por Leonardo Amaral
E o Michael Jackson morreu (quase há um mês, e o entorno ainda rende muita coisa, a televisão, por vezes, é um meio ultra-interessante). Para mim, sua morte é o evento mais interessante dos últimos anos. Citar Cidadão Kane é até recorrência banal. A cada novo depoimento na mídia o caso ganha em espetáculo, o artista é pintado em várias formas, haja tinta. No palco, Michael é o espetáculo, o corpo no limite físico, do movimento impossível, da improbabilidade da dança. Sempre fui fã distante, apreciava algumas músicas, sou vidrado nos videoclipes. Se querem a imagem-espetáculo, vão aos clipes e shows do Michael.
Sua vida inaugura a imagem-cinismo coligada à imagem-espetáculo. A morte mostra o quanto a imagem-cinismo é a vedete do momento. A imagem-cinismo é a construção imagética que olha para o espectador e pede dele uma conjunção de sentimentos, quais sejam o deboche, o sarcasmo, a pena, o ódio, o amor, e clama para ele ser cinicamente tudo isso.
O espetáculo é a construção do próprio ato da representação, essa ação de ilusionismo, é o mágico dos circos que frequentávamos quando criança (até a televisão entrar em cena e mostrar as artimanhas para jogar agora com a imagem-cinismo), como também o são os passos de Michael Jackson, o moonwalk.
O vídeo acima é uma apresentação do artista em Bucareste em 1992, na turnê Dangerous Tour. Vemos a silhueta: Michael é imagem. A sombra constrói o movimento, os baixos-acordes de Smooth Criminal estandardizam os passos, o corpo que se organiza e mexe no espaço, amplificado: os contornos dão a Michael a marca do inatingível, da perfeição do ato de se mover dado pela dança.
Michael Jackson personifica a figura do artista, aquele que canta, dança, representa, no palco ele é o ator, o show é a narrativa do espetáculo. Ele ganha a frente dos outros dançarinos, esses são meras representações robóticas do que está à baila. Michael dança, coreografa e mostra a falibilidade do corpo humano: fora do palco, o cinismo da vida; dentro dele, a constatação de que ao dançarmos o que mostramos é o nosso desajeito para o movimento, como bem lembra Inácio Araujo em seu blog.
Ao final da imagem em seu processo de espetacularização, fogos de artifícios saem de dentro para fora, fuzilam os corpos do fundo. Esses restam no chão, Michael transita por eles até se refugiar ao fundo, tudo de não passa de artefatos. Michael Jackson foi sempre a figura em sua ambiguidade fotofóbica: por mais que buscasse o refúgio nas sombras, se via capturado pela luz;não por menos sua vida, desde a criança precoce, se vê iluminada por spots. O gênio que de alguma forma é paradigma e objeto dessa sociedade construída no banalizado conceito do pós-modernismo.
Ao final da imagem em seu processo de espetacularização, fogos de artifícios saem de dentro para fora, fuzilam os corpos do fundo. Esses restam no chão, Michael transita por eles até se refugiar ao fundo, tudo de não passa de artefatos. Michael Jackson foi sempre a figura em sua ambiguidade fotofóbica: por mais que buscasse o refúgio nas sombras, se via capturado pela luz;não por menos sua vida, desde a criança precoce, se vê iluminada por spots. O gênio que de alguma forma é paradigma e objeto dessa sociedade construída no banalizado conceito do pós-modernismo.
Um comentário:
Lembrei de um ótimo diálogo do filme argentino "O filho da noiva". O sujeito (Ricardo Darín) está tentando convencer o padre a casar na igreja seus pais velhinhos e ateus. O padre se recusa, pois deus não aceita ateus, ou algo no estilo.
O sujeito reclama do deus preconceituoso que este padre defende.
O padre então diz:
– Entenda, deus não é homem nem mulher, não é branco nem negro, não é novo nem velho.
E o sujeito retruca:
– Não, padre, este é o Michael Jackson.
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