sexta-feira, 20 de agosto de 2010

50 anos de "Psicose"



por Marcelo Miranda

Quando "Psicose" foi lançado nos EUA, em 16 de junho de 1960, uma publicidade protagonizada pelo próprio diretor Alfred Hitchcock proibia qualquer espectador a entrar na sala de cinema depois que o filme tivesse começado. Reza a lenda, inclusive, que Hitchcock em pessoa circulava pelos lugares fiscalizando se sua ordem expressa era cumprida à risca. O motivo, o cineasta explicou em entrevista a François Truffaut: "Os retardatários ficariam esperando o momento de ver [a atriz] Janet Leigh [em cena], quando, na verdade, ela já teria deixado a tela e morrido!".

Hitchcock tinha plena noção de que matar a protagonista de seu filme aos 45 minutos de projeção era um ato não apenas ousado, mas absolutamente inesperado - mais ainda se a personagem em questão era interpretada por uma estrela reconhecida como Leigh.

No próximo dia 25, completam-se 50 anos da estreia de "Psicose" no Brasil. Foram menos de dois meses de espera em relação às primeiras exibições nos EUA, mas o suficiente - numa era anterior à circulação hiperveloz da informação, como hoje - para manter o mistério em torno tanto da morte de Marion Crane (Leigh), quanto do segredo de Norman Bates (Anthony Perkins), e quanto à identidade do assassino.

"O suspense é antes de tudo a dramatização do material narrativo de um filme ou ainda a apresentação mais intensa possível de situações dramáticas", descreveu o crítico e pesquisador Ismail Xavier no prefácio de "Hitchcock/Truffaut" (Cia das Letras, 1993-2004). As palavras sintetizam toda a obra do diretor inglês e, mais ainda, a essência de "Psicose".

Rodado em menos de três meses, em preto e branco, com técnicos de televisão, orçamento de apenas US$ 800 mil e sem qualquer esperança da produtora Universal de que fosse render algum centavo, o longa se tornou a maior bilheteria de toda a vasta carreira de Hitchcock, integrada por 53 filmes realizados entre 1922 e 1976. "Psicose" faturou, na época, US$ 15 milhões, valor astronômico em se tratando de um suspense barato, adaptado do obscuro romance escrito por Roberto Bloch.

A propósito do livro de Bloch, disse Hitchcock: "Acho que a única coisa que me agradou e me fez decidir fazer o filme foi o caráter repentino do assassinato no chuveiro". A cena mais famosa de "Psicose" era, no fundo, o atrativo do diretor. Hitchcock se notabilizou por uma forma peculiar de criação: ele fazia filmes a partir de uma única ideia, cena ou sequência que povoava sua mente, desenvolvendo todo um enredo para encaixar essa determinada obsessão.

Assim foi com o chuveiro no qual Janet Leigh se banha. A filmagem da morte da personagem durou sete dias e exigiu 77 posições de câmera, no intuito de capturar todo e qualquer ângulo. Foi na montagem que Hitchcock deu o ritmo eternizado por aqueles três minutos de cena e potencializado pelos estridentes violinos da composição musical de Bernard Herrmann.

O pavor causado por "Psicose" também se deve à encarnação de Anthony Perkins como o frágil Bates. Dono de um motel falido na beira da estrada, o misterioso rapaz vive solitário com a mãe doente e deseja Marion Crane desde o primeiro instante em que a vê. O espectador primeiro sente piedade, depois desconfiança, em seguida dúvida e, por fim, medo.
A fusão final, com o rosto de Norman sobreposto ao do cadáver da mãe e ao porta-malas do carro onde está depositado o corpo desnudo de Marion, reforça, em termos puramente cinematográficos, o caráter assombroso da criação de Hitchcock. Cinco décadas depois, "Psicose" ainda é capaz de provocar frisson em velhos e novos espectadores. E isso é para sempre.


Para relembrar
Não apenas um filme, “Psicose” se tornou verdadeiro ícone da cultura pop. Existe uma infinidade de livros, teses, documentários e referências que prestam tributo ao filme de Hitchcock. Até mesmo a cena do chuveiro ganhou, em 2010, um livro dedicado apenas a dissecá-la – “The Girl in Alfred Hitchcock’s Shower” (a garota no chuveiro de Alfred Hitchcock), de Robert Gray.

Em maio deste ano, a 63ª edição do Festival de Cannes, na França, fez a sua parte e exibiu uma versão restaurada do filme. “Psicose” passou por rigorosa recauchutagem, especialmente sonora, o que valorizou os acordes musicais de Bernard Herrmann e a utilização estética do som e ruídos de ambiente no desenvolvimento do suspense no filme. O mais interessante é que, na sessão de Cannes, aproximadamente dois terços do público presente à lotada sessão nunca tinha assistido ao longa, segundo enquete realizada ali, no calor da hora.

A melhor forma de relembrar “Psicose” em seu cinquentenário é rever o filme nas várias versões lançadas em DVD no Brasil (a diferença entre uma e outra está nos extras) ou na edição especial em Blu-ray, lançada justamente para celebrar o aniversário da produção.

Também ler o monumental “Hitchcock/Truffaut” se torna tarefa de primeira linha. O vasto livro em que o francês François Truffaut trava um longo diálogo com o cineasta inglês é referência sob qualquer aspecto relativo ao cinema. Só sobre “Psicose” são 19 páginas, incluindo fotos de bastidores e decupagem de cenas importantes.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 20.8.2010

Um comentário:

pseudo-autor disse...

É por causa de filmes como esse que o cinema não consegue perder a sua qualidade de imortal (mesmo que alguns cineastas medíocres façam de tudo para decretar seu fim).

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