porém, nesta década. Câmeras de vídeo, primeiro em fita, depois digitais, oferecem liberdade e banalização que, naqueles velhos tempos, eram impensáveis. Ficaram menores e cômodas, com recursos complexos e captação mais fina, mesmo no escuro. Filmagens domésticas acostumaram os olhos com um não estilo que terminou por virar um, cheio de solavancos e acidentes. Os reality shows propagaram o voyeurismo. O YouTube demonstrou que o sucesso brota de bobagens inesperadas, divertidas, e não de sapientes imagens elaboradas.

Novas lentes
Em "Atividade Paranormal", a força provém da maneira desprevenida com que tudo é filmado pelos próprios personagens. Nada de explorações expressionistas, como em "A Bruxa de Blair".
Ao contrário, os momentos tensos se acentuam quando a câmera é abandonada a si mesma e registra, incansável, imóvel, a partir de um tripé. O tempo é controlado pelo marcador, à direita da tela, que acelera ou se acalma. Sons, situados fora do que é visível, acrescentam à verossimilhança sobrenatural.

O diretor sabe que nenhum fantasma é mais aterrador do que o imaginário. Assinala a presença sobrenatural por indícios apenas. Tudo se passa numa casa suburbana da Califórnia, moderna, bem iluminada, e não tem qualquer pingo de gótico.

Os atores que encarnam o casal Katie e Micah são jovens, desconhecidos, simpáticos e sem particular glamour: correspondem à verdade do cenário e dos personagens. Progressão paulatina do sobrenatural, minimalista por vezes: basta uma porta que se movimenta um pouquinho. Nenhuma cena é centrada na histeria. Ao contrário, Katie, sonambúlica, às vezes é tomada por imobilismo inquietante.

Passado
Na casa americana, num mundo que é o da banalidade contemporânea, "Atividade Paranormal" retoma inquietações antigas. Assim, o privilégio que as câmeras possuem de registrar o sobrenatural ocorreu muito cedo, com a fotografia, no século 19, captando ectoplasmas em sessões espíritas.

Desde a invenção dos gravadores de fita que muita gente partiu à caça de sons vindos do além. O tema das casas assombradas é velho como o romantismo, assim como o das mulheres possuídas por demônios ou espíritos.

A estrutura e o andamento da história são bem parecidos com os do conto "O Horla", obra-prima que Guy de Maupassant editou em 1886: nele, o fantasma vampiro vinha de São Paulo, no Brasil. O conto de Maupassant marcou a literatura de Lovecraft, gênio do terror indizível e invisível. "Atividade Paranormal" pertence a essa grande linhagem.

Rabicó
Durante dois anos, o filme de Oren Peli circulou em festivais e universidades americanas, antes de ser descoberto por distribuidores espertos. Ao ser enviado para as grandes salas, o final mudou para um desfecho mais explícito e bombástico, ao que parece, por sugestão de [Steven] Spielberg. A primeira versão, com um longo e desesperante passar do tempo, é muito melhor.

domingo, 6 de dezembro de 2009

Tony Vieira: operário do cinema

por Marcelo Miranda

Servente da Companhia de Cimento Itaú em meados dos anos 1960, no município mineiro de Contagem, o jovem Mauri de Oliveira Queiroz - vindo fazia não tanto tempo da pequena Dores do Indaiá, na região Oeste de Minas Gerais, onde nascera em 1938 - sentiu-se atraído por um show de calouros produzido pela empresa. Era um dos maiores divertimentos dos moradores da cidade: ver e se esbaldar com os artistas que se arriscavam a subir no palco do Cine Itaú. Mauri foi um desses. Com instintiva veia artística, que já o permitira integrar um circo e ser locutor de parque de diversões, o rapaz começou a fazer teatro amador. Logo chamou atenção de gente que podia lhe dar oportunidades. Foi o caso de José Sebastião Carneiro Filho. O apresentador do show de calouros da Itaú levou Toninho (apelido de Mauri) para trabalhar na extinta TV Itacolomi. Nas pequenas participações de novela, novamente se destacou.

A convite do ator Moacir Franco, foi tentar a sorte em São Paulo. Na metrópole, atuou em mais novelas e alguns seriados e filmes. Sua ânsia criativa quadruplicou. Brotava ali a lenda de Tony Vieira, figura ímpar da cinematografia popular brasileira e atualmente deixado de lado pela suposta "intelligentsia" que domina o pensamento filmográfico no país. "A intelectualidade sempre teve medo dos autodidatas como Tony", afirma o pesquisador paulista Matheus Trunk.

É bastante provável o leitor nunca ter ouvido falar em Tony Vieira. Muito menos em filmes como Gringo, o Último Matador, Traídas pelo Desejo, A Filha do Padre ou Desejo Proibido. Esses títulos - e diversos outros com a assinatura de Tony - levaram centenas de pessoas aos cinemas, entre os anos de 1972 e 1988. "Os filmes dele eram destinados a um público masculino, heterossexual, católico e conservador das grandes e pequenas cidades. Era o povão", enumera Matheus.




Por ser vinculada às produções "pobres" da Boca do Lixo (região paulista de forte efervescência cinematográfica no período), a obra de Tony Vieira foi desaparecendo dos registros e, consequentemente, da memória coletiva. "Sei de pessoas que viam filmes do Tony no interior da Bahia", destaca Matheus Trunk. "Aqui em São Paulo conheço o seu Pedro, um senhor idoso, catador de lixo. É fã do Tony e tem todos os filmes dele".

A obra de Tony Vieira é composta de 32 longas-metragens, muitos deles de gênero policial ou faroeste. A maioria é caracterizada pelo baixíssimo orçamento, excesso de criatividade e acúmulo de funções, com Tony sendo diretor, ator, produtor, argumentista, montador e compositor de trilha sonora. Não por menos, ele próprio se intitulava um operário do cinema.Nunca é tarde para trazer de volta o que não deveria ter sumido.

Desde o dia 11 de novembro, o Centro Cultural de Contagem abre espaço para a exposição "Tony Vieira - Cineasta de Contagem". Está à mostra vasto acervo de fotos, cartazes, figurinos, objetos de cena e textos relativos à trajetória do cineasta. A iniciativa veio da prefeitura local, no intuito de revalorizar a imagem de Tony. "Ele foi um realizador apaixonante justamente por ser um apaixonado pelo cinema", comenta a historiadora Carolina Dellamore, membro da Diretoria de Memória e Patrimônio da Secretaria de Educação e Cultura de Contagem.

Carolina conta ter existido, até alguns anos atrás, dois rumores na cidade a respeito de Tony Vieira. Um era de que ele tinha sido responsável por atrair milhares de pessoas para assistir aos seus impactantes filmes nos cinemas; o outro dava conta de que ele fora apenas um realizador de fitas pornográficas e nem merecia ter o nome vinculado a Contagem. "Sempre ficávamos na dúvida: qual era, afinal, o verdadeiro Tony?", conta ela.

Munida do faro histórico e da empolgação do jornalista Hytagiba Carneiro - que atuou em vários filmes de Tony e foi o responsável por guardar todo o seu acervo, após a morte do diretor em 1990 -, a equipe de Carolina conseguiu reconstituir os caminhos do realizador, inclusive confirmando que dois de seus trabalhos (Traídas pelo Desejo e Os Depravados) tinham cenas filmadas em Contagem. "É também uma forma de nos enxergar através da obra dele", afirma Carolina.




Carreira
Tony Vieira pode ter feito carreira num espaço conhecido como Boca do Lixo, mas conseguiu do bom e do melhor durante os anos de ouro na trajetória de realizador de cinema. "Sua produtora, a MQ Filmes, era bem grande, e o assédio dele junto ao público feminino era muito forte", conta o pesquisador Matheus Trunk, editor da revista eletrônica Zingu!. "O Tony ganhou bastante dinheiro com cinema. Gostava de bons carros e roupas de marca. Era bastante vaidoso e torcedor fanático do Atlético-MG".

Para o jornalista Rodrigo Pereira, estudioso do faroeste brasileiro (o chamado "western feijoada"), Tony Vieira foi talvez a figura mais próxima de ser uma verdadeira estrela dentro da estrutura precária da Boca. "Ele se aproximou de um ‘star system hollywoodiano’ a partir de um tipo de personagem que se confundia com o ator", diz Rodrigo. "Tony dizia que sua maior referência era o Charles Bronson. Quando diz isso, ele fala do Bronson que usava o cinema para interpretar aquele sujeito de bigode e cara de mau".

Rodrigo ainda relembra o trio que quase sempre protagonizou os filmes de Tony: ele próprio, como a figura central; a atriz Claudette Joubert, como a mulher apanhada no fogo cruzado dos conflitos em cena e quem garantia o erotismo dos filmes; e o ator Heitor Gaiotti, o parceiro engraçadinho.
Hytagiba Carneiro, 80, relembra com carinho e saudosismo a amizade e o trabalho com Tony Vieira. "Quando jovens, nossa distração era ir ao cinema", diz ele.

A primeira parceria da dupla foi em As Amantes de um Canalha (1977), no qual Hytagiba encarnava um perigoso bandido. Seguiram-se diversas outras participações em filmes de Tony. "Estive na metade da obra dele, aparecendo com mais destaque em Desejos Sexuais de Elza (1982) e O Último Cão de Guerra (1980), quando fui protagonista".



Quando a Boca do Lixo entrou em decadência, por conta da ascensão das fitas pornográficas em meados dos anos 1980, Tony Vieira ainda tentou se adequar ao novo esquema. Fez alguns pornôs, mas isso não foi suficiente para sua ânsia criativa. Hipocondríaco e adoentado, decidiu retornar a Contagem. Morreu na cidade em 1990, aos 52 anos, vítima de câncer.

Pouco antes, delegou ao amigo Hytagiba Carneiro a responsabilidade sobre sua obra - incluindo as latas contendo os negativos dos filmes. Mal armazenados na casa de Hytagiba, provocaram problemas respiratórios no ator. Ele mesmo transferiu os filmes para a Casa de Cultura Nair Mendes Moreira, em Contagem. Também em condições inadequadas, de novo mudaram de endereço: atualmente, os filmes estão preservados no Centro de Referência Audiovisual (Crav), em Belo Horizonte. As películas estavam em processo de deterioração, mas existe um projeto de restauração sendo desenvolvido.

*Reportagem publicada na edição de 22.11.2009 do jornal O Tempo

Manoel de Oliveira, (quase) 101

por Marcelo Miranda

Às vésperas de completar 101 anos (o aniversário é no próximo dia 11), o português Manoel de Oliveira esteve em Belo Horizonte há alguns dias. Veio receber o título de Dr. Honoris Causa da UFMG. Os polvos estiveram em massa para acompanhar a passagem do verdadeiro bom velhinho. Eu, em particular, estive também presente como repórter, o que me fez gerar a matéria reproduzida abaixo:



MANOEL, O GÊNIO LÉPIDO

Sob o olhar desconfiado de um segurança, o repórter e o fotógrafo do Magazine [caderno de cultura do jornal mineiro O Tempo] entram no camarim onde Manoel de Oliveira aguarda ser chamado ao palco. Num corredor meio escuro, o único facho de luz ilumina justamente o diretor, escondido perto da cortina. Trajando camisa amarela e com expressão de quem apenas espera seu nome ser anunciado ao microfone, Manoel é solícito ao ver aqueles dois jornalistas. Ao posar para fotografias, brinca: "Os espanhóis costumam perguntar: de pé, sentado ou deitado?". E sorri.

Assim, sempre lépido, que o cineasta português de quase 101 anos (a serem completados em 11 de dezembro) se apresentou à plateia que foi vê-lo e ouvi-lo no anfiteatro da reitoria da UFMG, na Pampulha. Ao entrar, foi aplaudido de pé. Gesticulou, quase constrangido, para que o público se sentasse. "Não sei por que as pessoas se levantaram. Talvez seja pela minha idade", brincou.

Manoel não é ingênuo. Sabe o fascínio e admiração que exerce em todos que tiveram contato com alguns de suas dezenas de filmes, numa obra ainda em andamento. O primeiro, o curta Douro, Faina Fluvial, data de 1931; o último, o longa Singularidades de uma Rapariga Loura, foi lançado este ano. E Manoel está em plena filmagem de mais um. Interrompeu o trabalho para vir a Belo Horizonte receber o título de Dr. Honoris Causa, atribuído a ele pela UFMG pela "contribuição relevante à educação, à ciência e à cultura", segundo palavras do reitor Ronaldo Tadeu Pena.

Antes de receber a comenda, Manoel de Oliveira participou da mesa redonda Palavra, Imagem, Utopia, composta pelo pesquisador Mateus Araújo e pelos professores César Guimarães e Aniello Avella. O encontro era parte do projeto Sentimentos do Mundo, coordenado pela professora Patrícia Kauark. Rodeado por esses intelectuais, Manoel manteve a pose educadamente irônica e debochada. Após ouvir de Mateus Araújo uma cuidadosa explanação sobre sua obra no cinema, o português disse: "Foi magnífico. E ainda me poupa de falar qualquer outra coisa". Novo sorriso.

Os inevitáveis comentários sobre a sua idade avançada receberam de Manoel retornos igualmente simpáticos: "Somos todos produtos da natureza. É ela quem manda, não nós". Demonstrando o costumeiro conhecimento profundo em cinema, literatura ("a expressão mais forte do ser humano", afirmou), teatro, filosofia e ciências, Manoel de Oliveira refletiu sobre uma série de aspectos da arte.

Perguntado de sua predileção por realizar filmes que dialogam com a obra de grandes escritores portugueses - Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, padre Antônio Vieira -, o cineasta culpou o acaso. "É ele quem escolhe nossos caminhos", garantiu. "Nunca tive verdadeiramente a intenção de filmar esses autores. Hoje consigo perceber um tipo de ordenação".

A respeito da profundidade atingida por seus filmes - dos quais ao menos Amor de Perdição (1979), O Dia do Desespero (1992) e Vale Abraão (1993) são verdadeiros patrimônios artísticos -, Manoel diz que tudo tem seu lado artificial. "A vida nunca é representada nos filmes tal como é. O que se representa são as convenções que nos guiam na vida".

O português acredita que a linguagem do cinema deve à técnica as suas constantes mudanças, mas o primordial foi plantado ainda no começo do século XX. "Tivemos o realismo dos Lumiére, a fantasia de (George) Meliés e o cômico de Max Linder. O cinema não precisa mais do que essas três coisas".

Livro. Mostrando o ecletismo e ampla visão, Manoel de Oliveira, ao final de seu discurso de agradecimento ao título da Dr. Honoris Causa da UFMG, citou o diretor canadense David Cronenberg, autor de, entre outros, A Mosca (1986), Videodrome (1983) e os recentes Marcas da Violência (2005) e Senhores do Crime (2008). Disse Manoel: “Como já afirmou Cronenberg, todo homem é um cientista louco, e a vida é seu laboratório”.

Foi só uma das várias citações do cineasta ao longo da participação no evento realizado na reitoria da UFMG. Pensadores, filósofos e cineastas permeiam as falas do português, incluindo anedotas – como uma envolvendo o diretor franco-suíço Jean-Luc Godard e um “cão amarelo”.

Segundo Patrícia Kauark, será produzido um livro sobre Manoel de Oliveira a partir desta sua visita. Devem constar na publicação, a ser editada pela própria UFMG, textos sobre os filmes do diretor, ensaios, filmografia atualizada e a íntegra de seu discurso proferido na universidade.

Atualmente, apenas um título relevante sobre o cineasta circula no mercado editorial brasileiro. Manoel de Oliveira, da editora CosacNaify, foi publicado em outubro de 2005 – o que já o deixa defasado pelo menos na relação de filmes, bastante ampliada nos últimos cinco anos.

“Tá bom? Se tá bom pra você, pra mim tá melhor”, disse Manoel, ao final de uma resposta de um professor. Sim, Manoel, assim está ótimo.

*Matéria publicada na edição de 28.11.2009 do jornal O Tempo
**A foto acima é de Diogo Domingues, fornecida pela UFMG

sábado, 21 de novembro de 2009

42º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro - atualizações

Novos textos de nossa cobertura do Festival de Brasília no ar: ”Filhos de João – Admirável Mundo Novo Baiano”, “Perdão, Mister Fiel”+ Curtas.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

42º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Dos dias 17 a 24 de Novembro o polvo Marcelo Miranda fará a cobertura do 42º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Acompanhem os textos aqui. Já no ar, “Lula, o Filho do Brasil’, de Fábio Barreto.

domingo, 15 de novembro de 2009

Joan Baez

por Marcelo Miranda

Em 1971, Ennio Morricone compôs uma música para a trilha sonora do drama Sacco & Vanzetti, história real de dois trabalhadores italianos anarquistas, presos injustamente nos anos 20, nos EUA, acusados de assassinato. Quem entoou a letra da música (que reproduz trechos de cartas escritas pelos acusados de dentro da prisão) foi Joan Baez, com toda a sua potência, melancolia e delicadeza.

Abaixo, um trecho de algum show de Joan no qual ela canta um pequeno pedaço da música (que, originalmente, tem mais de dez minutos, salvo engano).

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Em defesa do festival de curtas

por Marcelo Miranda

A classe audiovisual mineira está elaborando uma carta aberta, a ser encaminhada à imprensa e à Secretaria de Estado da Cultura, reivindicando várias medidas a favor da permanência do Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte.

O evento, cuja 11ª edição segue até amanhã, no Cine Humberto Mauro, sofre um impasse desde meados deste ano, quando correu risco de não ser realizado, por desentendimentos internos e dificuldades de captação de recursos. Numa reunião realizada na tarde da última terça-feira, um grupo de cineastas, produtores e representantes de entidades trocaram ideias (e várias farpas) a respeito da forma como a política audiovisual vem sendo desenvolvida em Minas Gerais.

Especificamente sobre o Festival de Curtas, a proposta é quase unânime: a Secretaria de Cultura, através da Fundação Clóvis Salgado (órgão estadual “dono” do festival), deve garantir financeiramente sua continuidade anual.

Para tanto, será proposta à Secretaria uma série de ações, entre elas a criação de um conselho consultivo para pensar o evento e a nomeação de um coordenador que assuma o festival e outras atividades ligadas a ele (como a itinerância dos filmes exibidos pelo interior do Estado).

Aguarde novidades aqui no blog. Enquanto isso, acompanhe nossa cobertura diária da 11ª edição do festival, bastando clicar aqui.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Brasil e Itália, por Pier Paolo Pasolini

Por Nísio Teixeira


O site do Instituto Moreira Salles divulga, na íntegra, texto de Pier Paolo Pasolini comentando a final da Copa do Mundo de 1970 entre Brasil e Itália. Para o cineasta italiano, o futebol de poesia brasileiro superou a prosa estetizante italiana. Leia mais no link abaixo:
http://ims.uol.com.br/Futebol_de_prosa_e_futebol_de_poesia_–_Pier_Paolo_Pasolini/D242

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

11º Festival Internacional de Curtas de BH - Atualizações

No ar em nossa cobertura do 11º Festival Internacional de Curtas de BH: Mostra Campo imperfeito – 1 e 3, Mostra Curtas Brasil 2008 – 1, Mostra Curtas Vila do Conde – 1, Mostra Festival Internacional de Cinema de Locarno – 1, Mostra Vanguardas e Neovanguardas – 1, O Vampiro da Cinemateca e Todos Mienten. Confiram!