segunda-feira, 28 de março de 2011

"Vips", de Toniko Melo



por Marcelo Miranda

Assistindo a "Vips", é impossível não nos remetermos ao célebre ensaio de Paulo Emílio Sales Gomes (1916-1977) "Cinema – Trajetória no Subdesenvolvimento". Analisando o histórico da produção audiovisual brasileira de ficção, o crítico escreve: "Não somos europeus nem americanos do norte, mas destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é".

"Vips" faria a alegria de um pensador como Paulo Emílio. É um filme corretamente realizado, de alta produção, assinada por Fernando Meirelles, e grife tipo exportação. É, acima de tudo, um filme que trabalha códigos de linguagem facilmente assimiláveis por um público viciado nos mesmos tipos de códigos estabelecidos nas produções de Hollywood frequentemente despejadas nas salas locais. Se você viu (e entendeu) obras como "Prenda-me se For Capaz", de Steven Spielberg, e "O Aviador", de Martin Scorsese, certamente vai entender (e gostar) de "Vips".

Deixando de lado a distinção evidente de mestres da narrativa como Spielberg e Scorsese em relação a "Vips", a diferença primordial é essencialmente no uso da língua. Leonardo Di Caprio (ator dos dois filmes citados) fala inglês; Wagner Moura, português. É uma experiência curiosa, a de "Vips". A trajetória do falsário interpretado por Moura é narrada de maneira razoavelmente fascinante, ainda que haja algumas derrapadas, especialmente na primeira parte (quando o filme parece não saber bem o que está, afinal, narrando) e numa certa ingenuidade psicológica das ações do protagonista.

A certa altura, quando a ação embala, "Vips" se assemelha cada vez mais com as matrizes, desde a forma de enquadrar e cortar de uma cena a outra, de inserir os coadjuvantes na trama e de concluir a história. Ao mesmo tempo em que nos remete a produções estrangeiras, "Vips" também mexe o tempo inteiro com o imaginário de qualquer um que se sinta instigado a encontrar, ali, alguma identidade.

De quem é o filme, afinal? Do diretor Toniko Melo? De Wagner Moura? De Meirelles? Talvez de todos, ou de nenhum. Em se tratando de um projeto sobre um vigarista que se caracteriza pelas mentiras pregadas ao longo da vida, chega a ser coerente que "Vips" não encontre, nunca, uma identidade própria.

Mas, antes de ser um procedimento intencional – o filme se leva a sério demais para aparentar minimamente estar fazendo troça ou ironia de sua própria concepção –, o que deve mover "Vips", de novo está no que Paulo Emílio escreveu no mesmo ensaio aqui já comentado: "A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro. O filme brasileiro participa do mecanismo e o altera através de nossa incompetência criativa em copiar".

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