terça-feira, 1 de março de 2011

O Oscar da escolha fácil



por Marcelo Miranda

Foi irônico e maldoso que Steven Spielberg fosse chamado para apresentar o prêmio de melhor filme na entrega do Oscar 2011, na noite do último domingo, em Los Angeles. Há 12 anos, o diretor competia com "O Resgate do Soldado Ryan" e perdeu para "Shakespeare Apaixonado", do britânico John Madden e produzido pelos irmãos Weinstein. Pois foi Spielberg quem entregou a estatueta justamente aos Weinstein, produtores de "O Discurso do Rei", o maior vitorioso da festa - e outra produção britânica de relevância duvidosa.

Quando o clipe dos dez indicados na categoria a melhor filme começou a ser apresentado, as cartas estavam dadas: close no rosto de Colin Firth, no papel do rei George VI, e a íntegra da fala do personagem à nação inglesa às vésperas da 2ª Guerra, ao mesmo tempo em que imagens dos outros nove títulos eram apresentadas. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood nunca fora tão pouco sutil.

Claro que a premiação a "O Discurso do Rei" era, como podemos definir, uma tragédia anunciada. Não apenas pelos inúmeros prêmios colhidos pelo filme nas semanas anteriores, mas especialmente pelo andar da festa do Oscar no domingo. Os troféus de roteiro, de ator (Firth) e de direção (Tom Hooper) davam a exata noção de que "A Rede Social", principal concorrente do filme inglês, estava sendo deixado para trás. O filme de David Fincher ganhou trilha sonora, montagem e roteiro adaptado.

A Academia, assim, deixou passar a oportunidade de premiar o filme mais significativo dentre todos os indicados. Não necessariamente o melhor, mas certamente o que mais representava um estado de espírito e de mundo na atual era da hiperinformação. A truncada saga de Mark Zuckerberg, criador do Facebook, reflete o espírito de uma geração e de toda a década passada.

"A Rede Social" leva essas questões não só à temática central do longa, mas à sua estética, fazendo do vai e vem dos depoimentos dos personagens espécies de hiperlinks impossíveis de serem totalmente conectados. Depois da provocação de premiar "Guerra ao Terror" no ano passado - filme controverso sobre a invasão norte-americana no Iraque -, os votantes da Academia decidiram ir pelo caminho mais fácil. "O Discurso do Rei" é inofensivo e inócuo e, por isso mesmo, certeiro na ânsia por não criar confusão com ninguém. Exalta-se o rei, e estamos todos conversados.

O restante da premiação também não guardou nada para além das previsões. Às vezes isso foi bom, como o pré-alardeado troféu a Natalie Portman por "Cisne Negro", cuja interpretação é quase unânime na apreciação do filme e a deixava realmente sem concorrência. Já o de ator para Colin Firth soou mais como adesão a uma quantidade considerável de troféus a "O Discurso do Rei" do que apenas pelo ator, indicado no ano passado pelo sutil trabalho em "Direito de Amar". Os coadjuvantes Melissa Leo e Christian Bale garantiram os únicos prêmios possíveis a "O Vencedor", também sem alarde.

E "Lixo Extraordinário", coprodução Brasil e Inglaterra, perdeu o Oscar de documentário para "Trabalho Interno", sobre a crise econômica nos EUA.

Vencedores mesmo.
Foi uma noite de glória a uma dupla tão discreta na presença física quanto indiscreta na campanha pelos filmes que faz. Os irmãos Bob e Harvey Weinstein confirmaram o notório faro a sucessos de premiação com a consagração de "O Discurso do Rei" na noite do último domingo.

Os Weinstein vinham de uma crise sem precedentes em suas trajetórias. Após anos de acertos, a última vez que emplacaram no Oscar fora nas premiações a "Chicago" (2002) e "O Senhor dos Anéis - O Retorno do Rei" (2003). E então, os dois entraram numa maré de confusões.

Primeiro, a tumultuada saída da Miramax, produtora onde eles tiveram significativa atuação entre o final dos anos 70 e meados dos anos 2000. "O Paciente Inglês", em 1996, foi o primeiro filme da grife deles a levar bateladas de prêmios da Academia de Hollywood. Em 2005, já fora da Miramax, vendida a um outro grupo, os irmãos fundaram a Weinstein Company. Mas isso não garantiu que evitassem a bancarrota. Eles acumularam prejuízos contínuos a ponto de fazê-los hipotecar 250 filmes de seu acervo para conseguirem se manter na indústria.

"O Discurso do Rei" foi uma cartada decisiva. Foram os Weinstein que sentiram o potencial de sucesso do filme de Tom Hooper e assumiram a produção executiva. Depois, mergulharam em pesada campanha de marketing e lobby ante os votantes das premiações norte-americanas.

Conhecidos pela forte sedução e benefícios, eles voltaram com tudo, emplacando "O Discurso do Rei" como o filme do ano no Oscar 2011. Pouca gente vai se lembrar do longa de Hooper daqui a uns poucos anos, mas certamente os Weinstein renascem fortalecidos graças a ele.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 1.3.2011

4 comentários:

Rafa Arruda disse...

Brilhante matéria! Sem dúvida nenhuma, a trilha de O Discurso do Rei ao longo do anúncio dos demais 9 concorrentes era o prenúncio de algo que todos sabiam, mas que boa parte, de fato, não queria. Nem de longe um dos melhores filmes do ano!

GCGoulart disse...

Caro Marcelo, a vitória já cantada do "Discurso" foi surpresa sem surpresa alguma. Só o "clip" com todos os envolvidos a tentar a estatueta de melhor filme, terem suas cenas sob o falar do Rei foi fatal, e sua matéria aqui foi inteligente em destacar isto. Passou no Oscar, claro, mas teve desatento que não pescou. A Portman estava no seu melhor, mas me ficou uma pulga se a novata de "Inverno da alma" não seria um páreo para ela. A Academia estaria esperando um "futuro" para ela? Típico da turma do Oscar, não? O que achou da atuação da bela loira? Novesfora isso tudo: contia com a caneta (teclado?) afiada para o ofício meu caro. Abraços. Ass.: Gustavo Goulart.

pseudo-autor disse...

Eu achei o Oscar desse ano uma prova mais do que viva de que a academia está se lixando para o gosto do público e para as mudanças de comportamento da sociedade ao longo dos anos. Voltou a ser um prêmio velho, conservador e aumentou ainda mais o lado contraditório da festa (afinal de contas, como levar a sério um prêmio que esnobou Chaplin - oscar honorário não vale! -, Stanley Kubrick e Kirk Douglas?)

Anônimo disse...

http://www.fabiopenna.com/

Música e cinema. Seria interessante ouvir suas opiniões a respeito de todas as músicas do cantor, pois envolvem exclusivamente cinema.

Espero que o intercâmbio seja enriquecedor e de mão dupla.

Até.