sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Mostra de Tiradentes (5): "Terras"



por Marcelo Miranda


Uma tríplice fronteira dentro do coração de um país é uma realidade bastante distinta ao que se está acostumado no cotidiano das metrópoles. "Terras", primeiro longa-metragem da diretora Maya Da-rin e exibido na noite de segunda-feira na 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes, tem o propósito de transformar em imagens de cinema os sentimentos de um povo, evitando se tornar discurso sociológico para ser, essencialmente, o testemunho de um fluxo.

"Terras" registra a tríplice fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru a partir de duas pequenas cidades gêmeas, a colombiana Letícia (30 mil habitantes) e a brasileira Tabatinga (48 mil) - ambas rodeadas pela vegetação da floresta amazônica, numa espécie de "ilha urbana", como a sinopse do filme define. Maya Da-rin morou por dois meses na região com o exclusivo intuito de absorver aquela realidade. "Foi um período de pesquisa, no qual a ideia era simplesmente estar ali e sentir o ambiente e o ritmo do lugar", conta a diretora.

A palavra-chave do trabalho de Maya era fronteira. Não apenas a noção dicionarizada do termo (limite ou linha divisória), mas um sentido ainda maior e, por vezes, afetivo. "É a fronteira como espaço de transição e de indefinição, e as formas como as pessoas habitam esse espaço", afirma ela. Maya, no filme, ouve taxistas, barqueiros, índios; mostra gente trabalhando, andando, dormindo, dançando; e expressa a textura do chão, das pedras e da natureza para dar escopo ao que rodeia esses detalhes e tornar mais vívida a experiência de se estar presente ali.

"Eu queria trabalhar num lugar de divisão territorial e perceber como essa fronteira é presente na vida daquela gente, tanto no sentido físico mesmo, de delimitação, até uma noção abstrata desse conceito". Os índios, para ela, representam exatamente um tipo de não-lugar que parece caracterizar a ilha urbana. "Eles estão num local intermediário. Não são reconhecidos como índios, nem são brancos. Não são ninguém naquele mundo".

Por mais claras que fossem as intenções de Maya Da-rin – o que também acarreta o risco do olhar etnocêntrico ou meramente curioso sobre o objeto documentado –, a própria diretora percebeu que suas pré-concepções seriam sabotadas pelo choque cultural. “Tínhamos ideias anteriores à viagem, inclusive em questões de linguagem, limites do enquadramento...”, enumera. “Ao chegarmos lá, percebi que nem sempre esses pensamentos anteriores eram acolhidos pelo que a gente vivia e filmava”.

A cineasta transformou os choques em questões do próprio filme, quando emergiu a noção de “observação participativa”, em que a equipe de Maya se colocava como parte do que tentava registrar. “Era muito forte como éramos colocados, o tempo todo, numa zona de crise”.

Após a experiência de “Terras” – e de um filme anterior, “Margem” (2008), também exibido em Tiradentes, há dois anos, e surgido a partir da mesma viagem de Maya –, a cineasta brinca: “Não quero mais saber da Amazônia!”. Mas logo constata que os significados de fronteira e limite são elementos que a instigam naturalmente. “Estou escrevendo o roteiro de um curta-metragem de ficção, e essas noções estão todas lá novamente”.

*Originalmente publicado em O TEMPO no dia 27.1.2010

**Foto de Alexandre C. Mota

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