domingo, 21 de fevereiro de 2010

Pequenas pílulas sobre os filmes em cartaz



por Ursula Rösele

Acho Oscar uma bobagem tremenda...não estou minimamente interessada em qual vestido as atrizes vestirão ou quem irá apresentá-lo – e muito menos quem vai ganhar por qual categoria, portanto, o fato de alguns desses filmes fazerem parte dos indicados não influiu na minha escolha pelos comentários.

Em ordem crescente de interesse:


- Amor sem Escalas (Jason Reitman)

Vi apenas três filmes de Jason Reitman – creio que são os únicos disponíveis no Brasil, mas afirmo sem certeza – e acho Obrigado por Fumar o melhor deles. Juno tem lá sua simpatia, é um filme desses de amolecer os corações, que o personagem gera identificações-mil com o público e aí chego no meu ponto. Reitman é um diretor que faz filmes para o público. O que obviamente não comento com intenções de rebaixá-lo ou ao público...talvez o público. Achei Amor sem Escalas igual a uma centena de filmes que já vi por aí, de conflitos de casais, amores fugazes que ocorrem em circunstâncias diversas e – como Rafael comentou comigo e concordo – muitos deles protagonizados por George Clooney, o cara misto de charme com canastrice que parece o ideal para encarnar esses caras com dificuldade de assumir compromisso e quando resolvem fazê-lo, dançam. O público – principalmente os frequentadores de shopping e pipocas caríssimas – tem essa ânsia pelo riso, que chega a angustiar quando o filme não o solicita muito. Amor sem escalas tem gosto de ricota, sabem como é? Aquele queijo que tem boa aparência e gosto de nada. Montagem super convencional – e aí digo no mal sentido, pois ele não a usa de maneira a instigar nada -, diálogos padroníssimos. Enfim, como poderão ver no Quadro de Cotações da revista, esta opinião não parece ser compartilhada por todos os polvos – o que é deveras saudável, pois eles podem comentar suas impressões por aqui. Enfim, ricota, falta sal, falta pele, falta qualquer coisa com mais tempero. Assisto aos filmes de Reitman como assisto a qualquer filme em cartaz, mas confesso não ter a mínima espectativa com sua próxima produção.


- Avatar (James Cameron)


Avatar é um filme que sofre – obviamente um sofrimento de metáfora minha, pois Cameron deve estar feliz da vida – do frisson geral da nação. Consegui ver o filme apenas após a quarta tentativa. A primeira delas, de extrema ingenuidade minha, foi frustrada devido à lotação desenfreada de um shopping. A segunda, erro de publicação do jornal, que soltou uma sessão inexistente. Na terceira e mais surreal, consegui entrar, sentar amassada num mísero canto que havia sobrado e lá começou o simpático robozinho que nos pede para colocarmos os óculos bombados responsáveis por um ingresso caríssimo e absolutamente segregador de público. De repente, bum! Um barulho estranho e nada de som mais. As luzes acendem, os murmurinhos vão se tornando cada vez mais altos e os blockbusters-addicteds começam a assoviar, clamar por um projecionista que não se manifesta. Eu e Rafael – também amassado num outro canto no lado oposto que eu estava – começamos a trocar mensagens tentando compreender o caos e a maldição que nos impedia de ver os guerreiros azuis em batalha. Um tempo depois, um funcionário aloprado vem dizer que houve um problema com o som do filme e começa a entrar nas provocações e brincadeiras de um sem-graça danado dos tais pipoqueiros aflitos pelo filme e me sinto num pardieiro completo. Nada de filme. Podemos pegar o dinheiro de volta – numa fila que lembra nossa vã ideia de eternidade – ou trocarmos nosso ingresso para outro dia. Já irritados com a aparente impossibilidade de assistirmos ao grande sucesso de bilheteria – e digo isso com total sarcasmo e preguiça – resolvemos trocar o ingresso.

Enfim, após a saga, eis que conseguimos assistir. Sala lotada, claro, e nós em pé uma hora na fila para podermos nos dar ao luxo de escolhermos um bom lugar. Bem, o filme. Me irritou menos do que eu imaginava, mas é mais um blockbuster que envolve batalhas e tensões - trilhas crescentes sugerindo uma suposta reviravolta ou ataque inimigo - um humano se apaixonando por uma garota azul enquanto ele está azul também – e este tal humano ex-fuzileiro se revoltando com os métodos de seus contratantes e indo em defesa da turma de smurfs, enquanto se torna o gênio do lugar, tipo o Tom Cruise dominando as técnicas ninjas milenares em O último samurai – Sigourney Weaver como a cientista mala que vira a maior defensora dos smurfs, além de ter ganhado um avatar muito simpático. Quanto ao 3D, saí de lá com uma enxaqueca terrível...achei dispensável o uso da tecnologia em toda a projeção. Dó das crianças que forem assistir. E no final das contas, fora as lutas finais que realmente são impressionantes e as imersões no tal universo fantástico dos Na’Vi (acho que é assim que escreve), a parte mais divertida do 3D foi o tal robozinho simpático do início se projetando de frente para os espectadores. E James Cameron, que indiscutivelmente tem a manha de reunir “A” equipe técnica e fazer um filme que supera seu próprio recorde. O Phelps do cinema, para minha tristeza.


- O Homem que Engarrafava Nuvens (Lírio Ferreira)


Sei que não está mais em cartaz – ao menos em BH – mas devido à escassez de filmes nacionais no cinema e por ser um filme de um diretor que julgo importante de ser visto, vão alguns comentários.

Depois de Árido Movie e Cartola, o diretor decide fazer um documentário sobre a vida e obra de Humberto Teixeira, músico e compositor – praticamente desconhecido – da maioria das músicas de Gonzaguinha, incluindo o sucesso incontestável “Asa Branca”. O documentário segue aos moldes do tradicional pergunta-resposta-planos médios, mas com toques de Lírio, muita cor, inserção de diversas das canções, imagens de arquivo incluindo diversos filmes nacionais antigos. Interessante e como a maioria de filmes interessantes e nacionais, ficou mofando num cinema distante da maioria dos espectadores (no shopping Ponteio, que fica na BR indo para o BH Shopping – se não me engano, o maior de BH – e é um shopping focado em vendas de utensílios e móveis para casa = cinema quase sempre vazio e filmes que geralmente não passam em outras salas).


- Abraços Partidos (Pedro Almodóvar)


Bem...preciso rever. Gostei do filme e fiquei curiosa por ter gerado reações negativas dos fãs ardorosos do espanhol. Almodóvar entrando no universo masculino, claro, transtornado devido às relações com mulheres – no caso uma, a Penélope Cruz. Não quero falar muito; de fato preciso rever.


- A Fita Branca (Michael Haneke)


Tive a oportunidade nas férias de assistir O Sétimo Continente, Benny’s Video, O Castelo e O Tempo do Lobo. Como já havia visto Código Desconhecido, A Professora de Piano, Violência Gratuita e Caché, deu pra ter uma boa dimensão do cinema de Haneke. Além da violência ser uma constante, Haneke parece ter certa obsessão por trafegar no universo obscuro das pessoas. São filmes que guardam uma tensão estranha, que pode desaguar ou manter-se ali, quase em ponto de uma ebulição interna. Em A Fita Branca ele manteve esse olhar, num filme desta vez sem cores, que como Leonardo Amaral disse em sua cobertura de Cannes (texto aqui) traz uma “completa desorientação”. A história ocorre na iminência da Primeira Guerra Mundial, que praticamente bate às portas, mas bate em portas as quais o caos já parece instaurado e o clima negativo paira a todo tempo, numa infância aparentemente desiludida e sem ingenuidade. Os ingênuos que restam, são punidos. As coisas ficam na superfície no sentido de suas explicações concretas, mas as intenções estão cravadas na sociedade retratada por Haneke. Filme de transtorno, sessão caladíssima. Muito, muito bom.


Agora aos tops:


- Guerra ao Terror (Katrhyn Bigelow)


Nada de sexismo no comentário, mas Guerra ao Terror é filme de vigor masculino feito por uma mulher – e uma mulher linda, by the way. Dos melhores que vi nessa safra de lançamentos. Marcelo Miranda comentou dele aqui no blog (leiam aqui) há pouco tempo. Enquanto seu ex-marido navega na grana com seus smurfs apaixonados, Bigelow faz filme de gente grande, e que filme. O universo da guerra já tão retratado no cinema agora transposto para os conflitos que acompanhamos dia a dia na imprensa, dos EUA x Iraque. Um esquadrão anti-bombas americano está lá para desarmá-las em solo iraquiano, no meio de pessoas que os desprezam, os temem, não compreendem como puderam se instalar com tamanho “topete” na casa deles. E Bigelow constrói essa tensão com calma, a pinceladas de mestre, fazendo uso do digital de maneira magistral. Filme imperdível e vergonha da distribuidora (leiam o texto do Miranda)...mais um que foi pro cinema do Ponteio (já comentado ali acima) e ficou perdido em BH.


- Invictus (Clint Eastwood)


Se todo ano Clint (me proporcionando o prazer de chamá-lo pelo primeiro nome – já perceberam que alguns diretores a gente só chama pelo primeiro nome? Ninguém fala Rocha, só Glauber. Talvez pela força desses primeiros nomes, talvez por serem diretores que nos convocam ao universo deles de tal maneira que nos sentimos parte de suas criações, ainda que distantes de nós) disser que vai parar de atuar ou dirigir, que ele diga mais e mais. Difícil dizer de algum filme dirigido por ele ser ruim. Invictus tem – até pelo que sua aura convoca – esse olhar extremamente clássico e convencional na medida exata. Um filme sobre Nelson Mandela talvez não pudesse escapar disso. Não pelos seus feitos serem convencionais, mas por ser um líder tão sofrido que conseguiu governar um lugar em pleno caos com tamanha maestria e simplicidade.

E é essa simplicidade que Clint traz às telas. Um jogador de um time de rugby que só faz perder e um governante que tinha tudo para ter desistido e se transformou num mito. Um encontro incrível, filmado pelas mãos de um gênio. As cenas dos jogos de rugby são impressionantes...dá vontade de chamar o Clint pra vir filmar o futebol brasileiro, a natação, atletismo, sei lá. As cenas são de um vigor impressionante, de uma maturidade e doçura imensos...sem se perderem da seriedade das questões e da dureza que a África enfrentou e enfrenta até hoje. Tem que ser visto, e no Cinema.

5 comentários:

Marcelo Miranda disse...

O que me atrai em "Amor sem escalas" é aquele retrato do "cara misto de charme com canastrice" como uma figura essencialmente solitária, que mesmo quando parece tentar se render ao "sistema", não consegue por pura inapetência pra tal.

É quase uma desmontagem da figura-ícone do George Clooney como o cara que acaba se ajustando de algum jeito. Aqui, ele não se ajeita, e aquela cena-assinatura dele sozinho olhando pros horários de voos eu acho muito forte. Me incomoda todo o entrecho da família da irmã, que serve de "liçãozinha" pro cara ficar esperto. E a cena dele saindo apressado da palestra pra ir atrás da moça também me soa oportunista e desnecessária.

Mas, de resto, acho um filme bastante maduro em diversos aspectos e, certamente, o que mais gosto dos três que o Jason Reitman fez.

Leo Cunha disse...

Ucha, parabéns pelo fôlego de fazer este balanço do melhores filmes que estão passando por aqui (ou pelo menos os que estão mais em evidência).

Uns pitacos:

- Sobre o nosso amigo Clint, também sou admirador numero zero e acho este o mais fraco dos filmes recentes dele. Ainda assim é forte, e tem algumas passagens memoráveis (o hino, os jogos, a visita a prisão, os conflitos entre os seguranças, em geral) e outras meio constrangedoras (algumas canções descabidas, aquele avião dando rasante, pra tentar criar algum suspense num filme que não precisava daquilo de jeito nenhum.
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- Sobre nosso amigo Almodóvar, gosto muito de Abraços partidos, tomara que você reveja e goste mais. O que eu tinha pra falar do filme já está na minha coluna do Filmes Polvo.
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- Sobre Amor Sem Escalas, eu gosto bastante do filme. Concordo que o Jason Reitman não inventa nada, mas confesso que gosto muito de diretores que não precisam inventar. Na minha opinião, ele é um ótimo contador de histórias, e este filme é muito bem narrado, inclusive e sobretudo com imagens (gosto de todas as cenas de aeroporto, do ritmo e do ponto de vista destas cenas). Acima de tudo, acho que é uma grande sacada narrativa a história de um demitidor profissional que, sem esperar, quando parecia caminhar para uma redenção confortável, acaba demitido sumariamente, não de um emprego, mas de uma relação pessoal. Finalmente, concordo que já vimos o George Clooney fazendo papéis semelhantes (inclusive tem uma cena quase idêntica no filme dos Coen), mas vejo isso com bons olhos. Sou um grande admirador das pequenas variações em torno de um mesmo tema. Aliás, este é precisamente o assunto do meu doutorado (não o Clooney, mas as variações cômicas).

- Sobre Avatar e Guerra ao Terror, concordo com praticamente tudo o que você escreveu.

- Sobre Fita Branca. Não vi ainda.

leo amaral disse...

gosto bastante do amor sem escalas. me impressiona o quanto esse filme é sacana: se constrói e se desconstrói o tempo todo, coloca o espectador em zonas de conforto, para, com sutis ironias, tirá-lo de lá, colocá-lo sempre a margem. concordo com o marcelo, o personagem-ícone do clooney é desmontado ali mesmo, é um desajustado que me lembra muito o bill murray em encontros e desencontros. o filme do reitman é bem diferente do da sofia coppola, mas tem alguns aspectos que me trazem na memória aquele personagem sem lugar do encontros e desencontros. e o personagem do clooney nunca tem chão, literalmente por estar quase sempre num voo, mas principalmente por nunca se encontrar. ele é tão patético quanto as fotos que ele tira pra irmã. e aí eu discordo agora do marcelo na cena com a família. vejo aquela liçãozinha construída de uma maneira bem irônica, pois tudo aquilo que vemos lá também não passa de uma felicidade passageira. é um filme em que tudo é fugaz. acho aquela cena do clooney no aeroporto uma das mais fortes esse ano, assim como acho o filme também um dos melhores desse começo de ano. do reitman é disparado o melhor. e olha que revi juno e o filme cresceu bem.

Ursula disse...

É, não me pegou de jeito nenhum...

Anônimo disse...

Oi gente, aqui é a Denise Dummont. O nosso filme O Homem Que Engarrafava Nuvens, continua em cartaz sim. Já pro cinema!
Beijos,
Denise