terça-feira, 18 de agosto de 2009

"Tempos de Paz", de Daniel Filho



por Marcelo Miranda

Daniel Filho vem tentando a média de um filme por ano, sempre variando entre um trabalho "sério" e um trabalho cômico. Este 2009 vai marcar a chegada de duas produções sob sua direção - obviamente uma comédia (Se Eu Fosse Você 2) e um drama, Tempos de Paz.

Talvez para dar credibilidade a si mesmo enquanto artista criador, Daniel leva ao pé da letra a noção de que deve entregar um filme "sério". Tempos de Paz, fora alguns momentos de humor proporcionados pelo choque cultural entre os dois protagonistas, busca a cada fotograma soar importante, relevante e admirável, numa clara tentativa do cineasta de se garantir perante aqueles que apontam e fazem joça de seu jeito atabalhoado de dirigir.

Aqui, estamos no território da recriação teatral. A matéria-prima do filme - a peça Novas Diretrizes em Tempos de Paz, de Bosco Brasil - é sentida logo nos primeiros minutos. O que se verá é o embate solitário entre dois homens: um oficial de controle de imigrantes no Brasil imediatamente pós-Segunda Guerra Mundial (Tony Ramos) e um ator polonês que vem tentar ganhar a vida no país (Dan Stulbach).

Cada um tem motivos particulares para vencer um ao outro, num conflito que toma praticamente todo o tempo da sucinta projeção (80 minutos). O filme consiste basicamente no que poderíamos chamar de "duelo de interpretações", em que Ramos e Stulbach parecem disputar quem é o mais expressivo diante dos papéis que defendem (alguém poderia falar em qual seria o mais afetado, e isso vai depender de como se olha para a interpretação de cada ator).

Na ânsia por se manter fiel à peça, Daniel Filho deixa que a ação ocorra em praticamente um único cenário. É então que são percebidas suas limitações como encenador de cinema. A câmera parece pouco à vontade para transitar naquele espaço pré-definido, o que faz com que o filme recorra menos ao uso da cenografia como fator de expressividade do que à montagem de plano e contraplano como diluição da narrativa.

O galpão onde ocorre o drama, com todas as potencialidades espaciais, serve, para o cinema de Daniel, como uma sala de jantar ou café da manhã serviria a um diálogo de telenovela também sob sua direção - o que, com o passar dos minutos, tende a tornar a experiência de ver o filme em algo aborrecido. Se Tempos de Paz ainda consegue prender a atenção, muito se deve ao texto poderoso de Bosco Brasil, com suas questões políticas, históricas, afetivas e artísticas, em meio àquela tensão claustrofóbica prestes a explodir.

O grande mote da peça, ao fim, é a exaltação da figura do ator e da força e importância de sua representação - o que Daniel Filho, aparentemente consciente das próprias limitações expressivas, transforma em "homenagem", nos letreiros finais, a vários emigrantes que fugiram do nazismo rumo ao Brasil. Como tributo, é lindo e de chorar; como cinema (o que deveria importar), nada consegue transmitir.

4 comentários:

Leo Cunha disse...

Marcelo,

Eu percebi o filme de forma bem diferente. Não tive a sensação de teatro filmado, achei que o Daniel Filho explorou bem o espaço do galpão e dá um bom ritmo à história, pontuado pelo "apito" do navio.
Pelo contrário: achei que o filme perde com as cenas paralelas, fora do Galpão.

Mas o principal mérito é ver que o filme não cai no dramalhão. A emoção que surge nas cenas finais, na minha opinião, é estética, é o encantamento diante do poder da arte, do teatro, da palavra, da narração, além de testemunharmos a um início de humanização daquele personagem brutalizado. O filme não força a barra para nos apiedarmos de ninguém, o choro não é de pena nem pura comoção.

Enfim: minha impressão do filme se aproxima do que você escreveu aqui no blog, quando assistiu ao filme em Paulínia: "bem melhor do que se possa esperar, mas não tão bom quanto podia ser."

Adilson Marcelino disse...

Eu também gostei do filme.
Melhor dizendo, gostei até o epílogo, pois este ninguém merece, né, e acabou pondo quase tudo a perder.
Abs

Marcelo Miranda disse...

Leo, ainda que discorde da sua visão, ela pensa o que está no filme, o que a valida muito. Só reitero que hora alguma eu chamo o filme de "teatro filmado", até porque não acho de forma alguma que ele seja isso (hoje se banalizou a noção de "um cenário + diálogos marcados = teatro filmado"). Se há limitações, elas estão na forma cinematográfica, e não porque é teatro.

Leo Cunha disse...

Pois é, Marcelo, eu fui assistir com a expectativa de ver um filme muito preso ao plano/contraplano, com pouca exploração do espaço cênico e de enquadramentos onde interagissem os dois personagens. Mas achei que o filme conseguiu escapar disso, no geral. Enfim, foi bem melhor do que eu esperava, após ler algumas críticas, comentários no orkut, etc.
E concordo com o Adilson, aquele epílogo era dispensável.