quinta-feira, 19 de maio de 2011

A Von Trier, os holofotes


por Ursula Rösele

Entre os vários frissons de Cannes, ontem foi a vez de Lars Von Trier. A entrada não chegou ao belicismo como aconteceu em The Tree of Life, mas tivemos de chegar à fila umas 7h da manhã para um filme que começaria às 8h30.

Von Trier não passou perto do acinte que é Anticristo, mas segue deprimido e afeito à polêmica. Depois de responder a um jornalista que o perguntou de seu novo projeto, se haverá ou não um Wasington para finalizar a trilogia Dogville-Manderlay-?, respondeu que está escrevendo um roteiro para um filme pornô com Kirsten Dunst e Charlotte Gainsboroug que durará horas.

Levando-se em conta a besteira que disse em seguida, esta pode ser considerada uma brincadeira de fato engraçada e espirituosa do diretor. Quando o mediador solicitou que fosse feita a última pergunta uma jornalista pediu para Von Trier falar de sua origem alemã e em como isso influencia suas criações, visto a aura gótica de seu filme. Ele disparou:

“I really wanted to be a jew, and then I found that I was really a nazi. You know, because my family was german, which also gave me some pleasure. What can I say…I understand Hitler, but I think he did some wrong things, absolutely, but I can see him seating in his bunker at the end. I think I understand the man. He’s not what you would call a good guy, but I understand much about him, I sympathize with him a little bit. But come on, I’m not for the Second World War and I’m not against jews. I’m very much for jews, not so much cause Israelis are pretty much a pain in the ass, and how can I get out of this sentence? (…) Ok, I’m a nazi”*.

A direção de Cannes imediatamente enviou um e-mail à imprensa:

Press release

The Festival de Cannes was disturbed about the statements made by Lars von Trier in his press conference this morning in Cannes. Therefore the Festival asked him to provide an explanation for his comments.

The director states that he let himself be egged on by a provocation. He presents his apology.

The direction of the Festival acknowledges this and is passing on Lars von Trier’s apology. The Festival is adamant that it would never allow the event to become the forum for such pronouncements on such subjects.

***

Artistas não estão imunes à estupidez... haja vista Woody Allen ou Roman Polanski. Mas simpatia a Hitler não dá para engolir. Von Trier curte uma polêmica, ok, e há muitos por aí que estão afim de ouví-lo anunciar suas tradicionais baboseiras, mas achar que há espaço para tecer um elogio a Hitler totalmente fora de contexto é dureza. Dizem que ele mandou um e-mail se desculpando e afirmando ter caído em uma provocação.

Hoje pela manhã a diretoria de Cannes enviou outro e-mail à imprensa:

Statement from the Board of Directors of the Festival de Cannes

The Festival de Cannes provides artists from around the world with an exceptional forum to present their works and defend freedom of expression and creation. The Festival’s Board of Directors, which held an extraordinary meeting this Thursday 19 May 2011, profoundly regrets that this forum has been used by Lars Von Trier to express comments that are unacceptable, intolerable, and contrary to the ideals of humanity and generosity that preside over the very existence of the Festival.

The Board of Directors firmly condemns these comments and declares Lars Von Trier a persona non grata at the Festival de Cannes, with effect immediately.

***

Como passamos o dia todo vendo filmes e escrevendo, ainda não sabemos ao certo a quantas anda a repercussão disso aqui. Um diretor como ele, que recebe confetes por onde passa, acaba sendo perdoado por ser excêntrico, polêmico, conhecido por falar bobagens. E o complicado é que ao proferir tais absurdos, ele desvia os olhares para aquilo que deveria de fato ser discutido aqui: o seu próprio filme. Um tolo. E um artista que vem ganhando cada vez menos o meu respeito.

*"Eu de fato quis ser um judeu e então descobri que eu era mesmo um nazista. Você sabe, pelo fato de minha família ser alemã, algo que também me deu certo prazer. O que eu posso dizer...eu entendo Hitler, mas eu acho que ele fez algumas coisas erradas, absolutamente, mas eu posso vê-lo sentando em seu bunker ao final. Eu acho que entendo o cara. Ele não é o que se pode chamar um “bom rapaz”, mas eu o entendo bastante, eu simpatizo um pouco com ele. mas vamos lá, eu não sou a favor da Segunda Guerra Mundial e não sou contra os judeus. Sou muito afeito aos judeus, não tanto, porque os israelenses são um pé no saco, e como eu me livro desta frase? (...) Ok, sou um nazista". (tradução minha)

terça-feira, 17 de maio de 2011

Vladimir Carvalho fala sobre seu novo doc: Rock Brasília


Por Leo Cunha

Será só imaginação? Não, o documentário Rock Brasília, de Vladimir Carvalho, está em pós-produção e estréia no segundo semestre de 2011. No último sábado, 14 de maio, em Pirenópolis (GO), o cineasta conversou com o público sobre o novo projeto.

Vladimir foi à FliPiri (Festa Literária de Pirenópolis) para a sessão comentada do seu curta “Vila Boa de Goiaz”, de 1973, que registra a primeira vez em que a poeta Cora Coralina foi filmada. Cora foi a autora homenageada nesta terceira edição da charmosa festa literária promovida pela prefeitura da cidade, em parceria com a Ong Casa de Autores, de Brasília.

Após a sessão, Vladimir conversou com o público sobre o curta de 1973 e depois, muito empolgado, adiantou detalhes de Rock Brasília, que terá cerca de 1h 45 min, divididos principalmente entre 4 bandas: Legião Urbana, Plebe Rude, Capital Inicial e Paralamas do Sucesso. Esta última, apesar de não ser “natural” de Brasília, teve uma passagem marcante pela capital e estabeleceu uma relação de amizade com os integrantes das outras bandas.

Morador de Brasília há várias décadas e admirador confesso de Renato Russo (“o maior poeta do rock brasileiro”, em sua opinião), Vladimir gravou, desde o início da década de 1980, horas e horas de material com (e sobre) as bandas brasilienses. Ensaios, shows, festas e mesmo simples conversas, além de entrevistas com familiares (a cena com a mãe de Renato promete!). Algumas das imagens, explicou o diretor, datam de antes mesmo da formação das bandas retratadas, e foram filmadas sem que imaginasse que o material acabaria virando (este) documentário.

Vladimir contou que fez questão de assistir a todos os documentários recentes sobre roqueiros brasileiros (A vida até parece uma festa, sobre os Titãs, Herbert de perto, sobre os Paralamas, Guidable, sobre os Ratos de Porão, etc). Seu filme, porém, tem um perfil diferente, pois a produção não teve ligação com os membros de nenhuma das bandas. “Se bem que eu me sinto bem próximo dos grupos, já que sou amigo dos pais de muitos dos músicos”, salientou.

Para quem estranhar esta incursão do veterano diretor pelo mundo do rock and roll, vale lembrar que ele já esteve presente em outros filmes de Vladimir, como Barra 68 e Conterrâneos Velhos de Guerra. Mas no novo filme o rock vira protagonista e só não vai aparecer mais por questões financeiras, como explicou o cineasta: “para cada música que aparece no filme tivemos que pagar os direitos autorais correspondentes. E tem que ser assim mesmo, não tem outro jeito.”

Se alguém estiver se perguntando “até quando esperar” (como canta a Plebe Rude), vale lembrar que alguns teasers de Rock Brasília já estão disponíveis na Internet, por exemplo aqui e aqui.

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Allen em Cannes

Frisson absoluto, imprensa enlouquecida, filme delicioso. E texto de Midnight in Paris no ar, em nossa Cobertura (para entrar, clique aqui).




quarta-feira, 13 de abril de 2011

terça-feira, 29 de março de 2011

segunda-feira, 28 de março de 2011

"Vips", de Toniko Melo



por Marcelo Miranda

Assistindo a "Vips", é impossível não nos remetermos ao célebre ensaio de Paulo Emílio Sales Gomes (1916-1977) "Cinema – Trajetória no Subdesenvolvimento". Analisando o histórico da produção audiovisual brasileira de ficção, o crítico escreve: "Não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é".

"Vips" faria a alegria de um pensador como Paulo Emílio. É um filme corretamente realizado, de alta produção, assinada por Fernando Meirelles, e grife tipo exportação. É, acima de tudo, um filme que trabalha códigos de linguagem facilmente assimiláveis por um público viciado nos mesmos tipos de códigos estabelecidos nas produções de Hollywood frequentemente despejadas nas salas locais. Se você viu (e entendeu) obras como "Prenda-me se For Capaz", de Steven Spielberg, e "O Aviador", de Martin Scorsese, certamente vai entender (e gostar) de "Vips".

Deixando de lado a distinção evidente de mestres da narrativa como Spielberg e Scorsese em relação a "Vips", a diferença primordial é essencialmente no uso da língua. Leonardo Di Caprio (ator dos dois filmes citados) fala inglês; Wagner Moura, português. É uma experiência curiosa, a de "Vips". A trajetória do falsário interpretado por Moura é narrada de maneira razoavelmente fascinante, ainda que haja algumas derrapadas, especialmente na primeira parte (quando o filme parece não saber bem o que está, afinal, narrando) e numa certa ingenuidade psicológica das ações do protagonista.

A certa altura, quando a ação embala, "Vips" se assemelha cada vez mais com as matrizes, desde a forma de enquadrar e cortar de uma cena a outra, de inserir os coadjuvantes na trama e de concluir a história. Ao mesmo tempo em que nos remete a produções estrangeiras, "Vips" também mexe o tempo inteiro com o imaginário de qualquer um que se sinta instigado a encontrar, ali, alguma identidade.

De quem é o filme, afinal? Do diretor Toniko Melo? De Wagner Moura? De Meirelles? Talvez de todos, ou de nenhum. Em se tratando de um projeto sobre um vigarista que se caracteriza pelas mentiras pregadas ao longo da vida, chega a ser coerente que "Vips" não encontre, nunca, uma identidade própria.

Mas, antes de ser um procedimento intencional – o filme se leva a sério demais para aparentar minimamente estar fazendo troça ou ironia de sua própria concepção –, o que deve mover "Vips", de novo está no que Paulo Emílio escreveu no mesmo ensaio aqui já comentado: "A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro. O filme brasileiro participa do mecanismo e o altera através de nossa incompetência criativa em copiar".

quarta-feira, 23 de março de 2011

sábado, 19 de março de 2011

Edição 39 no ar!



Já está no ar a nova edição da revista eletrônica de cinema Filmes Polvo.

Confira as colunas:

Fade-out (Thiago Macedo): "Carlos", de Olivier Assayas

Story Line (Leo Cunha): "Cisne Negro" - Darren Aronofsky e a autodestruição

Cinetoscópio (Leo Amaral):
- Afinal, onde está o cinema brasileiro?
- A política da juventude: entre a utopia do caminho e a imagem utópica do pensamento singular

Fora de Quadro (Nísio Teixeira): Michel Brault (final) - "Les enfants de Néant" e "Les Ordres" em conexão com "Octobre", de Pierre Falardeau: jogos mortais de conformismo ou resistência

Plano Sequência (Gabriel Martins): Ficção, documentário, fissão - "Avenida Brasília Formosa" e "O céu sobre os ombros"

Raccord (Ursula Roesele):
- Entre o ego e a impaciência - sintomas de um cinema de desperdícios
- "Bravura Indômita" - releitura para a América de hoje

Corte Seco (João Toledo): "Lilian M: Relatório Confidencial"

Contra-Plongée (Marcelo Miranda): “Adam Resurrected”, ou “Adam – Memórias de uma Guerra” - a profissão de fé de Paul Schrader

terça-feira, 1 de março de 2011

O Oscar da escolha fácil



por Marcelo Miranda

Foi irônico e maldoso que Steven Spielberg fosse chamado para apresentar o prêmio de melhor filme na entrega do Oscar 2011, na noite do último domingo, em Los Angeles. Há 12 anos, o diretor competia com "O Resgate do Soldado Ryan" e perdeu para "Shakespeare Apaixonado", do britânico John Madden e produzido pelos irmãos Weinstein. Pois foi Spielberg quem entregou a estatueta justamente aos Weinstein, produtores de "O Discurso do Rei", o maior vitorioso da festa - e outra produção britânica de relevância duvidosa.

Quando o clipe dos dez indicados na categoria a melhor filme começou a ser apresentado, as cartas estavam dadas: close no rosto de Colin Firth, no papel do rei George VI, e a íntegra da fala do personagem à nação inglesa às vésperas da 2ª Guerra, ao mesmo tempo em que imagens dos outros nove títulos eram apresentadas. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood nunca fora tão pouco sutil.

Claro que a premiação a "O Discurso do Rei" era, como podemos definir, uma tragédia anunciada. Não apenas pelos inúmeros prêmios colhidos pelo filme nas semanas anteriores, mas especialmente pelo andar da festa do Oscar no domingo. Os troféus de roteiro, de ator (Firth) e de direção (Tom Hooper) davam a exata noção de que "A Rede Social", principal concorrente do filme inglês, estava sendo deixado para trás. O filme de David Fincher ganhou trilha sonora, montagem e roteiro adaptado.

A Academia, assim, deixou passar a oportunidade de premiar o filme mais significativo dentre todos os indicados. Não necessariamente o melhor, mas certamente o que mais representava um estado de espírito e de mundo na atual era da hiperinformação. A truncada saga de Mark Zuckerberg, criador do Facebook, reflete o espírito de uma geração e de toda a década passada.

"A Rede Social" leva essas questões não só à temática central do longa, mas à sua estética, fazendo do vai e vem dos depoimentos dos personagens espécies de hiperlinks impossíveis de serem totalmente conectados. Depois da provocação de premiar "Guerra ao Terror" no ano passado - filme controverso sobre a invasão norte-americana no Iraque -, os votantes da Academia decidiram ir pelo caminho mais fácil. "O Discurso do Rei" é inofensivo e inócuo e, por isso mesmo, certeiro na ânsia por não criar confusão com ninguém. Exalta-se o rei, e estamos todos conversados.

O restante da premiação também não guardou nada para além das previsões. Às vezes isso foi bom, como o pré-alardeado troféu a Natalie Portman por "Cisne Negro", cuja interpretação é quase unânime na apreciação do filme e a deixava realmente sem concorrência. Já o de ator para Colin Firth soou mais como adesão a uma quantidade considerável de troféus a "O Discurso do Rei" do que apenas pelo ator, indicado no ano passado pelo sutil trabalho em "Direito de Amar". Os coadjuvantes Melissa Leo e Christian Bale garantiram os únicos prêmios possíveis a "O Vencedor", também sem alarde.

E "Lixo Extraordinário", coprodução Brasil e Inglaterra, perdeu o Oscar de documentário para "Trabalho Interno", sobre a crise econômica nos EUA.

Vencedores mesmo.
Foi uma noite de glória a uma dupla tão discreta na presença física quanto indiscreta na campanha pelos filmes que faz. Os irmãos Bob e Harvey Weinstein confirmaram o notório faro a sucessos de premiação com a consagração de "O Discurso do Rei" na noite do último domingo.

Os Weinstein vinham de uma crise sem precedentes em suas trajetórias. Após anos de acertos, a última vez que emplacaram no Oscar fora nas premiações a "Chicago" (2002) e "O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei" (2003). E então, os dois entraram numa maré de confusões.

Primeiro, a tumultuada saída da Miramax, produtora onde eles tiveram significativa atuação entre o final dos anos 70 e meados dos anos 2000. "O Paciente Inglês", em 1996, foi o primeiro filme da grife deles a levar bateladas de prêmios da Academia de Hollywood. Em 2005, já fora da Miramax, vendida a um outro grupo, os irmãos fundaram a Weinstein Company. Mas isso não garantiu que evitassem a bancarrota. Eles acumularam prejuízos contínuos a ponto de fazê-los hipotecar 250 filmes de seu acervo para conseguirem se manter na indústria.

"O Discurso do Rei" foi uma cartada decisiva. Foram os Weinstein que sentiram o potencial de sucesso do filme de Tom Hooper e assumiram a produção executiva. Depois, mergulharam em pesada campanha de marketing e lobby ante os votantes das premiações norte-americanas.

Conhecidos pela forte sedução e benefícios, eles voltaram com tudo, emplacando "O Discurso do Rei" como o filme do ano no Oscar 2011. Pouca gente vai se lembrar do longa de Hooper daqui a uns poucos anos, mas certamente os Weinstein renascem fortalecidos graças a ele.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 1.3.2011

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Annie Girardot (1931-2011)



Mostra Inéditos em BH


Dos dias 21 de fevereiro a 22 de março o Cine Humberto Mauro promove a Mostra Inéditos em BH, com filmes que não entraram em cartaz na cidade. Em nossa área “Cobertura” (link aqui) vocês encontrarão textos dos filmes exibidos por lá. Confiram.

domingo, 27 de fevereiro de 2011

O Oscar do drama



por Marcelo Miranda

Antes de qualquer coisa, é melhor os brasileiros sossegarem o facho quando forem assistir à entrega do Oscar 2011 logo mais. Apesar de boa parte da mídia e os próprios realizadores estarem forçando para que "Lixo Extraordinário", de Lucy Walker, seja considerado um filme brasileiro concorrente a melhor documentário, trata-se de uma ilusão.

É notoriamente uma produção inglesa, feita em parceria com o Brasil, que entrou menos com a concepção artística e muito mais com aparato técnico e de infraestrutura. Ou seja, tecnicamente, o filme é mais brasileiro que britânico; essencialmente, é um filme da Inglaterra - e serão ingleses que deverão efetivamente levar a estatueta para casa, caso o longa seja escolhido hoje.

Dito isso, o que mais interessa na cerimônia a ser realizada em Los Angeles, no teatro Kodak, pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood? A 83ª edição do prêmio repete o que foi retomado no ano passado e coloca dez títulos na principal disputa, a de melhor filme. A estratégia serve principalmente para tentar alavancar a audiência da transmissão da festa na TV - quanto mais filmes no mata-mata, mais gente para torcer por seus favoritos.

A maior quantidade de competidores tira bastante da "coerência" das indicações que sempre marcou os votantes da academia, mas ainda é possível puxar alguns fios. A considerarmos a lista dos dez melhores de 2010, segundo a entidade, o que mais lhe chamou a atenção foram dramas absolutamente humanos - há, por exemplo, pouquíssimos filmes de toada mais fantasiosa, casos apenas de "A Origem" e "Toy Story 3", ambos azarões absolutos. Os demais passeiam pelos mais variados tipos de dramas, abarcando uma radiografia humana de crises, dores, dúvidas, derrotas, angústias, redenções e derrocadas.

Da trajetória amargamente vitoriosa do criador do Facebook em "A Rede Social" à melancólica saga de vingança e morte perpetrada por uma garotinha em "Bravura Indômita"; de mais uma garota em busca de algo - no caso, o pai - em "Inverno da Alma" a uma outra busca paterna, menos trágica, em "Minhas Mães e Meu Pai"; do mergulho no inferno das drogas que empaca a glória em "O Vencedor" até a superação de uma deficiência física em prol da nação mostrada em "O Discurso do Rei"; da solidão e do sacrifício ante a dor de "127 Horas" à jovem travada que luta contra as próprias barreiras psicológicas em "Cisne Negro".

Um outro elemento a ligar os dez filmes de alguma forma é que todos são sucessos de bilheteria nos EUA. Alguns são realmente campeões, justamente "Toy Story 3", com saldo de US$ 413 milhões, e "A Origem", com US$ 293 milhões. Outros são autênticos fenômenos, que, de custo baixo, funcionaram menos no marketing do que no boca a boca, casos de "Bravura Indômita" (US$ 164 milhões e ainda em cartaz), "O Discurso do Rei" (US$ 104 milhões, ainda em cartaz), "A Rede Social" (US$ 97 milhões) e "O Vencedor" (US$ 88 milhões).

A situação, portanto, é totalmente diferente se comparada ao ano passado, quando dois filmes opostos em quase tudo polarizaram o Oscar. De um lado, havia a megaprodução "Avatar", maior bilheteria da história do cinema; de outro, o independente "Guerra ao Terror", fracasso retumbante no contato com o público - e que acabou saindo glorificado da cerimônia, premiado em seis categorias, incluindo melhor filme, direção e roteiro original.

Apesar de "O Discurso do Rei" despontar como favoritíssimo hoje à noite - muito por conta de diversos outros prêmios vencidos pelo filme de Tom Hooper nas últimas semanas -, sempre há possibilidades de surpresa. Seus maiores adversários são "A Rede Social", também bastante premiado recentemente, incluindo o Globo de Ouro; "Cisne Negro", carregado em grande popularidade; e "Bravura Indômita", que, além de agradar a boa parte dos espectadores, tem colhido grande quantidade de críticas positivas. A categoria de direção, com cinco indicados, pode resolver ou reforçar escolhas da academia. Os votantes podem dar troféus alternados, por exemplo, a "O Discurso do Rei" e "A Rede Social".

Na disputa de ator e atriz, a barbada é quase sempre mais certa. Neste ano, só boas surpresas tiram o troféu de Natalie Portman, por "Cisne Negro", e de Colin Firth, que está em "O Discurso do Rei". O inglês, que em 2010 foi indicado pelo papel de um professor gay em "Direito de Amar", volta a disputar o prêmio com Jeff Bridges ("Bravura Indômita"), que o derrotou na interpretação de um cantor country em "Coração Louco".

Já Portman está num momento ideal de ser agraciada com o Oscar: jovem, talentosa, bonita, esforçada - ou seja, o típico exemplo de estrela que agrada a academia. Seu papel em "Cisne Negro" é uma semiunanimidade, muito maior do que o filme em si.

Nos coadjuvantes, Christian Bale está no topo das apostas com o boxeador em crise de "O Vencedor". O drama de David O. Russell compete com duas coadjuvantes (Melissa Leo e Amy Adams), que podem perder para Hailee Steinfeld ("Bravura Indômita").

Reflexões
Não são apenas os vários prêmios agraciados anteriormente a "O Discurso do Rei" que o credenciam como o maior favorito ao Oscar de melhor filme hoje à noite. Do alto de suas 12 indicações, o longa-metragem de Tom Hooper pode ser uma espécie de alívio diante da desilusão que se abateu na indústria no ano passado com a derrota de "Avatar".

Numa avaliação um pouco mais sociológica, a história de superação narrada no filme pode representar, também, um olhar mais positivo da academia para o cinema e para o mundo.

Faz algum sentido se tirarmos de exemplo a alternância dos vencedores nos últimos anos. Em 2010, "Guerra ao Terror" mostrou um personagem viciado em desarmar bombas, que abria mão de estar com a esposa e com o filho para ir ao front de batalha – visão nada utópica da constituição familiar.

Em 2009, "Quem Quer Ser um Milionário?" partia da pobreza indiana, com seus esgotos a céu aberto (e garotos banhados em fezes), para a vitória num jogo de TV e a dança redentora que unia a todos – otimismo em alta.

Um ano antes, "Onde os Fracos não Têm Vez", dos mesmos irmãos Coen que neste ano disputam com "Bravura Indômita", apresentava o mundo brutal do interior norte-americano, marcado pela desilusão e niilismo surgidos a partir de uma mala de dinheiro.

Nesse vai e vém, estaria na hora de algo mais positivo. "O Discurso do Rei" se encaixa à perfeição, tanto mais por ser uma produção britânica. Afinal, como se sabe, sempre soa simpático por parte da academia premiar trabalhos da Inglaterra, mais ainda se são filmes com olhar carinhoso para a Coroa – vide "A Rainha", concorrente forte em 2007 e que deu prêmio de atriz a Helen Mirren, interpretando a monarca Elizabeth II. Curiosamente, "O Discurso do Rei" trata da ascensão de George VI, pai de Elizabeth II.

O mais interessante será se a academia realmente surpreender e escolher outro para a categoria de melhor filme. Nessa hipótese, todas essas ponderações deverão ser reorganizadas.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 27.2.2011

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Peões




por Ursula Rösele

Post de certa maneira tardio sobre a última sequência de Peões (2004), em que Coutinho conversa com um operário que conta do período das greves no ABC paulista e em determinado momento olha nos olhos de Coutinho e pergunta: "o senhor também é peão?"; ao passo que o diretor fica em silêncio, o cinegrafista mantém a câmera ligada e vemos um dos instantes mais políticos do cinema nacional.

Em uma imagem apenas, temos escancarada na tela a distância entre aquelas duas pessoas. A ideia de um documentário que revelaria os incômodos daquele homem diante das circunstâncias políticas que haviam levado o Lula ao segundo turno das eleições de 2002, mas que acaba por registrar uma impossibilidade social. Se Coutinho não é peão, ele jamais poderá entender um peão. Isso tudo ali, em poucos segundos.

Esta cena vale o filme inteiro.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Ethan e Joel Coen

por Ursula Rösele



Ajuste Final (1990)



Barton Fink (1991)



Fargo (1996)



E Aí Meu Irmão, Cadê Você? (2000)



O Homem Que Não Estava Lá (2001)



Onde os Fracos Não Têm Vez (2007)



Bravura Indômita (2010)



Definitivamente são os “Midas da atuação”: tudo o que tocam vira ouro.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

"Girimunho", de Helvécio Marins e Clarissa Campolina



por Marcelo Miranda

No característico vocabulário do interior mineiro, girimunho é entendido como um pequeno redemoinho. A palavra pode ser aplicada tanto ao enredo do primeiro longa-metragem da dupla Helvécio Marins e Clarissa Campolina quanto à própria experiência de ambos na realização de um projeto acalentado há anos.

Depois de sete anos decorridos entre a ideia e a concretização, de 2011 não passa. Em montagem e finalização, "Girimunho" tem previsão de estar pronto nos próximos meses. Já pleiteia exibição em alguns festivais - por enquanto, sigilosos, com toda a discrição também tipicamente mineira.

Isso nem é o mais importante a Helvécio e Clarissa. Ambos estão muito mais atentos a ajustar os cortes do filme. O repórter do Magazine esteve, com exclusividade, na ilha de edição onde os dois têm se debruçado com a montadora carioca Marina Meliande para transformar as imagens brutas filmadas no pequeno município de São Romão, no Norte de Minas (521 Km de Belo Horizonte), em narrativa.

Pode parecer estranho falar em "narrativa" a quem conhece os trabalhos de Helvécio e Clarissa. Juntos, fizeram o curta "Trecho" (2006), premiado no Festival de Brasília; sozinhos na direção, ele fez "Nascente" (2005), e ela, "Notas Flanantes" (2009). Em todos, há rarefação, fragmentos, tempo aberto.

"Girimunho" será isso também, desta vez com "curva dramática", como frisa Helvécio Marins. "Tudo que está no filme é baseado na vida das personagens, que interpretam elas mesmas em situações reconstruídas por um roteiro que a gente tinha", explica Clarissa.

O script do carioca Felipe Bragança (também roteirista em "O Céu de Suely" e "No Meu Lugar") transita pelo universo de Maria Sebastiana, a Bastu, e de Maria do Boi. Senhoras em seus 83 anos de idade, moradoras de São Romão desde sempre, elas serviram de inspiração e motivação para Helvécio e Clarissa prepararem um filme protagonizado por elas mesmas.

Bastu e Maria do Boi não podiam ser mais diferentes. Para Helvécio, a primeira é a doçura em forma de gente. "Ela é uma contadora de histórias sem saber que é, pois conta de um jeito mágico, com toques surreais, que te fazem acreditar em tudo, por mais fantástico que seja".

Bastu, viúva do ferreiro da cidade, facilitou o trabalho da dupla. Bem diferente de Maria do Boi, de personalidade mais arredia. "Ela é uma batuqueira de tambor ancestral africano, autêntica mestre dos mestres", exalta Helvécio. Ele e Clarissa tiveram dificuldades em convencer Maria a fazer o que queriam para o filme. Clarissa diz: "Ela tem integridade e respeito pelas raízes, e isso é muito comovente. Mesmo sisuda, é uma figura doce. Esses contrastes a fazem misteriosa e especial".


Helvécio e Clarissa em foto de Lis Kogan

O girimunho que vai colocar as duas personagens em contato direto é a morte de Feliciano, marido de Bastu. "A partir desse acontecimento, a gente tenta acompanhar a forma como as duas se relacionam com o mundo e como a Bastu vai se reencontrar e se recolocar no ambiente, agora, sem o marido", adianta Clarissa. "A Maria do Boi entra no filme quase como uma entidade. A Bastu se movimenta, faz a história andar, mas a Maria sabe de tudo".

O choque se dará na relação com as novas gerações, encarnadas pelos jovens mostrados no filme - em especial no caso de Maria, que, temendo não ter a quem deixar seu legado, busca herdeiros para a tradição do batuque e da memória africana.

Aprendizados.
"Mentira eu não falo. Não vou fazer isso". A firmeza de Maria do Boi nessa frase permeou vários dos momentos de impasse na realização de "Girimunho", em São Romão. Mesmo os diretores explicando à batuqueira que se tratava de uma cena reencenada pela ficção, a intérprete de si mesma não abria mão de suas convicções.

"A gente podia até tentar passar uma conversa nela, mas nunca funcionava", conta o diretor Helvécio Marins. "A Maria é muito, muito inteligente, ainda que diga ser ‘analfabética’".
O jeito era ele e Clarissa Campolina rearranjarem o roteiro de modo a inserir situações nas quais Maria do Boi se sentisse à vontade de interpretar.

"Acho que, no fim, todas as mudanças foram para melhor", acredita Clarissa. "Tínhamos que ter o olhar para o que era mais potente dentro daquilo que tanto a Maria quanto a Bastu queriam nos oferecer".

A diretora conta que, por mais completo que estivesse o roteiro, na hora de filmar, a situação podia mudar. "A gente preparou a história do filme a partir do que elas nos contaram. Mas, quando você vai para o processo da filmagem, a forma como elas querem se mostrar diante da câmera é modificada. E era mais interessante a gente se abrir ao que acontecia fora do roteiro do que tentar forçar e direcionar o trabalho delas".

As locações foram as casas de Bastu e Maria do Boi, em São Romão, às margens do rio São Francisco, onde a dupla de cineastas morou por dois meses. O período permitiu que o filme brotasse devagar, no tempo das próprias personagens.

O Magazine assistiu a quatro cenas já montadas de "Girimunho". Nelas, é possível sentir o tom afetivo que Helvécio e Clarissa imprimem ao filme, numa construção cuidadosa de ambientação, com atores/personagens compondo o quadro em harmonia com o espaço.

Numa das cenas, Bastu fala sobre a perda do marido; em outra, Maria do Boi comanda uma grande festa noturna, na qual o som dos batuques promete ser um dos grandes atrativos do filme numa projeção em cinema - e o trabalho da dupla mineira O Grivo na edição sonora deve garantir ainda mais a qualidade.

A experiência de transitar do curta e média-metragem para um longa apenas somou à visão de trabalho e de vida da dupla de cineastas. "Sempre aprendo muito fazendo filmes", constata Helvécio Marins. "Muita gente me cobrava um filme longo. Eu nunca fiz porque não me preocupo com formatos".

Por sua vez, Clarissa Campolina concorda que o aprendizado é o maior ganho do processo. "Sinto que crescemos bastante fazendo esse filme, não apenas em relação ao trabalho, mas a nós mesmos".

*Matéria publicada no jornal O TEMPO em 6.2.2011

O Discurso do Rei



por Marcelo Miranda

Haveria uma grande chance de “O Discurso do Rei” passar incólume pelo circuito de exibição se não tivesse 12 indicações ao Oscar. É daqueles casos em que se percebe o quanto uma significativa parcela do público pauta suas escolhas do que ver pela premiação de Hollywood.

Isso porque “O Discurso do Rei” é um filme que não nos diz nada. Quer dizer, há ali a reconstituição da ascensão do duque de York ao reinado da Inglaterra, tornando-se George IV e liderando a nação rumo à Segunda Guerra Mundial. O centro do filme é a deficiência sofrida pelo personagem: gago devido a inseguranças de infância, o duque procura a ajuda de um “terapeuta da fala” para conseguir dar conta do problema.

Para além do simplismo de reduzir o destino de um império a uma gagueira, “O Discurso do Rei” faz a mais básica hagiografia do protagonista. O duque é sempre mostrado de maneira solene e condescendente – mesmo num arroubo de arrogância, logo ele trata de pedir desculpas.

Sob outra ótica, este poderia muito bem ser classificado como um filme de propaganda, feito para exaltar um regime de governo e a imagem do chefe nacional. Como estamos falando da Grã-Bretanha, e como estamos falando de um trabalho cujo valor histórico está em apenas recontar o que convém à sua “mensagem” exaltativa, voltamos à pergunta inicial: a que nos interessa?

A direção de Tom Hooper é daquela sobriedade automática, com nada fora do lugar. Colin Firth tem interpretação bastante forte – mas desde quando isso é novidade (ao menos a quem acompanha os bons trabalhos do ator britânico)?

A questão vai além de “O Discurso do Rei” ser bom ou não, mas, sim, o quanto um filme como esses ganha holofotes pelos motivos errados – a saber, o excesso de indicações a uma premiação notadamente comprometida com outros aspectos que não os artísticos.

Compra o discurso quem quer.

Cisne Negro



por Marcelo Miranda

Depois de dois filmes chiliquentos ("Pi" e "Réquiem para um Sonho") e um tropeço escandaloso ("A Fonte da Vida"), o diretor Darren Aronofsky colocou o pé no chão e fez um dos trabalhos mais intensos do cinema norte-americano nos últimos anos. "O Lutador" (2008), que venceu o Leão de Ouro do Festival de Veneza, tinha no corpo e no rosto de Mickey Rourke a maior parte de sua força, e Aronofsky soube aproveitar isso.

Ele faz o mesmo em "Cisne Negro", seu novo trabalho. Desta vez, o corpo e o rosto são de Natalie Portman, já uma papa-prêmios por sua interpretação (que deve lhe dar o Oscar). Ela faz a jovem e inocente bailarina Nina, cujo grande sonho é ser a protagonista de uma nova versão para "O Lago dos Cisnes".

Após conseguir o papel, Nina entra numa espiral de situações estranhas, envolvendo uma rival, sua antecessora e, especialmente, sua própria personalidade conflitante.

Aronofsky faz aqui uma mistura do histrionismo de "Réquiem para um Sonho" com a fluidez e sobriedade de "O Lutador". O filme é claramente dividido em duas partes, sendo a primeira o processo de adequação de Nina e a segunda, o impacto desse mesmo processo.

Se há algo a chamar a atenção em "Cisne Negro" é a despreocupação de Aronofsky em criar uma "trama". Há Nina às voltas com as estranhezas ao redor, e nada mais que isso. É corajoso para um filme de clara busca por mercado, o que não significa que seja um procedimento sempre bem-sucedido.

Ao mesmo tempo em que tateia em busca do que pode causar choque à imagem, Aronofsky também escorrega para o inócuo, tornando "Cisne Negro" algo esquizofrênico. A entrega de Portman ao papel - de maneira física e psicológica - torna-se o maior atrativo do filme.