segunda-feira, 8 de março de 2010

Kathryn Bigelow e o Oscar 2010



por Marcelo Miranda

“Chegou o dia”, suspirou Barbra Streisand, ao abrir o envelope ostentando o nome de Kathryn Bigelow como vencedora do Oscar de melhor direção por seu “Guerra ao Terror”. Aos 58 anos, com oito filmes no currículo e quase sempre correndo por fora do circuito hollywoodiano, Bigelow foi o grande nome e a presença da noite de domingo, no Kodak Theatre, em Los Angeles, ao se tornar a primeira mulher a vencer um Oscar como diretora.

Os votantes da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood deram a “Guerra ao Terror” seis dos nove prêmios aos quais concorria. Nenhum teve peso tão simbólico quanto o de direção a Bigelow em pessoa, na véspera do Dia Internacional da Mulher. O longa sobre um grupo de desarmadores de bombas na guerra do Iraque levou ainda melhor filme e roteiro, entre outros (veja ao lado). “Este é o momento de uma vida”, disse ela, trêmula, com a estatueta dourada nas mãos e minutos antes de retornar ao centro do palco, chamada por um desanimado e pouco à vontade Tom Hanks. “Dedico aos combatentes no Iraque e no Afeganistão”, afirmou.

Foi uma vitória pessoal não apenas para Bigelow, cineasta autoral que sempre apostou em produções de gênero (do terror à guerra, do policial ao suspense). A Academia também reconheceu a possibilidade de supremacia de uma realização independente em cima dos milionários blockbusters. “Avatar”, com seus US$ 500 milhões de orçamento, levou só três prêmios, todos técnicos – um deles, o que James Cameron provavelmente mais almejava, o de efeitos visuais.

A singularidade se mistura à ironia no reconhecimento de “Guerra ao Terror”. Trata-se de um filme rejeitado pela indústria que a Academia representa. Teve financiamento europeu (orçamento de US$ 11 milhões), acumulou péssima bilheteria quando entrou em cartaz nos EUA e foi esnobado inclusive no Brasil, onde saiu apenas em DVD no meio do ano passado pela distribuidora Imagem (só neste ano ganhou as telas de cinema). Hoje, “Guerra ao Terror” é um dos projetos mais valorizados dos últimos anos: são 65 prêmios, incluindo os da noite de domingo no Oscar.

O que significa, então, oscarizá-lo? Ao filme, a essa altura, muito pouco – exceto pela horda de curiosos que de repente passou a prestar atenção naquela jovial senhora de 1m82 que faz “filmes de ação” (alcunha pela qual a mídia inadvertidamente tem reduzido Bigelow).

Já para a produção independente de um modo geral, o Oscar a Bigelow pode representar um respiro e mesmo o estímulo a produtores investirem dinheiro em projetos arriscados e de menor porte. Se “Avatar” deu novo fôlego ao circuito exibidor – com mais de US$ 2 bilhões arrecadados no mundo até agora –, a vitória de “Guerra ao Terror” tem potencial de tirar da gaveta uma provável leva de bons (e baratos) projetos.

É algo com o qual o cinema norte-americano tem sofrido: a falta de oportunidade a nomes que insistem em nadar contrários à maré tecnológica e biliardária das superproduções. Com o aumento da pirataria e a crise econômica, estúdios preferem gastar em lucro certo. “Guerra ao Terror” não deu lucro, mas prestígio. E gastando muito pouco.

Originalmente publicado em O TEMPO no dia 9.3.2010

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