por Marcelo Miranda
O crítico baiano André Setaro lança em abril, pela Azougue Editorial em conjunto com a editora da UFBA, a coleção em três volumes Escritos sobre Cinema - Trilogia de um Tempo Crítico. Cada livro aborda um aspecto dos textos de Setaro - a saber: filmes, atores e diretores; linguagem cinematográfica; e cinema baiano.
Em homenagem a este momento especial, reproduzo abaixo a entrevista que fiz com André Setaro em janeiro, na 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes, onde ele era integrante do júri da crítica.
Setaro em Tiradentes. Foto de André Fossati
Patrimônio da crítica baiana
*publicado em O TEMPO no dia 31.1.2010
Aos 59 anos, André Setaro é um patrimônio da crítica de cinema na Bahia. Professor e jornalista, escreve desde os anos 70 e formou uma geração de cinéfilos. Em breve, lança coletânea de livros com seus escritos e, hoje, mantém um blog. Confira a conversa.
Você se formou em direito, mas enveredou pela crítica. Como se iniciou nesse meio?
Minha formação em cinema é praticamente autodidata. Também estudei jornalismo e comecei a escrever sobre filmes em 1974. Ia ao cinema todos os dias. Filme inédito, então, não podia perder. Foi quando a "Tribuna da Bahia" me convidou para uma coluna diária de crítica. Lá eu escrevi ao longo de 20 anos. A partir do momento em que os filmes começaram a não me motivar tanto, resolvi passar a escrever semanalmente.
O que você assistia?
Frequento cinema desde 1956 e tenho uma formação em filmes de gênero, basicamente de Hollywood. Quando conheci o Clube de Cinema da Bahia, fundado por Walter da Silveira, comecei a entender mais coisas. Vi nessa época "Hiroshima Mon Amour", "Ladrões de Bicicleta", "Guerra e Humanidade", "Contos da Lua Vaga", "Rocco e seus Irmãos", "Deus e o Diabo na Terra do Sol"... Foram todos filmes-faróis para mim. O assombro de quem vinha de uma criação hollywoodiana, me despertou para o cinema como uma expressão artística.
Tendo acompanhado tão de perto o auge da produção de cinema brasileiro e estrangeiro, como vê nosso circuito comercial?
Vamos focar apenas em Hollywood. Há uma diferença muito grande hoje em relação à produção média dos anos 50 e 60, que era uma produção madura. Nos anos 70, a indústria entrou em crise e surgiram realizadores independentes, como Martin Scorsese e Francis Ford Coppola. Mas, depois de "Star Wars" (1977), de George Lucas, começou a infantilização temática da indústria cultural. Então, a produção média é muito inferior àquele período. Existem exceções, há grandes filmes, mas não existe, no geral, um conjunto de realizadores de tamanha excelência. Antes tínhamos Billy Wilder, Fellini, Visconti, Kurosawa, até um segundo escalão que hoje pode ser considerado de primeiro, como Valerio Zurlino e Mario Monicelli. Atualmente você cata nos dedos alguns grandes diretores, uns dos EUA, outros da Europa, e ainda o surgimento do cinema iraniano e sul-coreano.
Quais gosta mais?
Considero o francês Alain Resnais o maior cineasta vivo. Gosto de Clint Eastwood, dos irmãos Coen, de Paul Thomas Anderson, dos irmãos Taviani.
E o cinema brasileiro?
Não entendo muito bem de economia do cinema, mas essa coisa de captação de recursos é uma camisa-de-força. Perdeu-se muito daquela criatividade dos anos 60. Hoje seria impossível existir um filme como "A Margem" (1969), de Ozualdo Candeias, ou os de José Mojica Marins, que eram todos muito melhores que seu recente "Encarnação do Demônio", já um filme de captação de recursos. Há, claro, ainda bons realizadores, como Beto Brant, Eduardo Coutinho, Carlos Reichenbach e Julio Bressane. O Walter Salles, tão apreciado, eu acho que faz filmes de catequese. Fui a uma sessão de "Linha de Passe" com a presença dele, e ele ficou explicando didaticamente o filme, como se estivéssemos numa pastoral. O cinema não deve ser explicado. Luis Buñuel, sempre que perguntado o que havia na caixinha mostrada em "A Bela da Tarde", respondia: "Não sei".
Vários dos seus escritos vão ser reunidos em livro. Gostaria que falasse do projeto.
É uma coletânea que reúne a seleção de 35 anos de textos cinematográficos. O organizador, o professor Carlos Ribeiro, decidiu dividir em três volumes. Um é dedicado a diretores e filmes, outro sobre o cinema baiano e um só tem artigos de linguagem e estética do cinema. Os livros se chamarão "Escritos sobre Cinema - Trilogia de um Tempo Crítico".
Vou te fazer uma pergunta-clichê: se fosse morar numa ilha deserta e pudesse levar só três filmes, quais seriam?
Eu levaria, apesar de tão batido, "Cidadão Kane", do Orson Welles. E também "O Terror das Mulheres", do Jerry Lewis, e "A Roda da Fortuna", do Vincente Minelli. Mas poderiam ser outros.
Você é professor de cinema na Bahia. Como enxerga o ensino fílmico nas faculdades?
Dou aula desde 1979. De lá para cá, houve um enorme surgimento de escolas de graduação em cinema. A procura aumentou também, todo mundo quer fazer cinema. Acontece que algumas escolas estão ensinando nos moldes "academicizantes". Eu dou aulas, mas não sou acadêmico, não gosto de tratar o filme como rato de laboratório, usando jargão de "comuniquês". Cinema é emoção, razão, interpretação. Os estudos praticados em torno dele estão muito despersonalizados, com aquela escrita influenciada pelo estruturalismo e que cria uma fôrma de bolo para aplicar ao filme. A semiótica, para mim, é um punhal que esfacela a emoção da obra e sai na busca desesperada de significações.
Qual a sua visão sobre como ensinar cinema na faculdade?
As pessoas precisam saber questões de linguagem. "Frenesi", do Alfred Hitchcock, eu sempre exibo em aula, em função da produção de sentidos feita pelo filme em várias cenas. Hitchcock manipula as emoções de tal maneira que você torce pelo assassino. Tudo pela "mise en scéne". Não sei por que o público em geral não adentra a "mise en scéne". Vê-se o filme pelos seus temas nobres. Tema é importante, mas precisa estar associado ao processo de criação do cinema. É como escrever um livro: tem que escrevê-lo bem, saber manipular a sintaxe da língua. Isso não é muito buscado na recepção dos filmes pelo espectador, e isso passa pelo ensino em geral.
A Bahia é um Estado de forte herança crítica, berço de Glauber Rocha (que escreveu antes de se tornar cineasta) e Walter da Silveira.
O Walter eu considero um dos maiores ensaístas que o Brasil já teve, no nível de Paulo Emilio Sales Gomes e Francisco Almeida Salles. O próprio Glauber começou a descobrir o cinema no clube fundado pelo Walter, e também exerceu a crítica no "Jornal da Bahia". Atualmente, em termos de crítica, eu acho a Bahia uma terra arrasada. Tem o João Carlos Sampaio, que sempre escreve algumas coisas boas, mas não temos mais um crítico que extrapole as nossas fronteiras.
Como você enxerga a crítica de cinema atual no Brasil, de um modo geral?
A nossa crítica foi excelente nos anos 50, com Ely Azeredo, José Carlos Avellar, Paulo Perdigão, Sérgio Augusto, José Lino Grünewald, Moniz Vianna. Depois houve o fechamento dos suplementos culturais e a diminuição do espaço na mídia impressa. Ainda temos o Inácio Araujo na "Folha de S.Paulo" e o Luiz Carlos Merten no "Estadão". A grande revelação da nossa crítica, porém, foi o surgimento de textos na internet. Foi no espaço virtual que vim a conhecer a revista Contracampo, publicação que se assemelha, guardadas as proporções, à francesa "Cahiers du Cinéma" e que investiga o cinema. Depois vieram a Cinética, a Paisà, a Filmes Polvo, o Cinemascópio. São todos sites que reúnem pessoas altamente capacitadas para o exercício da crítica.
Um comentário:
Olá!
Meu nome é Douglas Santos e trabalho na agência publicitária Núcleo da Idéia Comunicação. Gostaria de um e-mail para que possamos entrar em contato direto. Por favor, envie para mkt9@nucleodaideia.com.br
Aguardo resposta e agradeço pela atenção.
Postar um comentário