segunda-feira, 17 de maio de 2010

Novo filme de Iñarritu, nada bonito



por Marcelo Miranda
Depois de três filmes misturando histórias, personagens, tempos e espaços, o cineasta mexicano Alejandro González Iñarritu estava cansado. Queria fazer algo mais direto. Realizou "Biutiful", seu quarto longa-metragem, exibido ontem, dentro da competição do 63º Festival de Cannes.

"Fiquei exausto depois de rodar o globo para fazer ‘Babel’", disse ele, sobre o filme de 2006 que lhe rendeu o prêmio de melhor direção aqui mesmo em Cannes, e cujo enredo se espalhava por três países (EUA, Marrocos e Japão). "Prometi a mim mesmo que faria um próximo filme simples, com um personagem, um único ponto de vista, uma só cidade e falado na minha língua", brincou.

A renovação foi o tema central da conversa de Iñarritu com os jornalistas em Cannes. O que não foi sequer mencionado é o fato de "Biutiful" marcar a primeira experiência do diretor sem a parceria com o roteirista Guillermo Arriaga. Juntos, eles fizeram "Amores Brutos" (2000), "21 Gramas" (2003) e o citado "Babel". Por desentendimentos artísticos - Arriaga exigia crédito de coautor nos filmes -, os dois se separaram e seguiram caminhos distintos.

Curiosamente, um somou a função do outro em seus projetos seguintes. Arriaga escreveu e dirigiu "Vidas que Se Cruzam" (2009), enquanto Iñarritu dirigiu e escreveu "Biutiful" junto com o colega roteirista Armando Bo. "Eu quis experimentar novas formas de narrativa e estrutura. Fiz algo diferente de tudo o que já tinha realizado mas, ao mesmo tempo, igual, com as mesmas obsessões", afirmou.

As obsessões de Iñarritu se referem ao apocalipse da intimidade que ele tanto gosta de abordar. Em "Biutiful", o enredo se concentra em Uxbal (Javier Bardem), homem bom, divorciado, com a guarda dos filhos e sempre na luta para viver com dignidade. Um dia, ele descobre que está com câncer terminal. No pouco tempo que lhe resta, Uxbal tentará fazer o que acredita ser certo, mesmo com "o mundo inteiro contra ele", nas palavras de Iñarritu.

É outro filme mundo-cão do cineasta, tomado por um tom melodramático, que nem sempre funciona muito bem. Iñarritu poetiza demais alguns pequenos gestos, o que o deixa no limite entre o sensível e o cafona - e não parece ser essa a intenção num filme de pegada tão séria. Apesar de todo o mergulho no inferno do dia a dia, Iñarritu defende ter feito seu trabalho "mais otimista".

"Há muita esperança. Estou falando de relações próximas numa era dominada pela internet e na qual todos vivemos distantes uns dos outros. A privacidade se tornou o movimento punk moderno", protestou Iñarritu. Jornalistas bateram palmas, e ele logo completou: "Só temos visto filmes com explosões, cinismo, matança. Isso é a vida? É engraçado? Eu acho depressivo", questionou.

Iñarritu pareceu dar uma resposta quase explícita ao concorrente da noite anterior. "Outrage" (ultraje), do japonês Takeshi Kitano, também concorrente à Palma de Ouro, mostra a guerra entre duas gangues de mafiosos numa Tóquio dominada por vingança e violência. O tom quase farsesco de "Outrage" contrastou com a pegada supostamente "vida real" de "Biutiful". O embate de atmosferas cria algumas distâncias interessantes na competição, que segue até sábado.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 18.5.2010

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