domingo, 28 de novembro de 2010

Festival de Brasília: "A Alegria", de Felipe Bragança e Marina Meliande



por Marcelo Miranda


A definição veio de um crítico francês: "É um lindo ovni brasileiro". A frase cunhou texto sobre "A Alegria" após a exibição do filme no Festival de Cannes, em maio deste ano, na mostra paralela Quinzena dos Realizadores. Seis meses depois, o segundo longa dirigido pela dupla carioca Felipe Bragança e Marina Meliande abriu a competição do 43º Festival de Brasília, na noite de quarta-feira, causando estranhamento similar - ainda que ninguém o tenha chamado de "ovni".

O filme fecha uma trilogia informal denominada Coração no Fogo, precedida por "A Fuga da Mulher Gorila" (vencedor de prêmio da crítica na Mostra de Tiradentes em 2009) e pelo projeto coletivo "Desassossego", coordenado pela dupla de cineastas. "A Alegria" é, ao mesmo tempo, o ponto de partida e de chegada desse caminho. Surgiu a partir de um roteiro de Bragança, depois desmembrado nas duas outras realizações. Tanto "A Fuga..." quanto "Desassossego" foram feitos enquanto "A Alegria", mais ambicioso em termos de gastos e produção, aguardava a vez de ganhar o set.

Com orçamento de R$ 750 mil - parte dele vindo do fundo holandês Hubert Bals -, o filme de Bragança e Meliande lida com um universo pouco abordado no Brasil: mundos fantásticos, imaginação, monstros, superpoderes. Só que, diferente do que poderia ser considerado habitual, a dupla traveste o filme numa chave de melancolia e sensação de vazio e falta de posturas objetivas de uma certa camada da juventude brasileira, especificamente a carioca (já que o enredo se ambienta no Rio de Janeiro).

"A gente nunca pensou ‘A Alegria’ como um filme de gênero voltado ao público juvenil", apontou Felipe Bragança, em debate realizado ontem num hotel da capital federal. "Nosso interesse na juventude era premissa estética para construirmos alguma coisa a partir dele. Mas não foi (necessariamente) um filme feito para adolescentes". Marina Meliande completa: "Buscávamos a estranheza desde a fala dos personagens, porque não são pessoas em posturas confortáveis no mundo".

Encontrar esse tom de incômodo esteve presente no trabalho da dupla desde a escolha do elenco, que mescla atores profissionais (Mariana Lima, Maria Gladys e Márcio Vito) a amadores, escolhidos por redes sociais ou indicações e testes. "Na escolha da protagonista, por exemplo, sempre foi claro a nós que precisávamos de uma atriz disposta a um tipo de risco, insegurança e capacidade de se jogar contra alguma coisa", afirmou Bragança.

Os dois diretores conseguiram encontrar o que procuravam na jovem Tainá Medina, de apenas 16 anos e achada através de um perfil no Orkut. "A Tainá foi a única que tentou atravessar de fato a parede; as outras meninas, não", brinca Felipe Bragança, em referência a uma das cenas-chave do filme.

No debate em Brasília, jornalistas perguntaram a Bragança e Meliande sobre claras alusões a filmes do indiano (hoje nos EUA) M. Night Shyamalan, especialmente "O Sexto Sentido" e "A Dama na Água". "Na última década, o Shyamalan levou o cinema fantástico a um espaço de risco, de investigação, de descoberta. Não chega a ser uma referência direta da gente, mas nos identificamos com a ideia de que o lidar com o imaginário é importante e que o cinema brasileiro pode encontrar o seu lugar nesse caminho", disse o diretor.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 26.11.2010

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