domingo, 28 de fevereiro de 2010

Gilberto Scarpa



por Marcelo Miranda

"Estou nos braços do povo!". O grito de Gilberto Scarpa no encerramento da 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes, no dia 30 de janeiro, misturava o jeito tipicamente brincalhão desse mineiro de 41 anos de idade com a mais pura verdade. Scarpa acabara de vencer o prêmio de aquisição do Canal Brasil com seu segundo curta-metragem, "O Filme Mais Violento do Mundo", votado pelo júri popular do evento.

Scarpa tem agradado bem além do "povo". Emplacou um programa que está realizando para o Canal Brasil intitulado "Genial!" e foi convidado recentemente a assumir a direção de artes visuais da Secretaria de Estado da Cultura, órgão do governo de Minas Gerais. É um momento de efervescência para esse profissional formado na escola Guignard e cuja carreira mesclou criações em artes plásticas com trabalhos na publicidade e no cinema.

Talvez, por isso, Scarpa seja tão eclético, ainda que suas tentativas de se tornar diretor de filmes tenham dado errado por diversas vezes. Foram justamente suas frustrações que originaram o curta que o tornou mais conhecido no meio audiovisual, "Os Filmes que não Fiz". Vencedor de melhor filme e direção de arte no Cine PE, em Recife, há quase dois anos, o trabalho da produtora Abuzza Filmes já acumula 39 prêmios na prateleira.

"Posso te mandar o roteiro de "Maria, a Louca da Padaria", se você quiser", garante Scarpa, em referência a um dos entrechos mais comentados de "Os Filmes que não Fiz". "O filme se torna menos engraçado sempre que revelo que os roteiros ali na história eram todos verdadeiros".

O curta mostra Scarpa, em pessoa, narrando os projetos que ele nunca conseguiu levar à frente, enquanto o espectador assiste a pedaços filmados desses mesmos roteiros engavetados. Foi sua primeira experiência não apenas como diretor, mas como ator. E ele não esperava dar tão certo. "Até ganhei um prêmio do Sesc-Sated pela minha atuação", relembra, aos risos.

De fato, a presença de Scarpa na tela gera risos imediatos - como foi perceptível na sessão em Tiradentes de "Narcolepsia", curta de Walfried Amaral Weissmann no qual ele interpreta um homem que sofre da "doença do sono". "Depois de uma sessão de ‘Os Filmes que não Fiz’, as pessoas costumam olhar na minha cara e rir, sem que eu faça nada".

Ele acredita que isso se deve à abordagem da figura do fracassado, repetida no curta seguinte, "O Filme mais Violento do Mundo" - desta vez, sem sua presença no elenco. "O ‘loser’ brasileiro é o anti-herói para quem todo mundo torce e com quem nos identificamos naturalmente. Eu penso sempre no que disse o Nelson Rodrigues: o ator moderno, intelectualizado, introspectivo é muito diferente do ator de antigamente, mais canastrão, que tentava atingir o coração do público".

Em Recife, a cara de Scarpa e as lamúrias de seu personagem em "Os Filmes que não Fiz" fizeram gargalhar uma plateia de 3.000 espectadores. "Foi memorável", relembra ele, que não sentiu o mesmo impacto com o filme seguinte. "As sessões agora terminam e ninguém me procura para rir. Não apareço em cena", ironiza.

Por conta do primeiro filme, Scarpa foi convidado para colaborar em alguns projetos de comédia da Gullane Filmes e se animou a seguir carreira de curta-metragista. O próprio "O Filme mais Violento do Mundo" foi todo financiado com prêmios em dinheiro que ele ganhou com seu projeto de maior sucesso.

Atualmente, Scarpa tem três produções engatilhadas, esperando a vez de ganharem as lentes. "Meu próximo trabalho deverá ser uma produção chamada ‘Karaokê Liberdade’", diz. E adianta: "Tenho também o "Pare e Siga", que será meu primeiro filme gay".

Televisivo
Num determinado momento de “Os Filmes que não Fiz”, o produtor paulista Fabiano Gullane surge em cena dizendo receber semanalmente várias “ideias geniais” para virar filme. “Você está falando de uma ideia genial ou de uma ideia geniaaaaaal?”, pergunta ele ao interlocutor.

A cena foi toda dirigida por Gilberto Scarpa e seu produtor, Guilherme Fiuza, especialmente para o curta-metragem. A piada extravasou as fronteiras da tela e se tornou mote para “Genial!”, programa que Scarpa vai estrear no Canal Brasil, ainda sem data definida. “Agora vão poder dizer mesmo que estou fazendo televisão”, ironiza ele, referindo-se a algumas más críticas que recebeu sobre “Os Filmes que não Fiz”, apontando uma suposta estrutura televisiva no filme.

O projeto de “Genial!” consiste em entrevistas que Scarpa tem feito com vários cineastas brasileiros sobre quais foram suas “ideias de gênio” que nunca se concretizaram. Scarpa já gravou (ou vai gravar) com Lírio Ferreira, José Eduardo Belmonte, Marcelo Gomes, Karim Aïnouz, Paulo Machline, Luiz Carlos Lacerda, Laís Bodanzky e Edgard Navarro, entre outros.

A primeira temporada contará com 12 episódios de dois blocos cada. No primeiro, um bate-papo descontraído com o diretor em questão. Na segunda parte, um falso trailer filmado com algumas das ideias “geniais” dos projetos frustrados daqueles mesmos cineastas – sempre protagonizados pelo próprio Scarpa, com muito bom humor. Para evitar um tom repetitivo, Scarpa gravou com cada convidado em lugares e ambientes diferentes – incluindo uma cervejinha à beira da piscina com o pernambucano Lírio Ferreira. Se o projeto der certo, o mineiro não descarta a hipótese de uma segunda temporada e, quem sabe no futuro, incluir atores na lista de presença.

Apesar de se tornar uma figura mais “pública” com “Os Filmes que não Fiz”, Scarpa não era estreante no audiovisual quando lançou o curta-metragem, em 2008. A porta de entrada para esse mundo se deu especialmente entre 1998 e 2002, quando ele foi responsável pelo estúdio Santa Clara (“o nome era homenagem à padroeira da televisão”, frisa), espaço amplamente utilizado em Belo Horizonte por produtoras de comerciais, vídeos e filmes. “Foi uma época em que convivi com diretores variados, responsáveis por clipes e publicidades. Conheci bem a fundo o universo de um set de filmagem e toda a ética e política necessária nesse meio”, conta.

Após experiência na Secretaria de Comunicação do governo federal, quando trabalhou em Brasília, Scarpa voltou para a capital mineira. Juntou R$ 160 mil – de dinheiro próprio e também de patrocínios do BMG e Usiminas – para dar vazão a “Os Filmes que não Fiz”.

Além de três curtas em processo de discussão, Gilberto Scarpa estuda a possibilidade de levar a cabo seu primeiro longa. O projeto vai se chamar “Até o Fim”, e o roteiro narra as desventuras de um cantor insatisfeito com a carreira que vai se dispor a tudo – inclusive ameaçar uma imensa plateia com uma bomba – para chamar a atenção. Hoje, Scarpa pode se gabar dos filmes que faz e vai fazer.

*Originalmente publicado no jornal O TEMPO em 18.2.2010

3 comentários:

Modz disse...

Olá,

como faço para adquirir o Curta Os filmes que eu nunca fiz?

Sinceramente eu não gostaria de baixar nada, mas parece que seria o caminho mais possível, mesmo assim, não consigo.

Os Curtas não estão nas locadoras, nem em dowload, tão pouco no youtube. Então, eu estou a mercê da boa vontade de algum festival colocá-lo em seu cronograma? E esperar duas horas para assitir um curta de 7 minutos? E ainda ter que aguentar alguém ouvindo Chico Buarque em um radinho de pilha na fila?

Por favor, caso seja possível, me indique qual caminho devo trilhar. Muito obrigado.

Firmo que, os curtas de Scarpa são os melhores.

Atenciosamente,
Modz

Marcelo Miranda disse...

Prezado,
é possível assistir a "Os filmes que não fiz" no site Porta Curtas. Vá em www.portacurtas.com.br e procure pelo nome do Gilberto Scarpa. O filme vai aparecer, e é só clicar pra ver.

Modz disse...

Muito obrigado!