sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Mostra de Tiradentes (7): curtas políticos de Recife



por Marcelo Miranda


O pernambucano Sergio Oliveira está com dois filmes em curta-metragem na 13ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Ambos são profundamente políticos, ainda que não tematizem a política no sentido dos conchavos de poder. "Epox" e "Faço de Mim o que Quero" (este, codirigido com Petrônio Lorena) focam uma marginalidade quase invisível. No primeiro, hippies do século XXI; no outro, a cena musical brega de Recife e toda a fauna de gente que a envolve.

"Eu faço cinema porque vejo coisas. É isso que me atrai e me incentiva", atesta o diretor. Sergio Oliveira tem ainda no currículo os curtas "Schenberguianas" (2006) e "Nação Mulambo" (2007). Ele ainda é marido de Renata Pinheiro, roteirista de seus dois curtas recentes e diretora da ficção "Superbarroco" (2008), um dos trabalhos mais premiados em festivais.

Em todos os projetos de Sergio, são definidos olhares destituídos de valores pré-estabelecidos, no intuito de se entregarem a um mergulho completo nos universos escolhidos. "É a minha visão assumida. Não sigo fórmulas, não pergunto muita coisa e acabo por me identificar e encantar totalmente com aquelas pessoas", conta.

Em "Epox", Sergio Oliveira registra as andanças de um grupo de hippies. Mais que isso, ele os deixa falar e os ouve, mostrando aspectos insuspeitos de seus mundos (o uso entre eles de comunicadores virtuais, como o MSN, talvez seja o mais peculiar), permitindo que o afeto - inclusive familiar - impregne as imagens.

"Faço de Mim o que Quero" é mais radical. Um filme grosseiro, sujo, feio e sublime, sobre pessoas que, em ambientes apressadamente considerados degradantes e sem valoração, se sobressaem pela pura alegria na produção e consumo de um tipo de cultura cuja existência tenta ser - ou mesmo problematizada - pelas classes ditas pensantes. Não à toa, o curta, exibido no Festival de Brasília em novembro, provocou evidente incômodo no público preponderantemente formado por estudantes da UnB. Outro fato curioso foi que uma profissional convidada por Sergio para integrar a equipe de produção do filme recusou a proposta alegando não gostar de música brega.

"A nossa classe média é entrincheirada. Só consegui realizar o ‘Faço de Mim o que Quero’ porque cheguei sem tentar impor meus valores", define Sergio. Para ele, tanto os temas que escolhe quanto a forma como os leva à tela são, preponderantemente, políticas. "Eu não mostro poderosos. Mostro pessoas da margem, ao mesmo tempo invisíveis, porque ninguém lhes dá atenção, e também onipresentes dentro da paisagem urbana".

Ainda que apresente segmentos populares da sociedade, especialmente em "Faço de Mim o que Quero", Sergio crê ter realizado "filmes-cabeça". "Não tenho tido um retorno realmente popular", comenta, sem se lamentar. Este comentário de Sergio foi feito horas antes dele exibir o novo filme na praça central de Tiradentes (a apresentação estava prevista para a noite de ontem). Talvez o diretor tenha pagado o preço por mostrar verdades demais. E ele não está incomodado com isso.

*Publicado originalmente em O TEMPO no dia 28.1.2010
**Na foto, cena de "Faço de Mim o Que Quero"

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