terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Mostra de Tiradentes (4): Natimorto e Lourenço Mutarelli



por Marcelo Miranda

Lourenço Mutarelli se perturba cada vez mais em ver sua interpretação de um obcecado caça-talentos no longa-metragem "Natimorto". Dirigido por Paulo Machline a partir de um livro do próprio Mutarelli, o filme foi exibido na noite de domingo, na 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes, a uma plateia de centenas de espectadores no Cine Tenda.

"É uma sensação horrível", diz o escritor paulista, com seu jeito ao mesmo tempo tímido e simpático, barba meio desgrenhada, óculos escuros, olhar algo desconfiado. "Quando estamos no set, não há exposição. É um grupo pequeno de profissionais, todos trabalhando a favor do filme. A dificuldade, para mim, vem agora, com as sessões".

"Natimorto", também com Simone Spoladore e Betty Gofman no elenco, teve sua primeira apresentação em setembro do ano passado, no Festival do Rio. Recentemente visto em pequenos papéis no cinema ("O Cheiro do Ralo", em 2007, e "É Proibido Fumar", em 2009) e na TV (o telefilme "Para Aceitá-la Continue na Linha", também 2009), Mutarelli declinou de dois convites para novos trabalhos de ator após o impacto de se ver como protagonista na produção de Machline.

Ele conta ter uma relação bem mais desprendida com a literatura do que com a atuação. "Não escrevo tentando fazer alguma obra-prima, mas pela experiência. Na hora de ser ator, como não é o meu trabalho, fico realmente incomodado ao assistir".

Ao menos uma decisão drástica Mutarelli tomou: não vai atuar em outras adaptações de trabalhos seus ("O Cheiro do Ralo", no qual fazia um segurança, é originário de seu primeiro romance). "Pode parecer que eu estou controlando o que fazem, o que não é verdade de forma alguma", comenta. E garante: "Vou aceitar no máximo alguma ponta hitchcockiana". O diretor inglês Alfred Hitchcock se notabilizou por aparecer rapidamente e de soslaio em quase todos os seus 53 filmes.

Ironicamente, a definição de Mutarelli para protagonizar "Natimorto" surgiu a partir de uma sugestão dele mesmo. Inicialmente, o escolhido era Marco Ricca. O ator não pôde assumir o papel por estar, à época, no meio das filmagens de seu primeiro longa como diretor, "Cabeça a Prêmio" (exibido em Tiradentes no último sábado). Em seguida, tentou-se Matheus Nachtergaele, igualmente comprometido com seu filme, "A Festa da Menina Morta", selecionado para uma mostra paralela no Festival de Cannes em 2008.

"Cogitaram um galã, mas eu achava importante que o personagem fosse vivido por alguém feio", relembra Mutarelli, em tom sério e sem um pingo de ironia. "Pedi ao Paulo para fazer um teste e acabei assumindo o papel".

"O Natimorto: Um Musical Silencioso" foi o segundo romance de Lourenço Mutarelli, lançado pela primeira vez em 2004. O escritor conta não ter interferido no processo de transposição do texto original para a tela, feito pelo roteirista André Pinho. Em 2007, o mesmo livro originou uma peça teatral de Mário Bortolotto.

Aos 45 anos e notabilizado inicialmente por seu trabalho nos quadrinhos, Lourenço Mutarelli enveredou nos romances a partir de "O Cheiro do Ralo", em 2002. Desde então, fez sucesso também com outros títulos ("O Natimorto", "A Arte de Produzir Efeito sem Causa" e "Miguel e os Demônios") e já tem dois novos livros semiprontos.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 26.1.2010
**Foto de Leonardo Lara

Um comentário:

Adilson Marcelino disse...

Marcelo,
Bacana você publicar essas matérias de O Tempo aqui.
Como lhe disse, muitas vezes a gente perde coisas ótimas no impresso.
Abs