sábado, 7 de agosto de 2010

"A Origem", de Christopher Nolan

por Marcelo Miranda

De cara é bom esclarecer: “A Origem” não revoluciona, não inova, não é brilhante. O pesado marketing em torno do filme tenta vender a ideia de estarmos diante de uma nova forma de se olhar a ficção científica, de uma nova filosofia dos sonhos, de um novo conceito. Nada disso – nem muito menos é um trabalho “onírico”, como já se classificou (oníricos são filmes de David Lynch, Luis Buñuel ou Alejandro Jodorowski). O que “A Origem” tem de atraente me parece ser, de imediato, a forma bem executada como desenvolve seus próprios conceitos. Em suma: o filme interessa não pelo que supostamente oferece de “novo”, mas pelo que ele faz tão bem de “velho”.

Depois do sucesso arrebatador de “Batman – O Cavaleiro das Trevas”, o diretor Christopher Nolan ganhou carta branca da Warner para fazer o que bem quisesse. E fez esse projeto, que acalentava há uma década. Há, de fato, um certo ar de brincadeira juvenil em “A Origem”, e curiosamente isso faz muito bem ao filme. Trata seus assuntos centrais – sonhos, amores perdidos, culpa – através do filtro de gêneros: estamos num longa de ficção/ação/aventura no qual existe uma missão central que precisa ser completada por um grupo de pessoas.

No entorno, Nolan vai lançando as demais questões e, a certa altura, o espectador é capaz de esquecer por que, afinal, aquele bando de gente – liderado por um Leonardo Di Caprio em chave semelhante à sua interpretação em “Ilha do Medo”, de Martin Scorsese – está invadindo sonhos alheios. Isso pouco importa. Muito mais interessante é curtir a viagem de Nolan e toda a molecagem camarada que ele vai lançando a cada sequência e a cada momento cartilha-explicativa.

“A Origem” se configura um filme mais relevante se pensado no contexto da obra do diretor. Soa exagero chamar Nolan de “autor”, como também se tem feito em alguns espaços. Ele possui características que o identificam, mas está longe de possuir uma identidade estética, um olhar específico sobre o mundo (e sobre o cinema), uma forma de encenar que o diferencie de congêneres. Nas categorias artísticas, ele estaria mais para um eficiente artesão.

No novo filme, Nolan problematiza a própria condição de criador. Ele já o tinha feito em “O Grande Truque” (2006), mas com “A Origem” a questão sobre os limites do cinema enquanto espaço onde há a eterna disputa real versus a ficção se torna o cerne do filme. Nolan embaralha conceitos e cria dilemas para seus personagens resolverem dentro de um jogo narrativo com várias possibilidades de saída. É como o labirinto que a personagem da atriz Ellen Page precisa criar: ela o desenha em dois minutos para que a pessoa saia dele em 60 segundos. Este é o desafio de Nolan desde a conceituação de “A Origem” – qual a melhor forma de olhar ao redor: pelo viés da fantasia ou da realidade? E o tempo está correndo.

A se pautar por trabalhos como os dois “Batman”, que tentam trazer para o universo realista uma criação essencialmente ficcional, Nolan tende a preferir deixar a imaginação de lado. Porém, considerando “A Origem”, percebe-se um questionamento muito mais intenso em torno do ofício de realizador; e a luta interna dentro da tela resvala na empolgação externa de quem se entrega a ela. Muito por conta disso, “A Origem” é uma experiência bastante agradável de acompanhar.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 6.8.2010

5 comentários:

pseudo-autor disse...

Eu achei anos-luz atrás de Cavaleiro das Trevas, mas gostei do filme. Gosto do Nolan (apesar das críticas ao seu trabalho!). É um filme difícil, que não permite distrações por parte do espectador e isso, por si só, já gera polêmicas junto a crítica especializada e à parte do público.

Cultura na veia:
http://culturaexmachina.blogspot.com

mastigada disse...

Cara, acho que você viajou. O filme é muito bom. E tem sua carga de inovação sim... Acho que você ficou mais na ação alucinante do que nos símbolos que Nolan joga aqui e ali na história. Símbolos que por si só quando juntos dão outra dimensão ao trabalho. Pode até ser que o diretor não tenha feito algo que ninguém não tenha feito já, mas ele foi muito feliz nas suas escolhas e, principalmente, na sua conclusão...

Marcelo Miranda disse...

Prezado "mastigada", acho que a viagem foi sua. "Pode até ser que o diretor não tenha feito algo que ninguém não tenha feito já, mas ele foi muito feliz nas suas escolhas e, principalmente, na sua conclusão".

Pois é exatamente isso que eu falo no texto. Está aí, pra ser lido. No fim das contas, concordamos. Só não me fale de "símbolos", que cinema não me parece espaço adequado a "símbolos" nem "metáforas".

mastigada disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
mastigada disse...

Ihh...Marcelo, concordamos em parte. Acho que o cinema serve sim para exercícios de simbolismos e metáforas - ainda que alguns puristas acreditem que não. Basta lembrar de vários autores consagrados do cinema internacional para vc perceber. Tudo pode ser feito com resultados magníficos. Cara, vou dizer o que eu acho sobre cinema: você pode fazer o que quiser, desde que o resultado seja fique bom. Bergman fazia psicanálise da alma humana, Hitchcock expressava suas (e nossas) obsessões sexuais em trilers de suspense e tensão. Até Spilberg brinca com o inconsciente, em filmes como 'O Tubarão'. Meu querido, o cinema pode tudo. E, para mim, A Origem é cinema de alto gabarito, cheio de símbolos, metáforas e idéias espiritualistas, quer vc as considere apenas uma xerox - o que não considero - quer não. A propósito, meu nome é Paulo Dantas e meu e-mail é paulo@ad-or.org. Um abraço.