por Marcelo Miranda
Há uma tendência cada vez mais presente na atual produção do cinema brasileiro, que são filmes sobre a espera da violência. Se já era algo meio insinuado no seminal "O Invasor" (2001), a perturbação dessa espera se tornou força motor de, entre outros, "Cafuné" (2005), "No Meu Lugar" (2009) e de dois trabalhos exibidos na noite de sábado na 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes.
Tanto "Cabeça a Prêmio", estreia na direção do ator Marco Ricca, quanto "Os Inquilinos", novo projeto do veterano Sérgio Bianchi, tematizam (e problematizam) os medos oriundos das potenciais explosões de sangue que insistem em pipocar nos programas e jornais sensacionalistas. Essa "cultura do aguardo", às vezes, pode enlouquecer tanto ou mais que os estouros explicitados em "Tropa de Elite" (2007) ou "Cidade de Deus" (2002).
"O cinema é uma resposta da sociedade. E, hoje, do que vamos falar?", questiona Ricca, em conversa com o Magazine. "As nossas pequenas dores estão se transformando em explosões, e o cinema retrata um momento da reflexão humana, como, aliás, deve ser toda atividade do pensamento".
Especificamente sobre "Cabeça a Prêmio", adaptado de um romance do escritor paulista Marçal Aquino, Ricca diz ter encontrado ali o tipo de coisa que lhe interessava falar. "Seria inviável transpor o livro como ele realmente é, por suas cenas episódicas e o mosaico enorme de personagens. Resolvemos narrar a história mais linearmente, o que nos ajudou a aprofundar as relações humanas e contar o enredo através da profundidade daquelas pessoas".
"Cabeça a Prêmio" acompanha uma família, uma dupla de matadores e um piloto clandestino às voltas com seus conflitos pessoais e profissionais. Todos estão sempre esperando algum novo fato violento acontecer - por mais que sejam, às vezes, figuras ativas, eles dependem das escolhas morais de terceiros. "É um filme que vai contra clichês e psicologismos", define Ricca.
Sérgio Bianchi, em "Os Inquilinos", também destitui seus protagonistas de cargas de psicologia. Interessa ao cineasta radiografar o cotidiano de uma família suburbana obrigada a conviver com vizinhos arruaceiros - a base do filme é um conto homônimo de Vagner Geovane Ferrer. Adepto de um tipo de cinema "sujo", sempre atrás da imagem mais apodrecida da sociedade brasileira (vide "Cronicamente Inviável" e "Quanto Vale ou É por Quilo?"), Bianchi surge agora em tom menor - ainda que igualmente selvagem - em "Os Inquilinos". Em vez da explosão, a espera.
"Isso é uma realidade que ninguém gosta de saber", afirma Bianchi. "Por causa disso, fica-se cobrando que o cineasta sempre acerte, e daí surgem esses filmes que se adaptam às estéticas do cinema estrangeiro de ação e espetacularização. Eu não gosto disso e não quero fazer isso. Não busco prazer na violência". A sensação de opressão que "Os Inquilinos" tenta captar representa, para Bianchi, uma resposta ao velho discurso de que "o planeta precisa ser salvo". "Não adianta querer salvar o planeta. Tem que salvar o ser humano e acabar com esse suicídio coletivo que está acontecendo".
Haiti. Ricca e Bianchi citaram a catástrofe no Haiti para refletirem sobre seus próprios trabalhos. "O Haiti talvez seja o nosso ponto de investigação atualmente, o de olhar aquela massa de gente e enxergar ali seus dramas individuais. São esses dramas que têm nos interessado", diz Ricca.
Já Bianchi volta a seu "Quanto Vale ou É por Quilo", que criticava as ONGs brasileiras. "Olhem para o Haiti. Tem 15 mil ONGs lá que não fizeram nada. Ficam me desqualificando e me chamando de encrenqueiro e provocador, mas eu estava certo".
*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 25.1.2010
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