segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Festival de Brasília: "Os Residentes" e "O Céu sobre os Ombros"



por Marcelo Miranda


O fim de semana na 43ª edição do Festival de Brasília foi estrelado por longas mineiros. Os dois trabalhos do Estado na competição provocaram reações diversas, ao apresentarem propostas estéticas e (não) narrativas bastante desafiadoras ao senso "comum" ainda dominante, tanto na produção quanto na recepção do que se faz em cinema no Brasil (e no mundo, convenhamos).

Na sexta-feira, "Os Residentes" (foto acima), de Tiago Mata Machado, implodiu sentidos de "roteiro" ao lançar na tela uma série de situações aparentemente sem nexo que, juntas, formam um instigante tratado sobre relações diluídas. Numa casa dentro de um espaço nunca identificado, grupo de personagens marginais busca um tipo de convivência em meio a discussões sobre arte, estética, ética, signos e referências.

Filhote direto e assumido tanto do "cinema polifônico" de Jean-Luc Godard, como define Tiago, e também do vigor de Julio Bressane e Rogério Sganzerla, "Os Residentes" foi frontalmente rejeitado por parte da plateia e por alguns jornalistas e críticos aqui presentes. A postura inicial de Tiago durante o debate realizado no sábado não ajudou: reticente de explicações sobre o filme, o diretor se esquivou de algumas perguntas, para a fúria de repórteres interessados em "entender" o processo que levou a "Os Residentes".

Mas logo Tiago e equipe se soltaram e falaram sobre os caminhos da concepção do filme - caminhos obviamente tortuosos e cheios de enigmas indecifráveis, o que soa coerente com o que se viu no próprio projeto. "O cinema brasileiro precisa de oxigenação, e muitos filmes vêm aí com essa proposta. Vocês vão ter que se acostumar", provocou o diretor.

Na noite do mesmo sábado, o outro mineiro, "O Céu sobre os Ombros", de Sérgio Borges, teve acolhida mais calorosa. Num misto de documentário e ficção - sem necessariamente optar por um ou outro -, Borges acompanha três pessoas de Belo Horizonte em meio a rotinas tão ricas quanto simples: uma transexual prostituta que dá aula de psicologia; um atendente de telemarketing adepto do hare krishna e integrante da Galoucura (torcida organizada do Atlético-MG); e um escritor deprimido cujo maior feito é não querer publicar os próprios escritos.

"No dia a dia nós ficcionalizamos a vida e a reproduzimos na realidade. Os limites entre o que é verdade e encenação ultrapassam o cinema, eles estão no nosso cotidiano e na nossa forma de olhar e explicar o mundo. Eu quis transpor essa questão para o filme", disse Borges.

Ele usou duas câmeras para registrar um total de 180 horas dos três protagonistas, escolhidos a partir de pesquisas de campo. "Às vezes eu os acompanhava a alguns lugares, em outras ocasiões propunha situações a serem criadas, mas buscava, acima de tudo, que eles mesmos guiassem a encenação e os próprios movimentos". O resultado brilha na tela e faz com que "O Céu sobre os Ombros" soe como experiência cristalina de captação do simples ato de viver.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 29.11.2010

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