Por Nísio Teixeira
Novamente, ao folhear empoeiradas, mas sempre mui interessantes páginas da Revista Carioca, deparo-me, desta vez, com outra - no mínimo divertida - dica das estrelas de Hollywood aos leitores do semanário fluminense. No número 208, de 7 de outubro de 1939, Humphrey Bogart ensina, em três páginas (28, 60 e 61), os truques para se tornar um autêntico Glamour Boy, a partir da própria experiência. Aqui vão alguns trechos selecionados, procurando manter a grafia encontrada na revista. Após breve introdução, Bogie promete então "iniciar meus amigos no segredo da minha sedução pessoal":
"Primeira parte é a técnica da conquista, bastante profunda e complexa (...) O Glamour Boy deve ter ombros de atleta; pés de dansarino e imaginação de escritor das novelas folhetinescas. Os cabelos devem ser ondulados e uma mechinha deve estar sempre caindo sobre a testa, não importando o número de vezes que você passe o pente, atirando-a para trás. (...)
Uma cicatriz é indispensável. Arranje-a no queixo, na mão, no pescoço (...) e use então a imaginação do escritor de folhetins para lhe dar uma bela história (...) uma greve de operários (...) ou uma outra coisa qualquer em que haja ambiente perigoso. O que é, porém, indispensável (...) é você deixar transparecer que tem um mistério na vida. Nem a cicatriz será tão importante para você. Arranje o mistério de qualquer maneira, e deixe esse mistério boiar em seus olhos, dando-lhe um ar de sofrimento interior, que você procura em vão ocultar totalmente. É um sucesso absoluto esse mistério.
Recomendo muita discreção com perfumes. Use perfume caro e, por isso mesmo pode economizá-lo o mais possível. (...)
É um ótimo negócio para um Glamour Boy adquirir um sotaque estrangeiro. Pessoalmente uso o sotaque de Oxford, mas há quem prefira falar com acento espanhol (...) Será de um efeito surpreendente se você aprender a falar 'Eu te amo' em várias línguas. Faz parte do meu programa também. Tomem nota disso.
Um Glamour Boy deve ter um empregado que o serve há anos e anos e cujos pais já foram criados de seus pais. Conte alguma estória comovente a respeito da dedicação de seu criado quando tiver hóspedes em casa (nota: não tem importância nenhuma o fato do criado o servir apenas há uma semana ou ser alugado por horas...)
O banho do Glamour Boy nunca deve ser feito dentro de uma banheira confortável, com água morna jorrando sobre seus músculos privilegiados. O Glamour Boy perde noventa por cento do seu prestígio se confessar que toma banho na banheira. Só o chuveiro gelado, uma ducha fortíssima está de acordo com o seu espírito esportivo (...)
Sua roupa deve estar sempre meticulosamente limpa e passada. Pode fingir que não presta atenção nisso (...) É muito útil possuir um alfinete de gravata com uma pérola. Quando alguém se referir a ela faça um sorriso especial, como quem quer dizer que aquela pérola tem uma história (mas jamais faça referências á história. Pode ser que sua imaginação não seja tão boa assim).
Tenha em casa um licôr vindo da China, caviar da Rússia e outras novidades estrangeiras a que você se referirá da seguinte maneira:
- Ainda tenho aqui daquele licôr chinês...
Setenta por cento dos convidados completarão a frase, mentalmente: "que trouxe quando fiz minha última viagem ao oriente" (...)
As mulheres se dividem em vários grupos: as esportivas, as tímidas e sensíveis, as que já nascem donas-de-casa e as 'gran-finas'. Ás esportivas, você poderá impressionar tremendamente se as levar aos torneios de box, torcer pelo melhor club de football (o que elas applaudem) e mostrar-se campeão de nado ou remo. As tímidas ficam profundamente sensibilizadas quando são levadas a um teatro, assistem 'La Bohème' e recebem, com prazer, uma caixa de violetas. Para as donas de casa de nascença, mostre conhecer algumas regras de jardinagem e dê uma opinião qualquer sobre biscoitos ou cortinas. É tiro certo. Quanto ás 'gran-finas', nada melhor do que uma bela ceia num restaurante de luxo e uma palestra sobre Paris ou Londres.
Esses são os conselhos de um verdadeiro Glamour Boy. Leiam e meditem. Mas não meditem excessivamente, porque poderão perder o interesse..."
P.S.: Será que Woody Allen se inspirou aí quando colocou Bogie como conselheiro amoroso de seu personagem em Sonhos de um sedutor (Play it again, Sam/1972, dirigido por Herbert Ross) ?
Um comentário:
O Woody Allen, com certeza. E talvez também o Billy Wilder, quando criou o personagem do Bogart em Sabrina. Reparando bem, o filme pode ser entendido como um embate entre o verdadeiro glamour boy (que, ao final, se revela como Bogart) e o falso glamour boy (como era o William Holden, afinal de contas).
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