sábado, 19 de dezembro de 2009

"Avatar": um grande engodo



por Marcelo Miranda


O tamanho da expectativa e a publicidade maciça em torno de um filme como Avatar o tornam praticamente à prova de críticas. Quem, afinal, vai querer refletir sobre o arrasa-quarteirão que não se pode deixar de ver, sob risco de ficar de fora das rodas de conversa das próximas semanas? Isso, claro, não isenta o filme de ser problematizado - apesar de boa parte da mídia (incluindo a brasileira) estar embarcando muito facilmente na viagem proposta por James Cameron, chegando a ponto de chamá-la de "o filme do século" e outras hipérboles tão alucinantes quanto o próprio filme.

O que parece ter sido deixado de lado é a percepção de que Avatar trata-se, basicamente, de uma grande aventura juvenil travestida de filme adulto filosófico. Não há problema nisso, essencialmente. A controvérsia se instala quando a massificação desse tipo de produto tapa os olhos dos espectadores, fazendo-os acreditar estar assistindo a algum projeto de cunho profundamente questionador sobre a falta de limites da ação humana contra a natureza - que é, afinal, do que trata Avatar.

Cameron desenvolve o filme da forma mais simplista possível. Nada surge na tela sem que o espectador já não esperasse. Não se fala, aqui, de previsibilidade. O que se tem em Avatar vai além: é um jeito de acumular acontecimentos e informações da forma mais cômoda e fechada que se possa imaginar. Nada, no filme, é minimamente desafiador ou passível de ser colocado em dúvida. Mesmo o conflito do protagonista (vivido meio por osmose pelo novo queridinho de Hollywood, Sam Worthington), que envolve traição, perda de valores e negação da própria raça, resolve-se menos no embate do personagem com suas dúvidas do que em definições previstas no roteiro. Tem-se pouco cinema para muito conteúdo sem substância.

Pode soar pecaminoso falar em "pouco cinema" num filme que eleva à perfeição o conceito de terceira dimensão. Assistir a Avatar com os óculos 3D é realmente estar dentro do mundo criado por Cameron. Só que existe um contraponto: a ostentação é tamanha, e as situações, tão próximas da repetição, que o risco de tédio é altíssimo. Pode-se encantar com as criaturas, as paisagens e as cenas de ação, mas a experiência vai se resumir bem mais ao visual puro e simples do que ao uso desse visual dentro da concepção do filme.

Avatar é um engodo e uma falácia. Finge-se de adulto para ser infantil - diferente, por exemplo, de animações recentes como Coraline e Up, que se fingem de infantis para serem também bastante adultas. A quem exige saber numa crítica se o filme é "bom" ou "ruim", deixemos claro: "ruim" o longa de Cameron não é. Mas esse tipo de veredicto está longe de ser tão absoluto e pontual.

Se o cinema deve ser enxergado como algo muito maior que a ideia de consumo ou da noção tão perpetrada de "blockbuster", então não basta pensar num filme nesses termos puramente qualitativos. O hype em torno de Avatar pode cegar nesse sentido. Que não se engane: o filme de Cameron não vai ficar.

8 comentários:

Fabio Rockenbach disse...

Estranho
É a primeira vez que leio alguém dizer que o filme quer ser algo adulto, desafiador e provocar qualquer tipo de reflexão - adulto filosófico, então, foi o que menos ouvi de qualquer envolvido ou espectador a respeito dele - quando tudo o que eu encontrei e ouço todos defenderem é como ele é deliciosamente juvenil e descompromissado.
Às vezes é bom não procurar pêlo em ovo, porque Avatar é tão "sério" quanto eram Aliens, Terminator e True Lies. E extremamente divertido - não há mal nenhum em se divertir no cinema, afinal, ainda mais com qualidade.
E tédio foi a última coisa que senti.
Anyway, opiniões, o que seria do cinema se todos gostassem das mesmas coisas.
Abraço

Leo Cunha disse...

Marcelo, se bem entendi o que você chamou de "infantil", seria o aspecto fabular da trama? Neste sentido, concordo.
Mas eu, que tenho sérios problemas com filmes longos, em geral, dessa vez confesso que não vi o tempo passar. Achei o ritmo muito envolvente, repleto de picos e pausas bem colocadas. Como o Fábio (Rockenbach? Sério?) acima, eu também não senti tédio algum.
O que me incomodou um pouco foi a obviedade dos paralelos da trama com o Estado Norte-Americano, sobretudo com a guerra do Iraque (a pedra azul representando o petróleo, a tática "primeiro nos tornamos inimigos deles, depois tomamos o que queremos", o uso de pre-emptive strikes, etc e tal). O vilão é tão caricatural que nem o Michael Moore teria coragem de pintar. Dei boas risadas em horas erradas.

Marcelo Miranda disse...

Fabio,
ser um filme "deliciosamente juvenil e descompromissado" não significa, a meu ver, ser tão boçal como me parece "Avatar". Para ficar apenas em três exemplos óbvios, "Star Wars", "Indiana Jones" e "De volta para o futuro" se encaixam à perfeição nesse seu conceito.

Basta pensar em cada um destes para sentir a diferença abissal com o novo James Cameron. Longe de mim querer comparar ou ficar colocando os filmes numa hierarquia, mas é que sustentar as limitações de um trabalho de "entretenimento" porque ele é de entretenimento periga a legitimação a produtos grotescos, como "Bad Boys", ou acéfalos, como "Avatar".

O Leo Cunha, no comentário acima, percebeu o que eu quis dizer com "aventura filosófica": me parece evidente o interesse do Cameron em fazer analogias com a atual situação da política dos EUA e, de quebra, uma grande lição em prol do meio ambiente. Ele só faz isso da forma mais rasteira possível, tentando fazer com que o espetáculo do filme suplante as obviedades que ele entrega.

O Cameron mesmo foi muito mais feliz nos citados "Exterminador" e "True Lies", para não falar de "Titanic", todos bastantes superiores (e não menos espetaculosos) que "Avatar". E - pelo amor de Deus! - eu jamais disse que há algum mal em se divertir no cinema. Quando digo que "Avatar" não é ruim, muito dessa afirmação se deve justamente ao fato dele me divertir, ainda que, por vezes, beire o tédio.

Abraços.

Eduardo R disse...

Eu também me incomodei um pouco com as obviedades e um certo didatismo. Acho que o filme ganharia se não tivesse aquela narração. Mas ainda assim é uma experiência singular e que emocionou em certos momentos.

Rafael Porto disse...

A narração, como bem comentou Eduardo R, dá aquele tom autoexplicativo que estraga parte dos blockbusters, mas no caso de Avatar, não chega a incomodar, já que dura apenas o primeiro ato.

O filme se desenvolve bem e, sim, consegue fazer boas relações com o contexto político atual e criticar nossa relação com a natureza. Por sinal, o filme mais bem sucedido neste quesito até agora.

Rafael Porto disse...

Quanto ao comentário do Léo Cunha, realmente, em alguns momentos, o vilão soa muito caricato/indestrutível, o que incomoda um pouco. Mas não afeta a tensão que a obra promove em seu clímax.

Adriana Melo disse...

Eu acabei de voltar do cinema. Fui conferir a crítica. Fiquei pensando: o que gerou tanta louvação? Até que enfim encontrei alguém com a mesma opinião que eu. O Marcelo Miranda postou EXATAMENTE o que eu pensei. Ufa! Não estou sozinha no universo! Existem pessoas pensantes!! Só posso acreditar que todos os críticos e jornais e revistas foram comprados. O filme é péssimo e eu saí de lá com raiva. O filme me deu raiva. Quase fui embora. Só esperei o final em respeito ao dinheiro que gastei com o ingresso. Não dá. SOCORRO! Eu não quero ver nada azul na minha frente por alguns dias...

william paul da costa disse...

Marcelo,

vc tem toda razao, nunca me senti tão enganado com um filme, a palavra é éssa "engodo", quase um crime se a gente vivesse em uma sociedade de consumo consciente...mas tudo bem, a culpa é também dos meios de comunicacão completamente a servico do capitalismo holliwoodiano. Fiquei muito irritado não so por que sou fan de ficcao cientifica como de cinema de um modo geral e sei o quanto isso ocorre com frequencia mas dessa vez foi muito descaradamente enganoso...é isso.
vou parar por aqui se não vai ficando chato...mas é isso. parabens pelo blog.