segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O Caso dos Irmãos Naves



por Marcelo Miranda

Por pura coincidência, hoje tem sessão especial em Belo Horizonte de O Caso dos Irmãos Naves, filme de 1967 dirigido por Luís Sérgio Person e com Anselmo Duarte num dos papéis principais. Coincidência porque Anselmo morreu no último sábado, aos 89 anos. Neste trabalho de Person, ele tem o maior papel de sua carreira, como o truculento delegado militar responsável pela tragédia real da família Naves, no interior de Minas Gerais.

O filme é impressionante, e quem já o assistiu pode reforçar o coro. Tem elementos que dialogam fortemente com outras produções da mesma época, de pegada semelhante e também inspiradas em casos reais, especialmente A Sangue Frio, de Richard Brooks e lançado exatamente no mesmo ano do filme de Person, e Sacco & Vanzetti (1971), trabalho hoje pouco comentado, mas ainda muito expressivo, dirigido por Giuliano Montaldo.

Fiz uma pequena matéria sobre a exibição do filme, que pode ser lida aqui. Mas muito mais interessante é o comentário que o Carlão Reichenbach me enviou, atendendo a um pedido meu de um depoimento para a tal matéria. Vale reproduzir na íntegra, como forma de reforçar a importância do filme de Person.

por Carlos Reichenbach
O Caso dos Irmãos Naves talvez seja um dos filmes mais políticos já realizados no país. Uma obra na linha visionária do comunismo Peninsular de Palmiro Togliatti e Antônio Gramsci. Um erro jurídico histórico do passado, do periodo da ditadura Vargas, caía como uma luva para falar da repressão e da truculência militar no final dos anos 60. Sei que Person era fã assumido do cinema de Francesco Rossi, Damiano Damiani e Elio Petri. Os Naves tem muito do cinema italiano da época. A colaboração de Jean-Claude Bernardet no roteiro foi essencial para acrescentar uma certa dose de distanciamento crítico ao filme

Parece que o filme teve alguns problemas com a censura, agravados pelo fato de ter sido o representante do Brasil no Festival de Moscou.

Estilisticamente o filme se diferencia bastante da linguagem moderna e fragmentada de São Paulo S/A; mas Person buscava isso obstinadamente, fazer sempre um filme formalmente diferente do anterior.

A referência maior de Os Naves é O Bandido Giuliano, de Francesco Rossi, que Person achava um dos maiores filmes da história. O curioso é que, numa revisão recente, Giuliano me apareceu muito envelhecido, datado; Os Naves, não. Deu para perceber uma certa ironia no estilo buscado por Person com influências sutis de outros filmes brasileiros, sobretudo alguns da Vera Cruz (não foi à toa que Person convidou Anselmo Duarte para atuar - histriônica e genialmente, diga-se de passagem) e sobretudo, do TBC de São Paulo (perceba a carga teatral do elenco inteiro) no filme.

Embora o filme tenha atuações notáveis de Juca de Oliveira e Raul Cortez, Person tinha o maior carinho pelo desempenho de John Herbert (que está sublime mesmo e é o menos teatral do elenco).

Em Os Naves, a atmosfera aparentemente extemporânea (quase arcaica) contribui muito para o nosso distanciamento. Para isso foi essencial a contribuição de Oswaldo de Oliveira na fotografia, que não usou nenhum dos efeitos fáceis de envelhecimento da época (e que torna alguns filmes italianos do período insuportáveis de serem assistidos hoje - como alguns de Mauro Bolognini, por exemplo). Oswaldo aboliu todos os filtros soift ou fog e usou basicamente a luz "dura" dos refletores antigos.

Confira o blog do Carlão.

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