domingo, 3 de janeiro de 2010

Lula - O Filho do Brasil



por Marcelo Miranda


A cinebiografia Lula, o Filho do Brasil tem todo o potencial de arrebatar paixões e ódios. É previsível, porém, que as láureas e pedradas serão lançadas menos pelo filme do que pela figura que ele retrata. Trata-se do atual presidente da República, que entra 2010 no último ano de um mandato histórico e na busca ensandecida por eleger o sucessor (ou, muito provavelmente, a sucessora).

Como, então, separar Lula de Lula? A tarefa talvez pareça impossível. O irônico disso, porém, é que o próprio diretor do filme, Fábio Barreto, parece ter feito esse trabalho. O Lula surgido na cadência das imagens de seu longa-metragem guarda profundas semelhanças com o Lula da vida real - trata-se, afinal, de um filme inspirado numa vida -, mas nunca aparenta ser um personagem minimamente táctil. É muito mais um boneco articulado e audiovisual, que fala e anda de acordo com as necessidades de um roteiro (escrito a partir de um livro da jornalista Denise Paraná) e da obsessão de Fábio Barreto em fazer os sentimentos da melodramática trajetória de Lula virem à tona sob todo e qualquer aspecto, sem que o espectador precise, num instante que seja, duvidar ou questionar aquilo ao que assiste.

Muito se relaciona Lula a 2 Filhos de Francisco. A comparação é pouco procedente. O filme de Breno Silveira tinha uma evolução cumulativa, fazendo das desventuras de dois (a certa altura, três) irmãos cantores uma saga de vitória ascendente, em que um evento está concatenado ao outro. No caso de Lula, a preocupação está mais em inserir uma quantidade considerável de elementos da vida pregressa do atual presidente, mesmo que um não pareça se conectar ao outro. Duplo efeito: num filme cuja característica maior é o didatismo grosseiro, tem-se dúvida de captar os atropelos expostos no enredo.

Talvez o único momento de real coesão seja a morte da primeira mulher de Lula, "empurrando" o personagem ao sindicalismo. Mesmo aí, Barreto faz do protagonista uma espécie de figura iluminada e transformada: a barba cresce, a voz se modifica e a movimentação corporal ganha mais ginga. É tão gritante e pouco sutil que a impressão é de artificialismo. Esquecemos de um personagem e pensamos numa construção.

O importante em qualquer criação cinematográfica (seja ela baseada ou não nos famigerados "fatos reais") é tornar autêntica a experiência na tela. Autenticidade nada tem a ver com realismo, naturalismo ou coisa que o valha. Tem mais relação com o quanto o que nos chega através das imagens instiga e provoca algum diálogo com quem as assiste. Godard fazia filmes despirocados nos anos 60, e eram todos de uma autenticidade ímpar. Carlos Reichenbach faz sua operária de Falsa Loura cantar num mar de plástico, e a cena é de uma verdade cristalina.

É esse tipo de verdade que Lula não atinge, independente de quaisquer conotações políticas, preferências eleitoreiras, visão chapa-branca ou melodrama assumido. Tudo no filme (ou quase tudo) aconteceu de fato. Nada, porém, nos parece realmente acontecer na tela através daquele universo criado por Fábio Barreto para narrar a realidade. A emoção que eventualmente brota do filme se deve muito mais à noção inconsciente daqueles acontecimentos. Porque, cinematograficamente, não sobra muito.

(leia meu outro texto sobre o filme, escrito no Festival de Brasília)

4 comentários:

Ranieri Brandão disse...

Estou tentando não me deixar levar pelas imagens que vi do trailer, para assistir o filme no cinema, Marcelo. Confesso que está me parecendo uma missão difícil, a cada vez que penso nisso...

Adilson Marcelino disse...

Meu caro,
Fui assistir ontem Lula, O Filho do Brasil.
Que coisa, heim?
Dinheirão jogado fora.
O que chateia é que história tinha.
Mas que roteiro e direção equivocados!
E a trilha original onipresente?
Já a trilha adaptada eu gosto.
O que salva mesmo é a atuação do Rui Ricardo.
Já a Glória Pires, que falam tanto, só achei correta.
Abs

Marcelo Miranda disse...

Também não acho a Glória Pires em nada excepcional no papel, Adilson. Ela faz o trabalho, simplesmente, de estar lá. Diferente de "É Proibido Fumar", no qual existe um processo de criação mais forte. Acho que o sentimentalismo em torno da ideia de uma mãe defendendo o filho reforçaram a falsa noção de que ela esteja "brilhante" como dona Lindu.

Adilson Marcelino disse...

Pois é, no É Proibido ela está ótima e mereceu o prêmio de Melhor Atriz. Mas no Lula, apenas correta.
Acho que tem essa coisa também de quando é uma unanimidade, e a Glória é, pelos menos na TV. Daí as pessoas acabam vendo apenas a unanimidade.
Como a Fernanda Montenegro, outro exemplo, que é outra grande unanimidade - e essa, tanto na TV quanto no cinema e teatro.
Ela pode estar lá apenas sendo correta, mas todo mundo fala que ela está sempre excepcional.
abs